segunda-feira, 31 de agosto de 2015

31/08 Constituição de empresa visando benefício fiscal e outras questões

É uma questão candente do direito tributário se é possível constituir uma empresa apenas visando a um benefício fiscal, como planejamento tributário.

Tal discussão está subjacente em ação judicial movida por magistrado, que pleiteou constituir uma EIRELI apenas para receber aluguéis de forma fiscalmente mais vantajosa; e sem incidir em vedação da LOMAN, pois não haveria atividade empresarial, já que “pretende criar uma empresa exclusivamente para recebimento de alugueres de um único imóvel de sua propriedade, com o propósito de reduzir a carga tributária de 27,5% para cerca de 8%”.

Inicialmente houve deferimento de provimento liminar, sendo aludido que qualquer contribuinte pode constituir uma empresa com o fito de economia fiscal; assim fundamentado:

Processo 0027129-36.2015.4.01.3800 (publicado em 24 de junho de 2015)

No presente caso, o autor (magistrado) pretende constituir e administrar uma empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI cujo objeto limitar-se-ia à gerência de seu patrimônio pessoal (um apartamento na cidade do Rio de Janeiro/RJ). (...)

Como se vê acima, nada obstante reconheça ao cidadão comum o registro de empresa para auferir benefício fiscal, o que, numa concepção moderna se reputa denominar planejamento tributário, a Corregedoria do TRT-3ª Região entendeu que a forma visada pelo autor, para além da vedação legal, não se compatibilizaria com o Código de Ética da Magistratura. (...)

Com efeito, não se vislumbra no pleito autoral a pretensão de exercer atividade empresarial, muito menos de se tornar empresário, em detrimento de sua atividade judicante.

Ora, restou comprovado nos autos que o requerente já exerce de fato e de direito a gestão dos aluguéis de imóvel de sua propriedade, pelo que, sob o ponto de vista prático, fazê-lo com ou sem a interposição de uma EIRELI em nada mudará tal realidade. (...)

É de se destacar ainda que a administração de uma EIRELI, criada apenas para fins fiscais, não se confunde com a administração ou gerência de uma pessoa jurídica empresária e, salvo melhor juízo, esta última situação é que encontra vedação no art. 38 do Código de Ética da Magistratura. (...)

Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para declarar o direito do autor de constituir e administrar uma empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI, cujo capital será integralizado por bens imóveis de sua exclusiva propriedade, sendo o seu objeto a gestão de tais bens e o recebimento dos respectivos alugueis.

Contudo, tal decisão foi suspensa por Agravo de Instrumento (0041546-45.2015.4.01.0000, publicado em 17 de agosto de 2015), porém não porque o empecilho esteja no planejamento tributário, mas apenas para reanalisar sob a ótica da vedação da LOMAN, pois suspensão fundamentada em que “a despeito das considerações lançadas no decisum impugnado, a vedação constante dos dispositivos legais e normativos em referência não faz qualquer ressalva quanto à natureza da empresa a ser constituída, restando, assim, vedado ao magistrado o exercício de qualquer atividade empresarial”.

Declaratórios obrigatórios

No processo administrativo federal, quando é suscitada uma questão em Recurso Voluntário, mas a Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais não a aprecia expressamente, é obrigatório apresentar Embargos de Declaração; caso contrário um futuro Recurso Especial não poderá indicar o indispensável ponto divergente sobre aquela questão.

Nesse sentido, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf exige que os julgados de Turma ocorram sem lacunas, ainda que à custa de Embargos de Declaração; assim ementado:

Acórdão 9202-02.281 (publicado em 17 de agosto de 2015)

RECURSO ESPECIAL DE DIVERGÊNCIA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO NEM OBJETO DE EMBARGOS. NÃO CONHECIMENTO.

O acórdão recorrido foi omisso na análise de ponto controvertido apontado no recurso voluntário, mas o contribuinte não apresentou embargos de declaração para sanar a omissão.

Se a decisão de 2a instância não apreciou a matéria, não é possível se dizer que interpretou a lei tributária de forma divergente, nem muito menos se cotejar seu conteúdo com os paradigmas.

Sem a comprovação da divergência, não há de ser conhecido o recurso especial interposto para a uniformização de interpretação de legislação tributária.

Recurso especial não conhecido.

Dividendos em espécie ou em bens

Em um processo administrativo fiscal, discutido se, em lugar de moeda corrente, pode uma sociedade anônima fazer o pagamento de dividendos aos acionistas via bens, como transferência de titularidade de ações, e qual seria o valor de referência dessas ações.

Para o fisco, o pagamento de dividendos só poderia se dar via cheque ou crédito em conta bancária; e que, como se deu com ações e tais ações tiveram valorização, essa parte significou transferência indevida de resultado; autuando, portanto, como distribuição disfarçada de lucros (artigo 464 do RIR/99).

Já segundo o contribuinte, é possível pagar dividendos in natura, pois a norma de regência não veda (artigo 205, parágrafo 1º da Lei 6.404/76); e que tal pagamento não seria uma espécie de alienação, logo o valor das ações transferidas seria o contábil e não o valor de mercado, portanto sem levar em conta eventual valorização.

Julgando o caso, Turma do Carf considerou que deveria ser abstraído o negócio feito pelo contribuinte para se encontrar o verdadeiro fato gerador da operação (artigo 118 do CTN); tratando como disfarce o pagamento de dividendos e passando a qualificar a operação como doação, já que houve uma desvantagem patrimonial para a empresa; restando mantida a tributação sobre a valorização das ações; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 1202-001.109 (publicado em 17 de agosto de 2015)

DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS. ALIENAÇÃO A PESSOA LIGADA, POR VALOR NOTORIAMENTE INFERIOR AO DE MERCADO.

A parte da transferência que corresponde à diferença entre os valores de mercado e contábil, deve ser tributada como distribuição disfarçada de lucros, pois representa uma alienação, por valor notoriamente inferior ao de mercado, de bens a pessoas ligadas.

Voto Vencido (...)

Inicialmente, ressaltamos que a distribuição de dividendos não é alienação de bem, mas retribuição aos acionistas pelo capital social contribuído, ou remuneração em função da participação no capital social. Não há como atribuir ao pagamento de dividendos, mesmo em caixa, o conceito de alienação.

Quanto à configuração de negócio, também não há o que se falar, não temos comércio ou compra e venda, mas distribuição de lucros em virtude de participação no capital social.

Portanto, concluímos que não é possível verificarmos a alegada distribuição disfarçada de lucros. Portanto, merece revisão o entendimento da autoridade lançadora.

Voto Vencedor (...)

Diante desse quadro, resta-nos analisar o efeito fiscal da entrega de valores a sócios, na forma de ações da Recorrente, diante do disposto na legislação sobre a distribuição disfarçada de lucros (DDL) e da abstração da validade jurídica do negócio praticado pela Recorrente, de acordo com o art. 118, do CTN, para verificação da existência de fato gerador de IRPJ/CSLL. (...)

No caso, verifica-se que a entrega de ações aos sócios, disfarçada na forma de dividendos, colocou o patrimônio social da Recorrente numa situação desvantajosa, conforme a avaliação do Fisco no Termo de Verificação Fiscal TVF (...).

Segundo o TVF, e a interpretação doutrinária supracitada sobre a hipótese da DDL, o Fisco apontou indícios para presumir a doação de ativos oriundos do patrimônio social da Recorrente sem que esta demonstrasse, nos termos da legislação em vigor, o seu interesse em não prejudicar o respectivo patrimônio, nem os credores, com a entrega de ações aos sócios.

Por todo o exposto e por tudo o que consta dos autos, em relação à DDL, nego provimento ao presente recurso.

por Mary Elbe Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

     Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

Fonte: Conjur

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