sábado, 1 de abril de 2017

Breves reflexões sobre a aplicação da súmula Carf 84

A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) julgou, em março deste ano, diversos recursos especiais que tratavam da (mandatória) aplicação do verbete 84 da Súmula do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O grande volume de casos envolvendo a matéria provocou uma reflexão sobre os efeitos da aplicação do mencionado verbete, à luz dos princípios da eficiência da Administração Pública, da economia processual e da cooperação. Tais reflexões são analisadas brevemente no presente artigo.

Durante o período em que vigoraram as Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal do Brasil (INs SRF) 460/04 e 600/05, as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real anual que fizeram pagamento indevido ou a maior das estimativas mensais do Imposto Sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e/ou da Contribuição Social sobre Lucro (CSLL) foram impedidas de realizar a compensação do indébito antes do encerramento do período de apuração ― que, no entendimento da SRF, somente poderia ser compensado na forma de saldo negativo, quando do encerramento do respectivo ano.

Essa vedação foi originalmente imposta pelo artigo 10 da IN SRF 460/04 e, posteriormente, mantida no artigo 10 da IN SRF 600/05. Desse modo, todos os contribuintes que, na vigência destes dispositivos, apresentaram à SRF Pedido Eletrônico de Restituição (PER) ou Declaração de Compensação (DCOMP) com base em crédito de pagamento indevido ou a maior da estimativa mensal de IRPJ e/ou CSLL tiveram o pleito negado pelas autoridades fiscais.

Após realizar o tratamento dos PER/DCOMPs de forma, as autoridades se limitavam a emitir um despacho decisório eletrônico, que, via de regra, trazia como único fundamento a pretensa inadmissibilidade da compensação de crédito proveniente de estimativa mensal paga indevidamente ou a maior.

Muitos contribuintes, em face disso, deram início a uma discussão a respeito da legalidade da tal vedação, pautados no entendimento de que as disposições dessas INs eram contrárias ao artigo 74, caput, da Lei 9.430/96 e do próprio artigo 165 do Código Tributário Nacional (CTN), de modo que deveriam ser afastadas, como meio de viabilizar a restituição ou a compensação dos valores indevidamente pagos a título de estimativa mensal.

No âmbito do Carf, a discussão acerca do tema gerou decisões controvertidas em relação à possibilidade de utilização do pagamento indevido ou a maior de estimativas mensais antes do encerramento do período de apuração, até que, em 10/12/2012, a CSRF aprovou o verbete 84, que assim dispõe:

“Pagamento indevido ou a maior a título de estimativa caracteriza indébito na data de seu recolhimento, sendo passível de restituição ou compensação.”

Na prática, contudo, a aplicação deste verbete implica em reconhecimento tácito da nulidade dos despachos decisórios emitidos com base na pretensa impossibilidade de compensação de crédito relativo a estimativa mensal. É que todo despacho decisório, antes de tudo, é um ato administrativo e, como tal, não comporta mudança na motivação originalmente externada pela Administração Pública.

Por conseguinte, a declaração de compensação que, num primeiro momento, não foi homologada sob fundamento de impossibilidade de compensação de crédito relativo a pagamento indevido ou a maior de estimativa mensal, por consequência da aplicação do verbete 84 da súmula do Carf, fica sujeita ao prazo de homologação tácita, tal como já reconhecido pelo próprio órgão colegiado do Ministério da Fazenda no acórdão 3302-002.890 (PAF 10875.0043638/2004-11), cuja ementa é a seguinte:

“DESPACHO DECISÓRIO. AFASTAMENTO DA MOTIVAÇÃO. DETERMINAÇÃO PARA QUE FOSSE PROFERIDO NOVO DESPACHO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE IMPLÍCITA. POSSIBILIDADE. Se a decisão de primeiro grau afastou a motivação do despacho decisório e determinou que outro fosse proferido pela autoridade julgadora da unidade da Receita Federal de origem, essa decisão, implicitamente, equivale a declaração de nulidade do citado despacho decisório por ausência de motivação.

DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO (DCOMP). DESPACHO DECISÓRIO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO PROFERIDO APÓS O PRAZO DE CINCO ANOS. HOMOLOGAÇÃO TÁCITA DO PROCEDIMENTO. CABIMENTO. Se o contribuinte foi cientificado do despacho decisório não homologatório da compensação após o prazo de cinco anos, contado da data da entrega da DCOMP, não tem efeito jurídico a correspondente decisão não homologatória, ante a primazia da homologação tácita do procedimento compensatório consumada com o transcurso do citado prazo quinquenal.”

Destarte, cumpre ao Carf e à CSRF, quando da aplicação do verbete 84 da súmula do Carf, observar se é o caso de já reconhecer, também, a homologação tácita da declaração de compensação ― e não simplesmente determinar o retorno dos autos à delegacia de origem para que haja emissão de um novo despacho decisório.

Se for o caso, o colegiado deve, em nosso entendimento, reconhecer de ofício a homologação tácita da declaração de compensação, em atenção aos princípios da eficiência da Administração Pública, da economia processual e da cooperação, a fim de evitar a movimentação da máquina pública para emissão ― inócua ― de um novo despacho decisório.

por Eloisa de Almeida Rego Barros Curi é sócia da área tributária do Demarest Advogados.

Marcelo Rocha dos Santos é advogado da área tributária do Demarest Advogados.

Fonte: Conjur

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