INTRODUÇÃO
Não obstante o avanço do instituto do dano moral ou dano não patrimonial no Direto do Trabalho no Brasil, tanto na doutrina, como na jurisprudência, com o alargamento dos casos de incidência privilegiando a dignidade da pessoa humana, que constitui o fundamento de validade do Estado Democrático de Direito, a novel Lei n. 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, veio apresentar um novo regramento, nesta temática, a partir do art. 223-A, que passaremos a analisar, de forma perfunctória, artigo a artigo, nas próximas linhas.
Os novos artigos da Lei da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2007), a partir deste novo regramento, assim se apresentam:
TÍTULO II-A
DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.
O legislador inicia o regramento do instituto do dano não patrimonial, ou moral, limitando as hipóteses de incidência apenas aos elencados neste título, o que não se coaduna com a própria realidade dos fatos, haja vista a dinâmica da sociedade moderna. A rigor, a norma acima se apresenta como numerus clausus, e não numerus apertus, como deveria ser.
O Código Napoleônico de 1804, na França, considerado um dos mais avançados na época caminhou na mesma vertente, ao considerar que seus artigos poderiam enquadrar todos os fatos sociais da época, ou seja, fazer a subsunção do fato à norma, fenômeno que ficou conhecido como dogma da completude do ordenamento jurídico civilista.
Porém, o caminhar da sociedade veio mostrar, em pouco tempo após a sua promulgação, que enquanto a lei é petrificada, estática, os fatos sociais são dinâmicos e no evolver das relações humanas criam novos fatos e novas situações que passam a não ser albergadas pelo direito posto ou pré-existente na norma cristalizada.
Em uma sociedade reurbanizada, globalizada, consumerista, politizada e altamente cibernética em que vivemos não há possibilidade de estancar ou de represar a ocorrência de um instituto tão amplo como o dano não patrimonial.
Portanto, entendemos que uma legislação por mais avançada e moderna que seja, não tem o condão de albergar todos os casos de incidência na contemporaneidade, como se extrai do dispositivo legal acima mencionado.
Além disso, em sua evolução, a sublimidade e nobreza do instituto do dano não patrimonial, longe de levar a sua banalização, como muitos já quiseram fazer crer, cada nova hipótese de ocorrência ou novidade jurídica o enobrece, pois é produto do desenvolvimento do próprio espírito humano. Isto provém exatamente do fato de que o dano moral segue a mesma trajetória do ser humano, pois um é corolário do outro.
Dentro deste contexto, entendemos que não há como limitar ou restringir a aplicação deste instituto do dano extrapatrimonial a apenas aos casos especificados neste estreito limite legal, como dispõe este novel artigo.
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Este artigo além de trazer um conceito de dano moral limita sua ocorrência apenas aos titulares do direito material à reparação, o que refoge à realidade dos fatos. Muitas vezes os titulares do dano não patrimonial ultrapassam a pessoa do trabalhador, para atingir seus familiares mais próximos, situação que não se confunde com o dano indireto ou por ricochete.
Vejamos a situação de um pequeno núcleo familiar, constituído pelo trabalhador empregado, esposa e filhos, que vivem em situação de plena felicidade, saúde e estabilidade, partilhando tudo o que a natureza lhes pode proporcionar. A partir de uma doença profissional desencadeada no emprego ou acidente de trabalho, por negligência do empregador, este núcleo familiar vem a ser atingido, promovendo uma completa desestruturação do núcleo familiar.
Neste caso, entendemos que o titular do direito à reparação pelo dano não patrimonial sofrido não é apenas o trabalhador, mas também o cônjuge e membros da família, pois todos, sem exceção, serão atingidos pelo núcleo do instituto, ou seja, pela dor e angústia espiritual, já que todos compartilhavam dos momentos de felicidade em seu conjunto.
Como muitas vezes não será mais possível o retorno à situação anterior (status quo ante bellum), de forma equivalente à situação de não ocorrência do dano, não restará outra opção a não ser o pagamento da indenização ou reparação à vítima e familiares próximos, conforme recomenda o princípio do Restitutio in Integrum.
Para aprofundar ainda mais a análise deste caso concreto, imaginemos que o trabalhador, em decorrência da doença profissional ou do acidente ficou impotente sexualmente. Daí, configurada a culpa da empresa, teremos uma hipótese de dano sexual em face da privação da esposa a uma vida sexual normal, que ostentava anteriormente ao evento danoso, fato que, por se constituir em um direito da personalidade levará à extensão da reparação à pessoa da esposa.
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Em uma análise preliminar, sem maiores pretensões, já podemos perceber que vários direitos da personalidade que encarnam a configuração do dano não patrimonial não foram compreendidos neste artigo, entre os quais o direito à vida privada, à vida familiar sã, plena e feliz, à beleza, etc.
Vejamos os demais artigos da Lei da Reforma Trabalhista, no tópico:
Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
A novidade jurídica deste artigo está relacionada ao reconhecimento de que a pessoa jurídica também pode ser afetada pelo dano ou lesão não patrimonial, porém, de forma tão somente objetiva, já que por se constituir uma abstração, a empresa não possui espírito.
Como o núcleo basilar da responsabilidade subjetiva repousa no tripé dor, humilhação e angústia, a empresa ou pessoa jurídica não poderá ser acometida nesta vertente da responsabilidade civil.
Com efeito, o acolhimento da admissibilidade do dano não patrimonial em relação à pessoa jurídica veio de encontro à Súmula n. 227 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“Súmula n. 227 – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Obviamente tal especificidade de dano moral só recairá sobre a pessoa do empregado ou de terceiro, que por ação ou omissão, culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo, cometer ato ilícito e lesar a imagem ou reputação da empresa ou empregador no mercado de consumo.
Se houver a judicialização da demanda empresarial, o Judiciário poderá condenar o ofensor a uma sanção pecuniária, por meio de pagamento de indenização, ou ainda em uma obrigação de fazer (retratação pública, publicação de anúncio em jornais ou revistas, ou prestação de serviços à comunidade).
Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.
Este artigo contempla a possibilidade de responsabilidade solidária ou subsidiária, com base no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que o partilhamento da indenização seja feita de forma equitativa entre os co-responsáveis pela lesão.
Ressaltamos que a solidariedade não se presume, ela decorre da lei ou do contrato.
Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
1º. Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.
2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.
Verifica-se dos artigos retro mencionados, a concordância com a Súmula n. 37 do STJ, que assim dispõe:
“Súmula 37 – São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
Desta forma, poderá haver a cumulação de danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes), com os danos não patrimoniais, decorrentes da indenização por dano moral ou dano estético, desde que decorrentes do mesmo evento lesivo e ultrapassado o filtro do nexo causal entre o dano e a lesão.
Ademais, a lei exige que o magistrado discrimine, caso a caso, os valores relativos a cada tipo de indenização ou reparação.
Já o parágrafo 2º do presente artigo é até mesmo redundante, na medida em que os magistrados, no caso concreto, atuam neste sentido, ou seja, não há interferência da avaliação dos danos patrimoniais com os danos morais pois possuem natureza jurídica diversa, o que, por si só, enseja a cumulação dos respectivos pedidos.
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I. a natureza do bem jurídico tutelado;
II. a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III. a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV. os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V. a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI. as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII. o grau de dolo ou culpa;
VIII. a ocorrência de retratação espontânea;
IX. o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X. o perdão, tácito ou expresso;
XI. a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII. o grau de publicidade da ofensa.
1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I. ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II. ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III. ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV. ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
2º. Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
3º. Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.
Certamente este artigo trata da parte mais tormentosa para os aplicadores do direito, especialmente os magistrados que deverão fixar o quantum satis da indenização, nos termos do art. 844 do Código Civil Brasileiro:
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.
O arbitramento da indenização por dano moral deve considerar a gravidade do dano e a dimensão dos prejuízos sofridos, a capacidade patrimonial dos ofensores, o princípio da razoabilidade e o caráter pedagógico da medida (arts. 5º, V e X da CF, e arts. 12, 186, 187 e 944, do Código Civil Brasileiro).
Sem dúvida que a reparação pecuniária do dano moral deverá ser pautada pela força criativa da doutrina e da jurisprudência, devendo o magistrado, diante do caso concreto, considerar, em linhas objetivas, todos os detalhes e aspectos, às vezes colocando-se no lugar do lesante e do lesado, para fazer a subsunção do caso concreto à norma legal, postando-se muitas vezes como se psicólogo fosse, para fixar a indenização que se afigure mais justa no caso concreto.
Embora o Superior Tribunal de Justiça, pela Súmula nº 281, fixou o entendimento no sentido de que : “A indenização por dano moral não está sujeita a tarifação prevista na Lei de Imprensa“, cremos que o estabelecimento de critérios objetivos, como ora proposta pela Lei da Reforma Trabalhista dará um norte aos magistrados e aos aplicadores do direito quanto ao valor da indenização.
Nas primeiras edições e na 6ª. edição de meu livro (O dano moral na dispensa do empregado, SP: Ltr), em conclusões, vínhamos apresentando uma proposta com parâmetros objetivos para a fixação do valor da reparação por dano não patrimonial, em linha com o presente dispositivo legal, disposto no parágrafo primeiro do art. 223-G, da Lei da Reforma Trabalhista.
O problema que se afigura e que terá que ser aferido pelo magistrado no caso concreto é que a dignidade humana não é mensurável, não tem preço, possui um valor inestimável em face da natureza insubstituível e única da personalidade humana, que nada tem a ver com as funções ou atribuições que cada um exerce no dia a dia, seja na vida profissional ou privada, daí a imponderabilidade de se usar idênticos parâmetros para todos os indivíduos. Em outras palavras, colocar todos na mesma balança.
Exemplo: um diretor de uma grande empresa, com remuneração elevada, certamente terá uma indenização muito superior a um operário que labora no chão de fábrica, com remuneração muito inferior. Será que a dignidade do diretor é superior axiologicamente à dignidade do operário? Em termos de indenização pela ocorrência do dano não patrimonial, o valor pecuniário da indenização do diretor se apresentará muito superior à do operário, ensejando uma situação de não equidade, como se a dignidade do operário fosse considerada de segunda linha.
CONCLUSÕES
Em suma, estes são alguns comentários que exponho para reflexão dos aplicadores do Direito, que de alguma forma manejam este belíssimo instituto do dano não patrimonial nas relações de trabalho.
por Enoque Ribeiro dos Santos
Mestre, Doutor e Livre Docente em Direito do Trabalho. Professor. Desembargador do Trabalho do TRT da 1ª. Região – Rio de Janeiro.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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