1 Introdução
A tributação pelo ISS dos serviços prestados sob forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e das sociedades de profissionais liberais continua sendo regida pelos parágrafos 1º e 3º, do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68, in verbis:
"§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
...
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.”
Esses itens correspondem aos seguintes serviços:
Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
Médicos veterinários;
25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
52. Agentes da propriedade industrial;
88. Advogados;
89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
90. Dentistas;
91. Economistas;
92. Psicólogos;
Esse regime especial de tributação foi mantido pela nova lei de regência nacional do ISS, Lei Complementar n° 116 de 31 de julho de 2003, que deixou de revogar o art. 9º e parágrafos do Decreto-lei nº 406/68.
2 Da correta interpretação dos parágrafos 1º e 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68
Quanto ao § 1º parece não haver mais dúvidas. O volume de serviços prestados é irrelevante, assim como a existência de auxiliares ou colaboradores do prestador de serviços, desde que o profissional autônomo assuma a responsabilidade pessoal pelos serviços prestados. É o caso dos notários e registrários que têm como colaboradores os escreventes, porém assumindo a responsabilidade pessoal, civil e funcionalmente pelos serviços executados.
No que tange ao § 3٥, desde o advento da Constituição de 1988 a jurisprudência orientou-se no sentido de que apenas as sociedades uniprofissionais, isto é, sociedades compostas por profissionais da mesma profissão, como médicos, engenheiros, advogados, contadores etc. gozam do regime especial de tributação.
Essa jurisprudência, distancia-se da letra e do espírito do § 3º, do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68 que exige apenas que os serviços prestados pela sociedade sejam aqueles taxativamente elencados em seu bojo e que os profissionais assumam a responsabilidade pessoal pelos serviços, nos termos da legislação aplicável.
A expressão “forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º ” está a indicar que a lei de regência nacional nenhuma distinção fez entre a sociedade pluriprofissional e a sociedade uniprofissional, esta última, uma criação da legislação local.
É regra elementar da hermenêutica que o intérprete não deve distinguir onde o legislador não fez a distinção.
O legislador nacional, sem sombra de dúvida, conferiu tratamento tributário privilegiado aos serviços discriminados no § 3°, do art. 9°, do Decreto-lei n° 406/68, prestados por profissionais liberais e por sociedades por eles formadas.
Se assim é, não há como entender que a sociedade constituída por profissionais de ramos de atividades diferentes não goza do regime especial, apesar de todos os sócios, individualmente, estarem amparados pelo regime de tributação especial. Não há lógica nesse tipo de raciocínio. Se todos os profissionais liberais referidos no texto legal estão sob o amparo do regime especial, a sociedade por eles constituída, também, gozará do mesmo regime tributário.
3 O regime especial de tributação está sob reserva de lei complementar
Para preservar a unidade jurídica e política das entidades que compõem a Federação Brasileira a Constituição Federal colocou sob reserva de lei complementar, de aplicação no âmbito nacional, as normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente definição de tributos, fato gerador, base de cálculo e contribuintes, conforme se depreende do art. 146, III, a, da CF.
Resta claro que a forma de tributação do ISS, se pelo preço do serviço prestado, ou se por valores fixos é matéria que se insere no aspecto quantitativo do fato gerador, ou seja, na base de cálculo, cuja definição só pode ser dada por lei complementar, segundo a expressa determinação constitucional.
Logo, padecem do vício de inconstitucionalidade as legislações municipais que distinguem as sociedades pluriprofissionais das sociedades uniprofissionais, para efeito de tributação pelo regime especial.
Contudo, a equivocada legislação municipal vem recebendo o respaldo da jurisprudência dos tribunais. Encorajados pelo posicionamento favorável dos tribunais, alguns municípios vem procedendo a desqualificação do regime tributário especial, com efeito retroativo, sempre que constatar, por exemplo, a existência de engenheiros de diferentes especialidades compondo o quadro societário, confundindo a diversidade de especialidades, com a diversidade de ramos científicos, conforme analisados em nossos artigos anteriormente divulgados.
4 Jurisprudência do STF
O Supremo Tribunal Federal, à época em que era competente para zelar pela aplicação uniforme da legislação federal, firmou posição em torno da matéria não permitindo a distinção de sociedade de profissionais em uni e pluriprofissional para o efeito de tributação pelo regime privilegiado.
Nesse sentido, a remansosa jurisprudência do STF, cujos acórdãos foram proferidos sob a égide da Emenda Constitucional nº 1/69, quando a matéria concernente à negativa de vigência de Lei Federal era de sua competência (art. 119, III, a), conforme ementas abaixo:
“Imposto sobre serviços. Decreto-lei 406/68, art. 9, parágrafo 3º (redação do Decreto-lei 834/69). – Nega vigência a tais dispositivos a decisão que os considera aplicáveis tão somente a sociedades civis constituídas exclusivamente de profissionais de uma mesma categoria, pois a Lei Federal em causa não autoriza a distinção pretendida pelo fisco municipal. A hipótese de incidência contempla a sociedade civil prestadora de serviços profissionais de caráter interdisciplinar. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE n° 91.311, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 21-12-1979, p. 09667).
“Imposto sobre serviços. Sociedade civil de profissionais de qualificações diversas. Tratamento tributário favorecido (art. 9º, pars. 1º e 3º do DL 406/68, modificado pelo DL 834/69). Ausência de afronta a Lei Federal, que não autoriza a distinção pretendida pelo fisco municipal. Precedente do STF (RE 81.193, DJ 17.3.78). Recurso extraordinário não conhecido” (RE n° 88.531, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 25-4-1978, p. 02627).
“Imposto sobre serviço. Sociedade civil, composta de profissionais de qualificações diversas, que prestam serviços mistos. Calculo do imposto. Ausência de afronta a Lei Federal. Recurso extraordinário não conhecido” (RE n° 81.193, Rel. Min. Bilac Pinto, DJ de 17-2-1978).
“Imposto sobre serviços. Sociedade civil. Profissionais de qualificações diversas. Benefício fiscal. Decreto-lei 406/68, art. 9º, par-3º (redação do Decreto-lei 834/69). O art. 9º, par. 3º. c/c o art. 1º do DL. 406/68 (redação do DL 834/69). Assegura a tributação do ISS, na forma fixa, quer as sociedades uniprofissionais, quer as pluriprofissionais. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido” (RE n° 96.475, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 4-6-1982, p. 05463).
Entretanto, desde que o exame dessa questão passou para a competência do STJ houve uma reviravolta na jurisprudência. A Corte Especial posicionou-se favoravelmente ao disposto na legislação local por não existir vedação expressa na lei complementar de distinguir as duas sociedades.
5 Conclusão
Embora a jurisprudência do STJ esteja conflitando abertamente com a jurisprudência do STF firmada à época em que o conhecimento da matéria era de sua competência dificilmente a Corte Suprema irá alterar o seu posicionamento acerca da exigência de violação frontal de dispositivo constitucional para o conhecimento de recurso extraordinário, repelindo a tese da violação do texto constitucional por via reflexa. É que o princípio da segurança jurídica não autoriza a Corte abrir uma exceção para se abrigar na sua antiga tese, principalmente, agora em que a divergência jurisprudencial deixou de ser fundamento do recurso extremo.
SP, 8-6-15.
por Kiyoshi Harada Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Harada Advogados
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