Em nosso país o Direito Tributário vem se apequenando a olhos vistos, com resultados desastrosos para a segurança dos contribuintes e a qualidade da jurisprudência. Falta aos operadores doutrina coerente, resultando em peças advocatícias dúbias e decisões equívocas.
Não quero alentar essa inicial observação mas podemos sentir que em matéria de taxas perdeu-se a noção de que ela é tributo vinculado a atuações específicas e divisíveis de serviços públicos prestados aos contribuintes, quer sejam serviços de utilidade como uma apanha de lixo ou de esgotamento sanitário, quer sejam atos efetivos (jamais potenciais) derivados do regular exercício do poder de polícia, como por exemplo, uma fiscalização que redunda num alvará de construção, num habite-se, num passaporte, num certificado de higiene para a cozinha de um restaurante.
Assim sendo, sua base de cálculo só pode ser extraída do custo “a forfait” do ato estatal. Entretanto taxas há sem prova de atuação estatal e em valores exorbitantes. Em suma, o Executivo ousa, o Legislativo acede, a doutrina cala-se, os juízes decidem, como se os insumos doutrinários e os princípios da Constituição inexistissem na dimensão da pragmática, à hora da aplicação, por subsenção, das normas abstratas aos casos concretos.
Outra deformação tremenda advém da aplicação do princípio da não-cumulatividade (que supõe sempre uma cadeia-de-débito-e-crédito típica dos impostos sobre circulação – IVAS na Europa e no Brasil o IPI e o ICMS) buscando tributar o consumo, a tipos de tributos isolados sobre receitas brutas (gross income tax) cuja filiação técnica é de impostos incidentes sobre as rendas ganhas (receitas e lucros).
Dessa confusa legislação nasceram o PIS e a Cofins “cumulativos” e “não-cumulativos”. Em verdade, originariamente a legislação deu créditos de máquinas, bens de uso, aluguéis, e outros itens, na esteira da técnica dos impostos sobre a renda ou seja crédito de todas as incidências incorridas.
A doutrina e os advogados não foram hábeis e capazes de estancar a marcha batida do Fisco no sentido de apequenar os créditos do PIS/Cofins, apegados aos modelos já mediocrizados do IPI e do ICMS. Os juízes não têm culpa. Ressente-se o Brasil, como dizia Ataliba, de uma doutrina assentada nos sólidos fundamentos da Constituição, por um lado, e por outro, nos conceitos e princípios da Teoria Geral do Direito Tributário.
A volta à boa doutrina é uma exigência tão gritante que certamente ocorrerá mais cedo ou mais tarde. E bons doutrinadores há. O que parece faltar é tempo, pesquisa e esmero.
O tributo é uma forma de agredir, porém legalmente, o direito de propriedade. A Constituição prescreve que ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal implicando o amplo direito de defesa. No entanto, o Judiciário tem aceito que se cobre executivamente e se penhore os bens de contribuintes que sequer possuem poder de gestão nas empresas executadas ou sequer participaram do ato de lançamento tributário. Há juízes que até dispensam-no, bastando declaração de dívida assinada por um reles funcionário. Foi por isso que os juízes ficaram mal vistos pela revolução francesa. Eram serviçais do Poder. Por razões opostas os juízes ingleses e americanos são bem vistos pelo povo. Desconfiam da lei e acentuam o direito das pessoas, como esclareci no meu O Controle de Constitucionalidade das leis e do Poder de tributar (4ª edição no prelo).
por Sacha Calmon é advogado tributarista, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos e ex-professor titular da UFMG e da UFRJ. Sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Fonte: Conjur
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