Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (RE nº 574.706) fixa entendimento de que o ICMS não pode compor a base de cálculo do PIS/Cofins. Todavia, para o caso ser dado por encerrado, o Plenário tem que votar a "modulação" dos efeitos dessa decisão, o que, pelas próprias rotinas processuais, não ocorrerá antes de junho.
Referida decisão irá definir se a inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc (regra geral), o que garantiria a todos os contribuintes o direito de recuperar os valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos, ou se, excepcionalmente, esse direito será limitado.
Nosso sistema pauta-se na supremacia absoluta da Constituição Federal. Como consequência, toda norma inconstitucional teria que ser extirpada do ordenamento jurídico desde seu nascedouro, com efeitos ex tunc (tudo: passado, presente e futuro).
O atual contexto político-econômico levará os ministros do Supremo a ignorar a melhor técnica jurídica
O STF julgou desta forma a maioria das teses tributárias. Exemplos: exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins-Importação (RE 559.937 em 09/2014); Funrural (RE 596.177 em 08/2011); Finsocial (RE 363.852 em 02/2010); Cofins profissão regulamentada (RE 377.457 em 09/2008); IPTU progressividade (AI 557.237 em 09/2007); e IPI alíquota zero (RE 353.657 em 06/2007).
Por razões de segurança jurídica, excepcional interesse social ou mudança repentina da jurisprudência consolidada, o STF já admitiu a modulação ex tunc mitigada (repetição somente para quem tinha ação judicial) em duas teses tributárias: ICMS/ST – base de cálculo inferior à presumida (RE 593.849 em 10/2016) e prescrição das contribuições previdenciárias (Súmula Vinculante 8 em 06/2008).
Pelos mesmos motivos, o STF decidiu pela eficácia ex nunc (da decisão em diante) em matéria tributária, no precedente ICMS- benefícios fiscais concedidos sem convênio prévio (Adin 4481 em 03/2015), com efeitos a contar da data da sessão de julgamento.
A situação mais drástica, pro futuro, permitida por idênticos motivos, ocorreu na tese tributária ICMS combustíveis (Adin 4171 em 05/2015), em que o STF decidiu que a inconstitucionalidade somente valeria a partir de seis meses contados da publicação do acórdão. Outro caso interessante foi o dos precatórios (Adins 4357 e 4425 em 03/2015), em que foi dada sobrevida ao regime inconstitucional por cinco exercícios financeiros.
Analisando-se em detalhe esses precedentes é possível arriscar um palpite. Quanto às questões processuais: o recurso será conhecido, pois quase a totalidade dos ministros aceita a modulação via embargos de declaração. Todos poderão votar, inclusive o ministro Alexandre de Moraes, que não participou do julgamento de mérito. A decisão será por maioria de votos, vencido o ministro Marco Aurélio que é, por princípio, contrário à modulação.
Quanto ao mérito: o contexto político-econômico atual levará os ministros a "ignorar" a melhor técnica jurídica e decidir em favor da modulação, provavelmente na modalidade ex tunc mitigada, apesar de não estarem presentes os requisitos legais para tanto, já que: a) o critério econômico-financeiro não equivale ao "excepcional interesse social"; b) a segurança jurídica exige a rejeição da modulação; c) não houve mudança de jurisprudência, pois o único caso julgado antes (RE 240.785) foi no mesmo sentido desta decisão e a existência de súmula contrária do STJ não implica "virada jurisprudencial" para efeito de modulação no STF.
A despeito da crise do país e dos números astronômicos apontados pelo governo como "rombo" que será causado nas contas públicas, acredita-se que os ministros não admitirão a modulação pro futuro, pleiteada pela Fazenda Nacional para que a inconstitucionalidade surta efeitos a contar de janeiro de 2018, vez que isso implicaria o esvaziamento dos institutos tributários da repetição de indébito e da prescrição; violaria o direito adquirido dos contribuintes que tinham ação ajuizada antes do julgamento e implicaria tratamento anti-isonômico, por tratar da mesma forma os contribuintes que buscaram seus direitos no Judiciário e os que ficaram inertes.
por Sandrya Rodriguez Valmana de Medeiros é mestre em direito tributário pela USP e diretora do contencioso tributário de Gaia, Silva, Gaede Advogados
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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