Com a reforma do Judiciário, estabelecida pela Emenda Constitucional 45/2004, foi instituído, com o propósito de proporcionar maior celeridade na prestação jurisdicional, o instituto da Repercussão Geral. Ela foi então criada como um filtro institucional capaz de assegurar que o Supremo Tribunal Federal apenas examinasse questões constitucionais relevantes, próprias de um “Guardião da Constituição”.
Mas o que acontece com os outros processos, quando apenas um é o escolhido como representante da controvérsia, pelo referido instituto da repercussão geral?
“ Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”
No entanto, o fato de ter repercussão geral da matéria não significa que o processo (discussão tributária) ficará sobrestado com a exigibilidade do crédito, que nele se discute, suspensa. Assim, o contribuinte fica à mercê da constrição patrimonial.
Neste ponto, o novo Código de Processo Civil poderia, mas não inovou, e esta problemática perdura na vida dos contribuintes litigantes, gerando um enorme prejuízo para todos que enfrentam o longo caminho das discussões tributárias no país.
Vejamos o que assegura o Novo Código:
“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
§ 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
§ 2o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.
§ 3º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2º caberá apenas agravo interno. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
§ 4o A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia.
§ 5o O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.
§ 6o Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.”
Como novidade, apenas a expressa previsão para o cabimento de Agravo em face da decisão que determinar o sobrestamento. Ou seja, enquanto a matéria tributária estiver pendente de decisão definitiva, a parte, cujo processo estiver sobrestado, precisará socorrer-se a um dos incisos do artigo 151 do Código Tributário Nacional para garantir a necessária suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Para tanto, difícil será fugir das onerosas garantias, ainda mais no atual cenário econômico. Isso porque, a nossa jurisprudência entende que, tão-somente por si, o reconhecimento da repercussão geral de matéria constitucional não induz automaticamente à concessão de medidas de urgência em casos que versem sobre o mesmo tema ou temas análogos.[1]
Somado a isso, o fato de a Fazenda entender que o sobrestamento não suspende a exigibilidade dos supostos créditos tributários e a falta de previsão legal (art. 151 CTN) contribuem para que o contribuinte fique exposto aos atos coercitivos fazendários.
A solução, então, seria invocar as medidas de urgência disponíveis no atual Código de Processo Civil, demonstrando os prejuízos que a suspensão do processo pode gerar, ainda mais porque os Tribunais Superiores não sinalizam quanto tempo ficará o caso eleito pendente de análise.
Em tese, os requisitos para a atribuição deste efeito suspensivo seriam a existência de fumus boni iuris: no caso, a matéria submetida à sistemática da repercussão geral e o periculum in mora: exigência do crédito tributário discutido, riscos às atividades da empresa.
Ocorre que, dificilmente, a parte conseguirá a prestação da tutela jurisdicional, sem oferecer alguma garantia no valor total da suposta dívida. Aqui está o problema!
Enquanto o nosso ordenamento jurídico não garante, aos litigantes, um tempo razoável para a duração do processo, o contribuinte se vê obrigado a financiar por anos uma apólice de seguro garantia e carta de fiança, ou dispor de valores exorbitantes destinados ao depósito judicial, o que, na maioria das vezes, prejudica a atividade da empresa.
Isso se comprova com o enorme volume de adesões nos programas Especiais de Parcelamento, pois sustentar uma discussão tributária, mesmo com chance de êxito, tem sido uma missão quase impossível.
Assim, no tempo em que o nosso judiciário não se adapta à celeridade processual, à razoável duração do processo, enquanto houver incontáveis discussões tributárias, decorrentes do burocrático e intolerante sistema tributário, a melhor solução, então, seria a inclusão do instituto da repercussão geral como causa de suspensão da exigibilidade nos incisos do artigo 151 do Código Tributário Nacional.
Ou seja, a decisão que determinar o sobrestamento do processo será mais uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Como muito bem apontado pelo Min. Cezar Peluso, quando votou no AgRg na AC 765/RJ, afastar-se a exigibilidade de um tributo é uma cautela que merece ser consagrada pelo Judiciário diante das dificuldades que os contribuintes têm para reaver tributo pago indevidamente:
“Senhora Presidente, já que estamos em sede cautelar e considerando os precedentes, bem como o fato de que é mais fácil deixar de pagar, e pagar depois, do que obter a devolução, com a devida vênia do eminente relator, sem antecipar nenhum juízo sobre a pretensão em caráter definitivo, dou provimento ao agravo, com o devido respeito.”
Enquanto esperamos uma possível alteração legislativa, cabe ao contribuinte recorrer às tutelas de urgência, previstas no Novo Código, pois o prosseguimento de atos executórios pode levar à total inutilidade do processo e a inviabilidade da discussão judicial.
[1] Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 626/SP, Min. Joaquim Barbosa, J. 28.12.2012
por Helena Vicentini de Assis é coordenadora do contencioso tributário no Molina Advogados.
Fonte: Conjur
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