O quadro de instabilidade econômica que assola o país fez crescer no Brasil um ramo do Direito ainda incipiente: o planejamento sucessório. Este é ainda mais relevante se considerada a dificuldade de autofinanciamento dos governos e a tendência de elevação da já altíssima carga tributária — quando, em verdade, uma reforma sistêmica seria o caminho mais coerente.
Merece destaque a profusão de possibilidades e a diversidade de disciplinas atravessadas pela temática do planejamento sucessório, o que comumente gera, também, uma enormidade de equívocos e de falsas soluções. Isso se deve ao fato de o planejamento sucessório ter ganhado notoriedade em função de arquétipos empresariais, por meio dos quais seria possível “blindar” o patrimônio familiar de todos e quaisquer riscos. No entanto, a associação do planejamento sucessório à blindagem patrimonial revela-se falaciosa, pois transmite erroneamente a ideia de proteção patrimonial absoluta.
Com isso, percebe-se de imediato que a ideia de uma estrutura em que o patrimônio esteja imune a incidências tributárias, a débitos trabalhistas ou às normas de Direito de Família é, obviamente, falaciosa.
Aprofundando-se no tema, outro aspecto que deve ser esclarecido é a diferenciação entre sucessão empresarial e planejamento sucessório, visto que os objetivos deste último podem ser de diferentes ordens, sem que necessariamente esteja contemplada uma questão empresarial.
Notadamente no Brasil, a maioria das empresas tem caráter familiar. No entanto, pesquisas indicam que a continuidade do negócio é diretamente afetada pela transição entre gerações. Segundo aponta a PwC – PricewaterhouseCoopers, em sua Pesquisa Global sobre Empresas Familiares, o processo sucessório de transmissão do controle empresarial pode ser um provável “fator de fracasso” para a empresa familiar. A mesma pesquisa também indica que apenas 19% das empresas familiares brasileiras possuem um plano de sucessão estruturado.
Percebe-se, assim, a importância da questão da sucessão empresarial no contexto brasileiro, vez que a grande maioria das empresas atuantes no mercado formal é constituída por empresas familiares. Entretanto, o planejamento sucessório não se confunde nem se limita à sucessão empresarial.
Enquanto a sucessão empresarial se volta à substituição do controle acionário e gerencial das empresas, tendo como objetivo específico a manutenção e a perpetuação do negócio e da própria empresa — considerada enquanto figura dissociada dos sócios ou do quadro de acionistas — no mercado, o planejamento sucessório é um mecanismo de organização e estruturação antecipada do processo de sucessão, e que visa à garantia de que a transmissão patrimonial causa mortis seja menos traumática e mais eficiente e célere, com menor custo de operacionalização jurídica e fiscal para os envolvidos e permitindo-se a estruturação e perpetuidade do patrimônio familiar.
Planejar e organizar a sucessão, assim, visa evitar que a morte de um membro da família resulte em instabilidade econômica ou perdas patrimoniais desnecessárias em prejuízo da família.
O planejamento sucessório pode ser estruturado por meio de inúmeros instrumentos — tais como testamento, contrato de doação, procedimento de alteração de regime de bens —, de modo a atender às mais diversas expectativas dos envolvidos e trazendo-lhes os benefícios previamente estipulados. Porém, é apenas após a análise dos interesses e objetivos dos envolvidos que o planejamento sucessório pode vir a ser implementado, não existindo, a priori, solução única e estática em relação a essa questão.
Tornou-se também comum a associação de planejamento sucessório à hipótese de criação e estruturação de uma holding familiar, que se anuncia no mercado como solução eficiente para demandas de diferentes ordens, notadamente a maximização da redução dos custos da transmissão patrimonial causa mortis. Isso porque a criação e estruturação de uma holding pode ser um caminho viável a beneficiar os envolvidos, apesar de não ser o único caminho possível e, em muitos casos, nem sequer ser a melhor opção disponível.
Popularizou-se no mercado brasileiro, sem aprofundamento crítico ou reflexões sobre riscos e benefícios, a ideia de que planejar a sucessão seria, basicamente, criar uma estrutura organizada por diferentes empresas em sistema piramidal, por meio do qual o patrimônio familiar seria transferido para empresas subsidiárias localizadas na base dessa pirâmide, sendo que o controle de tais empresas, e indiretamente do patrimônio, seria exercido por uma outra empresa, chamada holding de controle, que detém a posse majoritária das ações das subsidiárias.
Esse artifício seria, segundo os seus defensores, uma forma de minimizar os custos da transmissão patrimonial causa mortis e de proteger o patrimônio familiar. Inequivocamente, dependendo da constituição e natureza dos bens pertencentes à família, poderá haver algum tipo de benefício fiscal que, no entanto, não se dá em razão do afastamento da incidência do imposto de transmissão de propriedade.
Como sabido, incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCD), de competência estadual, nas transmissões gratuitas de patrimônio. No tocante ao estado de Minas Gerais, a Lei 14.941/03, regulamentada pelo Decreto-lei 43.981/05, estabelece a aplicação da alíquota única de 5%, seja na transmissão causa mortis, seja na transmissão por doação.
Dessa forma, percebe-se que, em Minas Gerais, o momento e a forma de transmissão da propriedade, por meio de doação ou por meio de herança, não mudará o custo tributário dessa transmissão.
Na estruturação pelo sistema de holding, se o patrimônio for transferido para as empresas subsidiárias — o que poderá acarretar a incidência de ITBI em relação aos bens imóveis — e, posteriormente, as quotas ou ações da holding forem doadas aos herdeiros, haverá incidência de ITCMD nesse ato de transferência. Nesse caso, a SEF/MG avaliará a empresa analisando o balanço contábil (ativo, ativo imobilizado, bens em estoque) e outros elementos para mensurar a base de cálculo do imposto, aplicando, ao fim, a mesma alíquota de 5% incidente para o caso da transmissão causa mortis.
Encarando-se a questão por outro enfoque, a incorporação do patrimônio à pessoa jurídica poderá trazer benefício fiscal de outras ordens. O exemplo mais simples é o do patrimônio familiar constituído por imóveis que estão destinados à locação. Nessa hipótese, dentro do contexto da legislação vigente, haveria benefício em relação ao Imposto de Renda se os imóveis fossem transferidos a uma pessoa jurídica, sem ignorar, no entanto, que esse custo também deve ser mensurado, vez que a constituição e administração de uma pessoa jurídica também têm custos.
Outro ponto que merece uma reflexão crítica é a inafastabilidade dos regimes de bens em decorrência da estruturação da holding familiar, haja vista que o direito patrimonial dos cônjuges (artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil) decorrente do regime de bens adotado pelos nubentes não é afastado pela constituição de estruturas empresariais. Não se pode privar o cônjuge de sua meação — se o regime de bens assim estabelece — ou de sua concorrência sucessória (artigos 1.829 e 1.836 do Código Civil) em razão da simples transferência de patrimônio para uma pessoa jurídica, constituída por um dos cônjuges, na constância do casamento.
Nesse contexto, o procedimento de alteração do regime de bens (artigo 1.639, parágrafo 2º do Código Civil e artigo 734 do Código de Processo Civil) é solução que tem se mostrado eficaz na prática, a fim de restabelecer os critérios de comunicabilidade patrimonial ou mesmo de concorrência sucessória, e só poderá ocorrer mediante autorização judicial precedida de pedido formulado por ambos os cônjuges.
Fica evidente, assim, que os objetivos do planejamento sucessório devem ser sopesados, sendo que a solução cabível sujeita a customização em razão do caso concreto, da realidade patrimonial e do desejo dos entes familiares envolvidos. A multiplicidade de possibilidades e de objetivos, portanto, deixa também claro que a expressão “blindagem patrimonial” pode estar associada a eventual fraude (fiscal, a credores ou mesmo ao regime de bens).
Como visto, o planejamento sucessório pode ser utilizado para garantir a continuidade de uma empresa ou negócio familiar (sucessão empresarial); como mecanismo de elisão fiscal (por meio de um planejamento tributário estratégico); ou para organizar de forma mais satisfatória a transferência dos bens de acordo com os interesses da família (por meio da modificação do regime de bens, elaboração de testamentos).
Em meio a essa amálgama de fatores é que se revela a multidisciplinariedade do tema que envolve questões de Direito das Sucessões, questões de Direito de Família, questões tributárias e de Direito Empresarial, devendo os casos serem sempre submetidos a uma análise conjunta de advogados e contadores de diferentes áreas, de modo que a solução de uma questão não repercuta negativamente em outra seara.
Moisés M. Oliveira é advogado no Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), professor de Direito das Sucessões na Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.
Fonte: Conjur
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