quarta-feira, 19 de abril de 2017

Responsabilidade tributária do contribuinte de direito

No último dia 14 de fevereiro, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF, por uma de suas Turmas, abordou o interessante tema envolvendo as normas do Novo Código de Processo Civil (NCPC) e suas interseções com o processo administrativo. No caso, a matéria de fundo tratou da autuação lavrada contra contribuinte de “direito” do IPI que não destacou o imposto em determinadas saídas em cumprimento a decisões judiciais obtidas por seus clientes (contribuintes de fato do imposto).

Tendo em vista a cassação das decisões liminares proferidas em favor dos clientes da empresa autuada, entendeu o Fisco que o contribuinte de direito deveria restar responsável pelo recolhimento do IPI suspenso durante o período de vigência das liminares, não obstante tal contribuinte de “direito” não ter sido parte nos processos judiciais em que proferidas as decisões afastando o recolhimento do IPI.


Observando a aplicação de dispositivo do NCPC, combinado com parecer administrativo e o Código Tributário Nacional (CTN), concluiu a CSRF por afastar a autuação lavrada contra o contribuinte de direito. Para tanto, a CSRF entendeu que ao impingir a responsabilidade tributária ao contribuinte de direito o Fisco estaria violando norma individual e concreta formada no âmbito do processo judicial que afastou a responsabilidade tributária daquela contribuinte. Nos termos do voto condutor:


“deslocar a “sujeição passiva” para a “contribuinte de fato” que ingressou com medida judicial, fundamentando suportar o ônus econômico do tributo, quando obtém ordem judicial obstaculizando a “contribuinte de direito” de reter e recolher o tributo devido, eis que tal decisão constitui de per si norma individual, particular e concreta.” (Acórdão 9303-004.625)

Para chegar a tal conclusão, o CSRF aplicou as disposições do artigo 506 do NCPC combinado com o item 19 do Parecer Cosit 1/2002, a fim de declarar a ilegitimidade passiva da autuada e “contribuinte de direito” do tributo reclamado.

Ademais, foi destacado pelo voto vencedor que a contribuinte de direito, então autuada, havia feito consulta formal à RFB  a fim de esclarecer a sua eventual responsabilidade tributária pelo não-recolhimento de IPI em função de decisão judicial obtida por terceiros (contribuintes de fato). Na ocasião, se posicionou formalmente a RFB no sentido de que a empresa consulente (contribuinte de direito) não poderia ser responsabilizada pelo recolhimento de imposto cuja incidência havia sido afastada por decisão judicial, mesmo que proferida em favor de terceiros.

O recurso especial fazendário foi manejado contra acórdão que informou não haver antijuricidade em conduta assumida pelo contribuinte autuado que tão somente observou ordem judicial obtida pelo contribuinte substituído, determinando que não fizesse o primeiro a retenção e o recolhimento do IPI na saída de mercadorias, isto, sob pena de incorrer em desobediência.

Notamos que a corrente vencida apoiou-se no fato de que não localizara “em qualquer das mais de 2700 folhas dos autos, cópia do ofício que o Juízo expediu à empresa autuada para cumprimento da decisão judicial“, e mais, no argumento de que “o lançamento (inafastável) se faz, por expressa disposição legal, na figura do sujeito passivo da exação. E, como sabemos todos, só há duas espécies de sujeito passivo: o contribuinte e o responsável.” Ou seja, o lado vencido, argumentou que após promover uma análise de correlação entre exigência de crédito tributário e ciência econômica, entendeu que teria sido correta a imputação de legitimidade passiva à contribuinte autuada, pois a decisão judicial não teria o condão de alterar a sujeição passiva na espécie. Assim, uma vez cassada a liminar que autorizava a contribuinte de direito a não recolher o IPI, então retornava a esta a obrigação tributária, inclusive relação ao imposto não-recolhido durante a vigência da decisão liminar.

Já a corrente majoritária vencedora, apoiada inclusive por declaração de voto apresentada, firmou seu posicionamento na Solução de Consulta emitida em favor da contribuinte litigante e em dispositivo do NCPC – art. 506 -, este adotado e  vazado com o sentido de que a abrangência da coisa julgada não deve prejudicar terceiros, mas, ao contrário, os beneficiar.

E, na hipótese analisada e para a autuada, cuja ilegitimidade restou reconhecida, havia a obrigação do cumprimento de ordem judicial com força de norma individual, particular e concreta, determinando o não recolhimento do IPI na saída de suas mercadorias para terceiro a quem foi judicialmente dirigida a “sujeição passiva“; o que, aliás, segundo se noticiou, sequer foi questionado pela autoridade fazendária em esfera judicial.

Destacou-se ainda que ao distribuidor adquirente das mercadorias do produtor ilegitimamente autuado caberia o recolhimento do tributo objeto da exigência, pois esse passou “a desfrutar a legitimidade para questionar a base de cálculo do r. tributo e contrapor possíveis direitos decorrentes dessa transação, assim como, a ser responsável pelos tributos não recolhidos.”

Com isso, e ato contínuo, consignou a corrente vencedora que não se poderia deslocar a sujeição passiva da obrigação tributária pelo recolhimento do tributo ao fabricante dos produtos saídos ao distribuidor.

Outra afirmação conclusiva relevante foi a de que:

“a solução para o caso não está em autuar o contribuinte de direito, mas o contribuinte fato (o autor da ação judicial), só que na qualidade de responsável, nos termos do art. 124, I, do CTN, dado o seu interesse comum (e jurídico!) na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal, sem que o contribuinte de direito, todavia, integre o polo passivo do lançamento. A autuação seria direcionada apenas contra o responsável solidário.”

Desta forma, arrimando-se em regras do Código Tributário Nacional, bem como em parecer de órgão da estrutura fazendária, Turma da CSRF do CARF, permitindo-se ainda mesclar comando do NCPC a esse “caldeirão normativo”, “trouxe celeridade ao processo administrativo fiscal, bem como segurança jurídica” ao definir pela ilegitimidade de sujeição passiva a “contribuinte de direito” cumpridor de medida judicial concedida a “contribuinte de fato”, determinante para que esse deixasse de legalmente promover o recolhimento do IPI reclamado.

Thales Stucky - Sócio da prática tributária do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, LL.M. em Tributação Internacional pela New York University

Fonte: Jota.info/

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