Hoje o tema "correção monetária" já faz parte do arquivo do nosso direito tributário, tendo se tornado célebre, dentre outros motivos, pelo julgamento do Recurso Especial nº 1.089.998/RJ, em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a presença de cláusula de reajuste contratual entre as partes não possuía o efeito de alterar a predeterminação do preço, visto que a referida cláusula – livremente escolhida pelas partes – tinha, pelo contrário, o efeito de proteger o preço contra os efeitos nefastos da inflação, mantendo inalterável o preço do contrato.
Na ocasião do citado julgamento discutia-se se contratos firmados antes de 31 de outubro de 2003, com preço predeterminado, de fornecimento de bens ou serviços, poderiam adotar o regime cumulativo das Contribuições ao PIS e Cofins (inciso XI, Art. 10, Lei nº 10.833/2003) ou se, conforme defendia o Fisco (Instrução Normativa nº 468/2004), os contribuintes deveriam ser tributados pelo regime não cumulativo a partir do primeiro reajuste do contrato.
Nos dias de hoje, a aplicação da correção monetária constitui direito básico e dever do poder público, principalmente na saúde
De qualquer forma, a importância desse julgamento, felizmente vencido pelos contribuintes, ultrapassa as fronteiras do direito tributário, pois o STJ expressamente decidiu que a correção monetária não implica ganho ou perda aos contratantes, mas, antes, constitui o único mecanismo pelo qual o preço contratual inicialmente ajustado é mantido, protegido o preço dos efeitos da inflação.
O STJ decidiu ainda, em outros julgados contemporâneos, que ante a sua importância, a correção monetária constitui matéria de ordem pública. O que significa que ela comporta pronunciamento judicial de ofício, decidindo ainda que o instituto constitui imperativo econômico, jurídico e ético indispensável ao fiel e completo adimplemento das obrigações!
Naturalmente que em tempos de aguda crise econômica, em que a inflação, ou melhor, a corrosão da moeda chega ao patamar de 10% ao ano, tais pronunciamentos judiciais assumem grande relevância, pois a não aplicação da correção monetária coloca o fornecedor de bens ou serviços ou o cedente de um direito a prazo certo em situação máxima de desconforto financeiro, pois ao contrário de receber mais, ao longo do tempo, como era de se esperar, ele acaba percebendo remuneração menor do que a inicialmente contratada.
O contratante, por sua vez, posição ocupada com frequência pelo poder público, a par de enriquecer sem motivo justo no curto prazo, acaba por prejudicar a qualidade dos bens e serviços que lhe são fornecidos, contaminando, a longo prazo, o ambiente econômico da atividade contratada e provocando, de maneira deliberada, o declínio de seu fornecedor, o que gera inclusive reflexos de ordem social.
Num ambiente jurídico em que deve prevalecer a boa-fé, em que atos individuais são considerados em seus reflexos no meio em que são praticados, tal situação não se restringe ao comprometimento da qualidade, mas sim constitui ofensa ao princípio da segurança Jurídica, ao direito de propriedade dos contratados e constitui condenável enriquecimento sem causa da parte contratante.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI nº 4.357, reproduziu, por assim dizer, toda a jurisprudência pátria sobre correção monetária, sendo que do trecho do voto do ministro Ayres Britto se extrai que a "(…) A finalidade da correção monetária, enquanto instituto de direito constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional."
Dessa forma, a correção monetária, alçada à condição de instituto de direito constitucional, está atrelada à noção de justiça, pois, como consequência do princípio da segurança jurídica e jungida ao direito de propriedade, ela tem como propósito a manutenção do valor da moeda ante os efeitos da inflação, de tal forma que os contraentes possam manter as condições originalmente contratadas desde o início de sua relação, evitando o enriquecimento sem causa, e promovendo segurança e estabilidade.
Nos dias de hoje, a aplicação da correção monetária constitui direito básico e dever do poder público, principalmente na saúde, seja para evitar o empobrecimento de fornecedores de bens e serviços, seja para manter a qualidade dos serviços prestados, seja como forma de manutenção de um sistema custeado por toda a sociedade, o qual deve ser o mais equânime possível.
por Luiz Rogério Sawaya Batista é sócio de Nunes & Sawaya Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário