Cada vez mais na linha de fogo em discussões sobre fraudes contábeis e insucesso empresarial, os auditores decidiram sair de sua tradicional postura reservada e abrir o debate sobre qual deve ser o limite legal de sua responsabilidade em casos como esses.
Há um incômodo entre os profissionais do setor, que têm convivido com o receio de ver suas empresas com as contas bloqueadas e de perder até mesmo seus bens pessoais por conta de processos judiciais em que estão sendo responsabilizados em pé de igualdade com os administradores que realizaram os malfeitos.
A divisão de auditoria da KPMG no Brasil está com seus bens financeiros congelados desde o fim de junho em decorrência de decisão cautelar emitida pelo juiz Daniel Carnio Costa, que está cuidando do processo do Banco BVA, na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo.
No caso do Cruzeiro do Sul, também houve pedido de arresto de bens da KPMG e da EY por parte do Ministério Público Estadual, mas o juiz do caso, Carlos Marcelo Mendes de Oliveira, decidiu ouvir a defesa das empresas de auditoria antes de deferir a medida.
Há uma peculiaridade envolvendo processos contra auditores, porque eles trabalham em um ramo de negócios em que os sócios das empresas precisam obrigatoriamente assumir o risco de responder com seus próprios bens de maneira ilimitada em caso de processos administrativos ou judiciais.
A previsão não está no código civil, mas na Instrução nº 308 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que diz que a empresa de auditoria deve se responsabilizar "pela reparação de dano que causar a terceiros, por culpa ou dolo, no exercício da atividade profissional e que os sócios responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, depois de esgotados os bens da sociedade".
De acordo com o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Eduardo Pocetti, os profissionais do setor não estão confortáveis com a situação atual, e por isso decidiram abrir um debate com a sociedade sobre a questão. "Nós não nos eximimos de pagar pelos nossos erros. Mas da forma que está não é justo", diz Pocetti.
Para a entidade, os auditores devem ser punidos se ficar comprovado erro, negligência ou imperícia. Mas eles consideram desproporcional ter que ressarcir prejuízos decorrentes de fraudes que não tenham identificado, principalmente de maneira ilimitada, das quais eles não se beneficiaram.
"Não se devia presumir que o auditor tem culpa sempre. Teria que ser provado", diz Idésio Coelho, diretor técnico do Ibracon, que afirma que nem mesmo uma auditoria perfeita tecnicamente pode assegurar, com 100% de certeza, que não existe fraude nos números de uma empresa.
Isso porque o auditor não é pago para descobrir fraude - embora ela deva ser informada aos reguladores se identificada. Se a busca sistemática por fraudes fosse incluída no serviço tradicional de auditoria, os honorários teriam que ser maiores que os atuais e o trabalho levaria mais tempo.
O limite da responsabilidade do auditor será discutido no primeiro dia da 4ª Conferência Brasileira de Contabilidade e Auditoria Independente, organizada pelo Ibracon, que será realizada nos dias 18 e 19 de agosto, em São Paulo.
Pelo lado dos reguladores, a mesa terá Ana Novaes, diretora da CVM, que fiscaliza os auditores de companhias abertas e fundos de investimento, e o promotor Eronides Aparecido dos Santos, do Ministério Público Estadual de São Paulo.
O Banco Central, que fiscaliza os auditores das instituições financeiras, foi convidado para participar do painel, mas não quis enviar representante.
A ausência é relevante, já que nos casos recentes que resultaram em pedido de arresto de bens de auditores pela Justiça, a base para a acusação tem sido os relatórios de investigação do BC que apontam falhas desses profissionais.
Além dos órgãos de supervisão, terão voz no debate o professor de contabilidade e ex-diretor da CVM e do Banco Central Nelson Carvalho, que tratará do aspecto técnico do trabalho de auditoria, e o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM, que fará a análise jurídica.
Por Fernando Torres
Fonte: Jornal Valor Econômico-13/08/2014
Via IBRACON
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