Está na Câmara dos Deputados um projeto de lei, que procura corrigir uma distorção fiscal que faz a festa de sociedades empresariais há duas décadas. O PL nº 5.205/16, em sintonia com a proposta da Receita Federal, procura restabelecer parte da justiça tributária, retirada pela Lei nº 9.249/95 (art. 10), que tornou isenta a distribuição de lucros e dividendos das empresas aos sócios/acionistas, raiz da parcela considerável da deformação das relações fisco-contribuinte e das relações de trabalho.
O Brasil é dos poucos países com economia relevante que não cobra imposto algum sobre dividendos.
O Brasil é dos poucos países com economia relevante que não cobra imposto algum sobre dividendos
A distorção surge justamente do descasamento entre o lucro presumido (que serviu de base de cálculo do IRPJ) e o lucro contábil. O lucro excedente é distribuído sem tributação alguma. O mesmo é observado no Simples Nacional. Isso gera erosão tributária, decorrente de planejamentos estimulados pela legislação, como o fracionamento artificial de empresas, além de um caminhão de fraudes.
Ao lado da isenção na distribuição dos lucros, outra norma veio turbinar seus efeitos deletérios: o artigo 129 da Lei nº 11.196/05. O texto original do projeto de lei tratava de incentivos fiscais para a inovação tecnológica, mas, via emenda jabuti, foram incluídas alterações na tributação das PJs. Prestadores de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, passaram a ser, para fins fiscais e previdenciários, tratados como pessoa jurídica, dando margem a um sem número de contorcionismos formais. Jogadores de futebol, celebridades da mídia, consultores e palestrantes, que disfarçam altos salários sob a proteção de uma lei que os tributa em no máximo 15%, além da isenção na distribuição dos lucros para a pessoa física.
Essa exótica configuração tributária catalisou o fenômeno da "pejotização", criticada não apenas pelos efeitos tributários, mas também pela desorganização causada no mercado empresarial e de trabalho. Tornou-se lugar comum a contratação de pseudo-prestadores como PJ, desde funcionários médios a altos executivos, com expectativas de vantagens, menores encargos sociais e menor tributação.
A explosão de PJ criou inúmeras obrigações acessórias arcadas pelos pseudo-tomadores dos serviços, que variam conforme a forma jurídica que a pessoa física passou a adotar: presumido, simples, MEI, MPE, Eireli. Em todos os casos, há desoneração da folha, com reflexos negativos no equilíbrio da seguridade social. A vítima principal é o Estado, mas na ponta da cadeia, quem sofre as consequências da renúncia tributária é especialmente a parcela da sociedade que mais depende dos serviços estatais e da seguridade social.
Justamente com o intuito de reduzir esse cenário disfuncional, que foi apresentado o PL nº 5205/16, que prevê (re)tributar a distribuição dos lucros excedentes das empresas do lucro presumido e do Simples à alíquota de 15%, incidente somente sobre esta parcela que atualmente não é oferecida à tributação por ninguém, nem pela empresa (PJ) nem pelos sócios/acionistas (PF).
O direito de imagem também seria tributado integralmente, retirando a vantagem tributária desse tipo de estratagema. Essa medida foi apresentada, entre outras, como forma de viabilizar a correção da tabela de isenção do IRPF em 5% a partir de 2017.
Ainda que insuficiente, o PL 5.205/16 caminha na direção certa, corrigindo a indução tributária que levou à pejotização e ao tratamento desigual entre pessoas físicas e jurídicas. O efeito arrecadatório previsto com a tributação dos lucros excedentes é pequeno, da ordem de R$ 1,5 bi, mas a correção tem a virtude de atender aos princípios da equidade e da neutralidade, que devem nortear um sistema tributário saudável.
A proposta poderia ter incluído o fim da isenção sobre a distribuição de dividendos, tonificando a arrecadação com cerca de R$ 45 bilhões, aí sim algo substancial. Ainda que com uma alíquota menor, seria fundamental introduzir a discussão, não apenas para mitigar a assimetria entre renda do trabalho e do capital, mas para incluir as grandes empresas e rentistas na solução da atual crise fiscal do país, lembrando que as medidas até então aventadas pouco afetam o "andar de cima".
por Kleber Cabral é presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), auditor fiscal da Receita, formado em direito e especialista em legislação tributária
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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