RESUMO: A pauta fiscal, por estabelecer de antemão valores que só se verificarão ou não no futuro, preserva relação intima com a substituição tributária para frente, retirando desta sua razão de existir. Sua instituição, contudo, tem, ao longo do tempo, gerado debates doutrinários e jurisdicionais, de tamanho calibre, que chegou a mais alta corte jurídica do país, que, contudo, ainda não decidiu acerca de sua constitucionalidade. Variados são os posicionamentos dos mais ilustres juristas, tanto do direito pátrio como do direito comparado. Nos julgados e nas doutrinas analisadas, verifica-se interpretações do texto constitucional e das leis, que de maneira concorrente disciplinam o assunto, uma gama de argumentos fundamentados à luz dos princípios que regem o tema, em relação à questão de sua constitucionalidade. Analisado o instituto do ICMS, seu fato gerador, base de cálculo e alíquotas, é possível uma melhor visualização do que seja o instituto da substituição tributária e conseqüentemente, uma visão reiterada da pauta fiscal e de sua implicação prática na vida do contribuinte. Feita uma criteriosa visão do ordenamento jurídico brasileiro, acompanhado de uma interpretação sistemática, é de se concluir pela inconstitucionalidade desta prática fiscal, ao se sopesar a praticidade da arrecadação frente aos princípios da capacidade contributiva e da segurança jurídica.
Palavras chave: ICMS. Substituição Tributária Para Frente. Pauta Fiscal
I- CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A problemática da constitucionalidade ou não do uso das pautas fiscais de valores, como técnica de arrecadação antecipada do ICMS por parte das secretarias de fazendas estaduais e do Distrito Federal, traz a tona discussões acentuadas acerca da problemática e do embate entre os direitos e garantias do contribuinte e a praticidade na fiscalização e cobrança dos tributos.
No sentido viabilizar um suporte teórico que proporcione bases consistentes de análise, adotou-se o método dedutivo, uma vez que partiu de teorias e leis mais gerais para a ocorrência de fenômenos particulares, bem como a técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial com o propósito de enriquecer o debate.
O ICMS, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, com função seletiva e de incidência não cumulativa.
Para tal estudo, necessário é restringir o seu estudo ao fato gerador, a base de cálculo, e a alíquota; também se adentrando um pouco na abordagem quando da sua incidência nas operações de circulação de mercadorias, dado a sua importância para as conclusões a que este trabalho chegará.
Serão analisadas as disposições constitucionais respeito da matéria, bem como a Lei Complementar nº. 87 de 1996, a Lei 6.379/96 do Estado da Paraíba e seus respectivos regulamentos.
Confrontar-se-ão teses doutrinárias dos maiores expoentes no assunto e que contribuirão de maneira decisiva para que o estudioso do direito que utilize este humilde trabalho possa acrescentar um algo a mais em seus conhecimentos tributários.
O conhecimento e a compreensão do instituto da substituição tributária para frente é um ponto chave para o objeto de estudo deste artigo. Através do questionamento da legalidade e constitucionalidade desta, é que se chega à indagação fundamental de que ora se faz, e como forma de conhecer as suas bases, será abordada sob a óptica do direito comparado, de doutrinadores e ordenamentos jurídicos oriundos de países que compartilham do sistema do civil law.
A sua existência depende de uma série de presunções que podem ou não vir a acontecer e neste ponto surge o maior conflito, pois é com base em presunções que a pauta fiscal existe e atinge o seu objetivo de arrecadar tributos de maneira mais cômoda ao ente público, em prejuízo o contribuinte.
De antemão já se adianta à existência de um conflito de princípios constitucionais, onde serão sopesadas a praticidade da arrecadação e a segurança jurídica e capacidade contributiva.
Como forma de demonstrar a relevância da temática na vida dos contribuintes, o julgamento de duas ações declaratórias de inconstitucionalidade que ainda tramitam no âmbito do Supremo Tribunal Federal e uma anteriormente decidida, através de sua esmiuçada observação, revelarão a visão dos guardiões da Constituição sobre o assunto, suas convicções jurídicas e demonstrarão como os -panseios dos contribuintes são sopesados nos tribunais superiores do Brasil.
Desta forma, com uma pesquisa detalhada e investigativa, fundada num sincretismo de estudo de normas e princípios tributários, utilizando-se uma variada bibliografia de ilustres doutos do tema, através de livros, artigos, decisões judiciais, virá à indagação a respeito da conveniência e constitucionalidade/legalidade da utilização pelas secretarias da fazenda de pautas fiscais de valores em face dos contribuintes.
O principal dispositivo legal de que se cuidará será o trazido ao ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº. 3 de 1993, que acrescentou o § 7º ao artigo 150 da Carta Magna, de maneira que a partir de então, pelo menos do ponto de vista formal, a substituição tributária para frente ganha ares constitucional no Brasil.
O presente artigo analisa a pauta fiscal, com base de cálculo que traz e questiona-se a sua constitucionalidade com a análise dos julgados que o Supremo Tribunal Federal já proferiu.
II - A PAUTA FISCAL
2.1 CONCEITO
A pauta fiscal é um instrumento utilizado de maneira ampla pelas diversas secretarias de fazenda no Brasil, e como não poderia deixar de ser, pela secretaria da receita da Paraíba. Ela discrimina variados produtos e valores mínimos, facilitando o trabalho de quem arrecada os tributos. Pauta fiscal, segundo Carrazza (2009 p 301):
É a fixação da obrigação tributária pelo poder público, por um valor pré-fixado da operação, tomado como teto, independente do efetivo e real valor da operação. É a troca da base e cálculo real por uma outra arbitrada de maneira discricionária pela autoridade fazendária. Nela, não há a figura do substituto e do substituído, existe apenas o contribuinte como sujeito passivo da obrigação tributária. A semelhança que guarda com a substituição tributária é que a sua base de cálculo real é trocada por uma outra presumida.
A pauta fiscal, na óptica de Gaia (2007), é o valor fixado prévia aleatoriamente para a apuração da base de cálculo do tributo.
O arbitramento de valores, previsto o artigo 148 do Código Tributário Nacional, é modalidade de lançamento, que não pode ser confundido com a pauta fiscal, da mesma forma, diferente é o regime de valor agregado estabelecido no art. 8º da Lei Complementar nº. 87/96, que é técnica adotada para a fixação da base de cálculo do ICMS na sistemática de substituição tributária progressiva, levando em consideração dados concretos de cada caso.
A padronização quando bem utilizada, na maior parte dos casos, é instrumento hábil para se atingir os fins do princípio da capacidade contributiva. Na tributação padronizada consideram-se elementos, que se presume, ocorrerem na maioria dos casos, pondo-se em prática, assim, a igualdade dos contribuintes.
É até lógica esta afirmativa, já que é bem mais útil elaborar uma fórmula genérica que se amolde à maioria dos casos, para quando surgirem situações em descompasso com a realidade que expõe, seja possível a sua correção, por ser pequeno o número de casos que não se amoldam à padronização.
Contudo, esta desigualdade não pode ser contínua nem considerável, se for contínua, o padrão deixa de refletir a média dos valores praticados; se for considerável, o padrão afasta-se em demasia da média dos valores praticado; somente se justifica, portanto, as desigualdades insignificantes.
Já se foi dito que o instituto da substituição tributária para frente deve se pautar, também, pelo princípio da não-cumulatividade. Uma das razões de sua aplicação deve-se a sua praticidade na arrecadação dos impostos; por sua vez, esta praticidade ganha status de princípio constitucional, quando vem implicitamente disciplinada em alguns dispositivos da Carta Magna.
Dentre estes, o já anteriormente explanado artigo 150, § 7º, professando em favor da execução simplificada, econômica e viável das leis, de modo a se evitarem execução muito complicada das mesmas, principalmente quando devem ser cumpridas em larga escala, a exemplo dos tributos lançados por homologação.
O recolhimento de ICMS sobre margens estimadas de lucro está previsto nas legislações dos Estados e do Distrito Federal, dentro do mecanismo da substituição tributária. Neste, o contribuinte substituto tem o dever de recolher mensalmente certo valor, cujos critérios de apuração são prefixados pela Administração Pública, mediante estimativa de lucro.
Sem adentrar-se na seara de sua constitucionalidade, que não guarda relação com o real fato imponível, é certo que, quando submetido a ele, o contribuinte deve recolher montantes certos, já fixados anteriormente pela secretaria de receita, em pautas de valores mínimos, baseadas no artigo 8º, II, e §§ 4º, 5º e 6º da Lei Complementar 87/96.
Na prática, se pode empregar a pauta fiscal como presunção ou como ficção. Desta maneira, se a pauta fiscal diz que tal mercadoria vale certa quantia em dinheiro e isso é sabidamente correto, ou pode ser comprovado, trata-se de presunção; tratando-se de ficção se o que a pauta diz é sabidamente falso. De maneira alguma, admite-se na seara do direito tributário a pauta fiscal como presunção absoluta. Contudo é de se observar que estas pautas fiscais gozam apenas de presunção iuris tantum de que estão corretas, relativa, portanto, nunca iure et de iure, não podendo superar a realidade e distorcer os preços de mercado.
A adoção das pautas fiscais e suas razões de praticidade não devem ter primazia sobre a segurança e a certeza da tributação, pois como postulados constitucionais que são, exigem que os contribuintes apenas recolham a título de tributo exatamente o que devem, nunca, mais; sob pena de haver por parte do ente político tributante enriquecimento sem causa, o que afrontaria os princípios gerais do direito.
A prova produz a certeza da ocorrência de um fato, ao contrário da presunção, que é mais simples probabilidade, uma suposição de um fato desconhecido, por conseqüência indireta e provável de outro conhecido. Portanto, as pautas fiscais, como presunções que são jamais poderão superar a realidade, mesmo que apoiadas no artigo 8º da Lei Complementar 87/96.
Não se questiona a importância destas na dialética jurídica, contudo, não poderão tornar verdadeiros fatos apenas possíveis, nem fazer presunções desmesuradas dos preços efetivamente praticados. Assim, a realidade dos preços praticados nas operações mercantis realizadas deverá prevalecer frente aos valores das pautas fiscais.
A Fazenda Pública não pode compelir os contribuintes a pagar tributos, a exemplo do ICMS, além do devido, com o pretexto de alavancar a arrecadação ou combater a fraude.
A base de cálculo deste imposto, por substituição, incidente sobre vendas mercantis deve ser a real, o montante do negócio efetivamente praticado, jamais a presumida, previstas em tabelas, elaboradas a partir de valores sugeridos ao público pelo fabricante ou o preço máximo de venda a varejo fixado por autoridade competente.
É decorrência dos princípios da estrita legalidade da tributação, da capacidade contributiva e da proibição do confisco, a prevalência do valor real da operação sobre o valor estimado.
Admitem-se as pautas fiscais, porém somente como presunção relativa e nos casos o artigo 148 do Código Tributário Nacional, em que, mediante processo regular, se arbitre a base de cálculo, caso os documentos e as declarações prestadas pelo contribuinte sejam inidôneas.
Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
Caso os valores arbitrados sobreponham-se aos obtidos em razão das operações ou prestações efetivas, é permitido ao contribuinte comprovar que a quantia estimada pelo Fisco supera a realidade, devendo ser assegurado ao sujeito passivo o direito de contestar esse arbitramento, tanto no processo administrativo como no judicial, como garantia fundamental que é. Constituída esta prova, deve ser assegurado, ainda, o direito de creditar-se do excesso, sob pena de exigir-se tributo com efeito de confisco, que não decorrerá da operação ou prestação ocorrida, além de afrontar o princípio da não-cumulatividade, criando-se uma estimativa superior a realidade.
A superestimação fazendária de suas margens de lucro não pode afetar o princípio da não-cumulatividade, portanto, as pautas fiscais não podem fazer frente à verdade real.
Ao creditar-se do ICMS excessivamente recolhido, o contribuinte exercita o seu direito constitucional de fruir, por inteiro, deste princípio, pois se existem créditos a seu favor, deve aproveitá-los.
Esta padronização por parte do Fisco cria apenas presunções relativas, por mais que seja orientada pela realidade, devendo ser desconsiderada se os preços pautados forem excessivos.
A pauta fiscal que contrarie os preços efetivamente praticados na realidade das operações mercantis futuras deve ser descartada, pois a distorção de preços pode provocar efeitos negativos no livre exercício da atividade comercial, afetando a livre concorrência.
De fato, uma venda mercantil por preço superior e com maior margem de lucro, sofreria a mesma carga tributária de uma ou outra, realizada com menores preços e margem de lucro, desprestigiando quem participa desta última.
Portanto, é ilegal e inconstitucional a substituição tributária para frente, com base no preço máximo de venda a varejo ou no preço sugerido pelo fabricante ou importador, quando houver diferença significativa entre o valor de pauta e o efetivamente praticado, devendo a realidade sempre prevalecer.
Estar-se-ia criando, em afronta à Carta Magna, a pauta fiscal superior à realidade, mais uma restrição ao princípio da não-cumulatividade, caso não se assegure ao contribuinte o creditamento do valor excedente ao das operações mercantis realizadas.
O regime da substituição tributária lava ao recolhimento do ICMS antes da ocorrência do fato imponível, com a estimação, pelo ente tributante, do valor da operação ou prestação futura. Normalmente este valor é superior à realidade, dando ensejo á uma longa busca, por parte do contribuinte, para reaver o que pagou de forma indevida.
A fazenda Pública não restitui de imediato e preferencialmente a quantia recolhida a maior, bem como não permite que o contribuinte substituto lance, de imediato, em sua escrita os créditos fiscais correspondentes. Por razões outras, quer que este aguarde a iniciativa fazendária.
Agindo assim, afronta a Constituição, pois esta confere ao contribuinte substituto o direito de reaver por inteiro os valores recolhidos a maior, ou ainda utilizá-los como forma de pagamento, independentemente da vontade do Fisco.
Conclui-se que mesmo ocorrendo fato gerador presumido, os valores que foram além do preço da operação ou prestação realizada devem ser imediata e preferencialmente restituídos, não sendo correta a assertiva de que a substituição encerra a tributação, cabendo apenas a restituição do ICMS recolhido a maior, quando a venda futura não se realiza.
Esta tipifica um novo tributo, confiscatório e sem base constitucional, não tendo nada a ver com o imposto acima descrito.
Não se pode dizer que o Supremo Tribunal Federal pacificou a matéria quando julgou a ADIN 1.851-4, ao aceitar que o ICMS pode ser cobrado antes da ocorrência do fato imponível, com base no valor presumido de venda futura da mercadoria, sem haver o dever de devolução, caso a operação ocorra por valor inferior.
Neste caso apenas foi declarada a constitucionalidade das pautas fiscais, sem analisar nenhuma especificamente, pois a decisão foi prolatada em mero controle concentrado de constitucionalidade, não impedindo o exame concreto de cada pauta fiscal isoladamente.
Portanto, quando se comprova ,efetivamente, que os preços praticados na operação mercantil para o consumidor final são inferiores ao valor da pauta, aqueles é que devem figurar na base de cálculo do ICMS, sob pena de violação ao artigo 150, IV da Constituição Federal, e por conseqüência, o princípio do não confisco.
Deve haver a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso o preço final efetivo seja inferior ao da pauta fiscal, como aqui abordado.
2.2 ANÁLISE DE SUA BASE DE CÁLCULO
A maior polêmica que circunda a utilização das pautas fiscais pelas secretarias de receita do Brasil diz respeito exatamente à quantificação e a extensão da base de cálculo dos produtos e operações realizadas.
Na lição de Carrazza (2009 p 301):
Dentro do âmbito da Lei Complementar 87/96, três são as formas de estabelecer-se a base de cálculo na substituição tributária para frente no ICMS, quais sejam: primeiro, caso exista preço fixado por órgãos governamentais para a operação subseqüente, este será tomado como base de cálculo; segundo, se não existir preço fixado, mas existir preço recomendado pelo fabricante do produto, este poderá ser adotado como base de cálculo; Terceiro, caso não exista nem preço fixado nem preço recomendado, a base de calculo será feita por estimativa, tendo-se por base os preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
O primeiro caso, não apresenta grandes problemas, pois se tem preços previamente estabelecidos pelo Poder Público, no exercício da intervenção estatal na economia, de maneira que o preço da operação final será antecipadamente conhecido.
No segundo e no terceiro caso, surge uma questão a ser analisada mais detalhadamente. Se, por exemplo, a base de cálculo utilizada for um determinado valor e, na ocorrência efetiva do fato gerador, a mercadoria for vendida por valor inferior, terá ocorrido uma disparidade entre a base ficta e a base real.
A partir das últimas hipóteses analisadas, os contribuintes reivindicam o direito de repetição ou compensação das quantias, porventura, pagas a maior. Como sustento a tais reivindicações, os contribuintes alegam que o dever de pagar o tributo como conseqüência da substituição tributária para frente não se confunde com a efetiva ocorrência, no futuro, do fato gerador da efetiva obrigação tributária.
De modo que, quando da saída do produto do estabelecimento do contribuinte substituído para o consumidor final, havendo a ocorrência efetiva do fato gerador, se o preço da mercadoria for inferior ao tido como base de cálculo pelo fisco, quando da substituição, haverá uma disparidade.
Neste ponto, indiscutível o direito dos contribuintes, pois, se o Estado tributa levando em conta uma base de cálculo estimada, justamente por que o fato gerador é futuro, não existindo ainda, e, num momento posterior, quando da efetiva ocorrência deste, vê-se que a base de cálculo foi inferior à considerada pelo fisco para o estabelecimento do montante do imposto, é claro que está havendo disparidade e que haverá de ser repetido o valor pago a maior.
O que não pode ser confundido é quem é a figura do contribuinte, ou seja, quem é o sujeito passivo da relação jurídico tributária, o substituto ou o substituído.
Não pode ser confundida a repercussão jurídica do tributo e a repercussão econômica do mesmo, de modo a viciar o pensamento do jurista na hora de apontar o contribuinte na substituição tributária para frente. Também não se pode querer que o dever de recolher o tributo nasça com a ocorrência efetiva do fato gerador, estar-se-a incorrendo em um erro.
O dever de recolher o tributo nasce quando da ocorrência da operação efetivada pelo substituto tributário, incide desde este momento a norma que descreve a substituição, sendo verdadeiro que a ocorrência efetiva do fato gerador, no futuro evento praticado pelo substituto tributário, tem o condão apenas de ratificar uma situação juridicamente já implementada.
Revelam-se, momentos distintos, contudo, a obrigação não nasce da ocorrência efetiva do fato gerador, mas desde o momento previsto na norma, que estabelece a substituição tributária para frente,
Trata-se de uma exceção, não acontecendo normalmente em sede de direito tributário, mas, por isso mesmo, que é chamado substituição tributária para frente, possuindo assento constitucional e legal a partir da edição da Emenda Constitucional nº. 3 de 1993 e da Lei Complementar nº. 87/96.
Para os que a consideram constitucional, não há como entender que a obrigação surgiria somente com a ocorrência efetiva do fato gerador, nem muito menos que o contribuinte substituído teria qualquer relação com a obrigação tributária oriunda da substituição tributária. Pois isso negaria a própria lógica do instituto, além de afetar a dogmática, sobretudo a constitucional.
Hugo de Brito Machado, em texto retirado do site fiscosoft, não a considera constitucional e afirma:
Não se há de confundir o fato gerador do ICMS, ou fato cujo acontecimento faz nascer o dever de pagar dito imposto, vale dizer, no caso, a operação, ou as operações posteriores, apenas previstas para o efeito do recolhimento do imposto pelo substituído, com o fato gerador do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado. Este último é também fato gerador do ICMS incidente na operação de venda feita pelo substituto, mas isto nada tem a ver com a questão que estamos aqui examinando. No que importa à questão em tela, aquela venda, feita pelo substituto, é fato que faz nascer, além da dívida de imposto, própria, quanto ao ICMS incidente naquela operação, também, a obrigação de cobrar do substituído o ICMS da operação, ou das operações posteriores, e fazer o respectivo recolhimento aos cofres do Estado. Indevidos que o ICMS correspondente às operações posteriores somente se torna devido quando da ocorrência destas. or isto mesmo, se não acontecem, é cabível a imediata e preferencial restituição da quantia paga antecipadamente.
Para os que compartilham de seu entendimento, considera devida a diferença o imposto, ocasionalmente, pago a maior, sempre que ocorrer divergência entre a base de cálculo ficta e o efetivo preço de venda na operação praticada pelo contribuinte substituído.
O contribuinte substituído não faz parte da relação jurídica, estabelecida entre o fisco e o contribuinte substituto, posto ser este último o contribuinte "de jure", sendo excluído, portanto, da obrigação tributária. Não é sujeito passivo da relação jurídico tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte. Com base na classificação entre impostos diretos e indiretos, imaginar-se-ia a legitimidade do substituto tributário tendo-se em vista que o substituído teria sofrido a repercussão econômica do imposto, contudo isto não ocorre.
O substituto tributário, o contribuinte de direito, este sim poderá utilizar dos mecanismos legais para reaver as quantias pagas a maior. Não se pode aceitar que o fato gerador da substituição tributária seja definitivo, pois isso, além de contrariar regras lógicas, já que a ficção jurídica tem limite, ocasionaria uma arrecadação ilícita por parte do Estado.
Contudo, não significa que a obrigação nascerá apenas com a ocorrência efetiva do fato gerador, mas, como dito, nascerá no exato instante previsto pela norma instituidora da substituição tributária, ficando, tal obrigação, é certo, sujeita à condição resolutiva. Não se discute, portanto, o direito do substituto e reaver a importância paga a maior.
5.3 OS JULGADOS DO STF
2.3.1 Análise da ação direta de inconstitucionalidade nº. 1.851-4 /al
O convênio ICMS 13, de 21 de março de 1997 impediu a restituição do ICMS quando a operação ou prestação realizar-se em valor inferior ao presumido no pagamento efetuado pelo substituto tributário. É o que prevê a sua clausula segunda:
Clausula segunda -Não caberá restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) propôs então Ação Direta de Inconstitucionalidade alegando, em apertada síntese, a inconstitucionalidade da cláusula segunda do convênio ICMS 13/97 acima descrito, e dos § 6º e 7º do art. 498 do Decreto 35.245/91.
A ação foi conhecida em parte, apenas com relação à cláusula segunda do citado convênio e no mérito, julgada improcedente, por maioria, com a conseqüente declaração de constitucionalidade da já citada cláusula.
Da análise da doutrina sobre o julgado: Leandro Paulsen, (2008 apud Barbosa Dib e Barbosa Neto, p.2) ao comentar o instituto da substituição tributária para frente, admite
ser possível, com esteio no art. 150, § 7º da Carta Magna, não só a restituição de todo imposto pago, no caso do fato gerador presumido não se consumar ,como também do pago a maior, quando verificada diferença entre a base de cálculo presumida e a real.
De modo a que não seja tributada capacidade contributiva inexistente, deve também ser assegurada à restituição do quanto tenha sido pago sobre valores superiores ao da base de cálculo efetiva, o que, contudo, ainda não foi reconhecido pelo STF.
No mesmo sentido, é o entendimento esposado por Oliveira (2009 apud BARBOSA DIB e BARBOSA NETO, p.3) ao enfrentar o regime substituição tributária do ICMS, in verbis:
Tal regime ganhou contornos novos em face do § 7º do art. 150 da Lei Maior (EC/3/93), com base em que se pode afirmar que consiste ele no recolhimento antecipado do imposto cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, daí a figura do fato gerador presumido, da restituição do imposto pago na hipótese de sua não-ocorrência e da atribuição à lei ordinária para dispor sobre tal sistemática. Urge advertir que no tocante ao ICMS, esta última lei é de ser complementar, diante do constante do art. 155 §2º, XII, b, da CF.
A sistemática da restituição do imposto pago sobre base de cálculo presumida, em que não for consumado o fato gerador, depende de Lei Complementar que a regulamente, por expressa disposição constitucional, art. 155 § 2º, XII, b, da Carta Magna, conforme acertado posicionamento do autor.
O caput do art. 10, da Lei Kandir, repete a regra contida no art. 150 § 7º do Constituição Federal, já seus incisos, I e II possuem maior grau de especificidade, determinando em que condições se darão à restituição, entretanto não põe fim a polêmica se a substituição somente se daria no caso da não ocorrência do fato gerador ou se também no caso de a base de cálculo real ser menor do que a resumida.
Parte da doutrina entende desnecessária a edição de Lei Complementar para regulamentação da matéria, pois o seu fundamento seria constitucional, e mais, auto-aplicável, independendo de tal lei, bem como das leis estaduais, os contribuintes, para reaverem o que pagaram indevidamente. Se tal exigência fosse legítima, estar-se-ia admitindo, por via obliqua, que os recolhimentos efetuados no intervalo de tempo entre a edição da Emenda Constitucional nº. 3/93 e da Lei Kandir, estão todos maculados.
Por fim, a decisão proferida pelo STF declarou, por maioria, a constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio ICMS 13/97. Sustentou o voto vencedor a impossibilidade de restituição do imposto pago no caso da operação ter sido realizada em valor inferior à presumida.
Em suma, disse que o artigo 150, § 7º da CF carece de auto-aplicabilidade, necessitando de lei complementar que o regulasse. O Ministro Marco Aurélio Mello defendeu seu em voto vencido a interpretação sistemática do texto constitucional para admitir a possibilidade da restituição, atendendo aos anseios dos mais qualificados tributaristas.
2.3.2 Análise das ações diretas de inconstitucionalidade nº. 2777/sp e 2765/pe obre a discussão a respeito da constitucionalidade do dispositivo legal que permite a restituição do ICMS pago antecipadamente em razão da substituição tributária, quando na operação final ficar configurada obrigação tributária inferior à presumida; tem-se dentro da mais alta corte jurídica do país entendimentos antagônicos.
Como de posição notória favorável à sua constitucionalidade o Ministro Carlos Velloso entende que haveria enriquecimento ilícito do Estado se não admitido à devolução; o Ministro Cezar Peluso, também favorável, entende como uma violação ao princípio do não-confisco. De posição contrária à constitucionalidade da restituição, o então Ministro Nelson Jobim entendia pela justiça fiscal do regime de substituição tributária por impedir a sonegação e pela impossibilidade de restituição, pois os valores pagos antecipadamente são repassados no preço de venda e que poderia se dar margem à "guerra fiscal". Iniciado o julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelos
Governadores dos Estados de Pernambuco e de São Paulo, contra dispositivos de leis dos referidos Estados que asseguram a restituição do ICMS pago antecipadamente no regime de substituição tributária, nas hipóteses em que a base de cálculo da operação for inferior à presumida Lei 11.408/96, do Estado de Pernambuco, art. 19:
É assegurado ao contribuinte-substituto o direito à restituição:
[...] II -do valor parcial do imposto pago por força da substituição tributária, proporcionalmente à parcela que tenha sido retida a maior, quando a base de cálculo da operação ou prestação promovida pelo contribuinte-substituído for inferior àquela prevista na antecipação.
Lei 6.374/89, do Estado de São Paulo, na redação dada pela Lei 9.176/95, art. 66-B:
Fica assegurada a restituição do imposto pago antecipadamente em razão da substituição tributária [...] II -caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida.
A atual situação destes julgamentos é a seguinte, segundo informações no site do STF:
O Tribunal retomou julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelos Governadores dos Estados de Pernambuco e de São Paulo contra o art. 19 da Lei 11.408/96 e art. 66-B, II, da Lei 6.374/89, com a redação dada pela Lei 9.176/95, respectivamente dos referidos Estados, que asseguram a restituição do ICMS pago antecipadamente no regime de substituição tributária, nas hipóteses em que a base de cálculo da operação for inferior à presumida.. O Ministro Cezar Peluso, em relação à ADI 2675/PE, também votou pela improcedência do pedido, reiterando os fundamentos de seu voto na ADI 2777/SP. Em seguida, após o voto-vista do Ministro Eros Grau e dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie, acompanhando a divergência iniciada pelo Ministro Nelson Jobim, pela procedência dos pedidos formulados em ambas as ações diretas, e, ainda, dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello, que acompanhavam o voto dos relatores pela improcedência dos pedidos, o julgamento foi suspenso para colher o voto de desempate do Ministro Carlos Britto. Não vota, na ADI 2675/PE, o Ministro Ricardo Lewandowski, por suceder ao Ministro Carlos Velloso, e não vota, em ambas as ações diretas, a Ministra Cármen Lúcia, por suceder ao Ministro Nelson Jobim. ADI 2675/PE, rel. Ministro Carlos Velloso, 7.2.2007. (ADI-2675).
Observam-se ao final que o interesse dos contribuintes já está desprotegido pelo simples fato destes julgamentos encontrarem-se paralisados na mais alta corte judicial do país, pois há apelo geral pela decisão que determinará a constitucionalidade ou não desta prática fiscal.
III - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Emenda Constitucional nº.3 de 1993 formalmente tornou legítima a existência do instituto da substituição tributária para frente no ordenamento jurídico brasileiro, tendo, contudo, sua regulamentação, como, aliás, exigia apenas com a edição da Lei Complementar 87 de 13 de setembro de 1996. Sua aplicação visa facilitar e melhorar a eficiência da máquina administrativa.
Este instituto deve estar em conformidade com os princípios constitucionais, em especial, os da capacidade contributiva, legalidade e isonomia. Deve o ente público preservar o livre exercício da atividade econômica, e como característica de um Estado Democrático de Direito, ressarcir o contribuinte sempre que o fato gerador não ocorrer, ou se a operação se der a menor que o valor presumido. A base de cálculo decorre do fato gerador, e ambos, da norma de competência constitucional, portanto, sob pena de infringi-la, os Entes Federativos que usam desta técnica arrecadatória devem respeitar os limites da lei maior.
Como o direito tributário não admite as presunções absolutas, resultam por inconstitucional e ilegal a fixação de base de cálculo do ICMS por meio de pautas fiscais. A sua utilização, igualmente, fere o pacto federativo e a livre escolha da fixação da base de cálculo por parte dos Estados Membros.
A matéria analisada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADIN nº. 1.851 é distinta da matéria levada atualmente à análise daquele Tribunal, nas ADIN`s 2.777/SP e 2.675/PE, não se devendo falar em reversão do julgamento já realizado.
Na primeira demanda, os Ministros analisaram a constitucionalidade de uma cláusula que determinava que os contribuintes optantes, do recolhimento do ICMS sob o regime de substituição tributária, deveriam abrir mão de seu direito de pleitear a restituição de eventual tributo recolhido indevidamente e/ou a maior.
Neste caso, se o contribuinte considerasse que o regime de substituição tributária seria o mais vantajoso para suas atividades, e quisesse gozar deste "benefício", deveria abrir mão de seu direito à restituição, garantido pelo art. 150 §7º, parte final, da Constituição Federal. Em decorrência de sua causa de pedir, o STF posicionou-se no sentido de que o regime de substituição tributária estabelecido no Estado de Alagoas, por meio do Convênio objeto da ADIN nº. 1.851, era um benefício, já que os contribuintes tinham a possibilidade de optar ou não por sua aplicação, de fato, só ocorreria se lhes fosse viável financeiramente. E mais, não fazia parte do benefício concedido, a restituição.
No julgamento da ADIN nº. 1.851-4/AL, o Supremo Tribunal Federal decidiu que uma vez realizada a operação de substituição tributária para frente, não é possível o ajuste do valor cobrado de ICMS, comparando-se o valor presumido da base de cálculo e o valor efetivo da operação.
Decidiu mal ao privilegiar à praticidade em detrimento dos princípios da capacidade contributiva, legalidade, igualdade e justiça tributária. Não foi objetivo da demanda argüir a constitucionalidade da Pauta fiscal.
A matéria ora em exame pelo STF, nos autos das ADIN's nº. 2.675 e 2.777, é diferente da anteriormente abordada, tendo em vista que o regime de substituição tributária é a regra no Estado de PE e SP, que são parte, respectivamente, nas citadas ações.
Estes dispositivos legais, existentes nos referidos Estados, que regulamentam a restituição de tributo recolhido indevidamente e/ou a maior, em razão do ato gerador ocorrer de forma distinta daquele presumido pela legislação.
As normas legais se referem à garantia constitucional dos contribuintes sujeitos ao regime de substituição tributária, e não como opção, mas por império legal de ter restituído o tributo recolhido de forma equivocada, ou porque não realizaram os critérios material, temporal, espacial ou subjetivo, do fato gerador presumido, ocorrendo à devolução do montante integral do tributo pago, concluindo-se que a base de cálculo presumida é distinta daquela que realmente se realizou. É indiscutível o direito à restituição na Constituição Federal e os relatores das referidas ADIN's o reconheceram de modo brilhante. Aos contribuintes só cabe aguardar os votos dos demais Ministros do STF a fim de verificar se a Constituição será realmente resguardada, do modo como deve ser.
É de se observar que três dos Ministros que votaram contra a restituição na ADIN nº. 1.851 já se aposentaram, e que o Ministro Celso de Mello não votou na mencionada ação direta de inconstitucionalidade, e fora dos autos já se manifestou no sentido de que a devolução é de rigor, seja na não ocorrência do fato gerador, ou no excesso de tributação. Com o futuro fim dos julgamentos das ADIN`s nº. 2.777/SP e 2.675/PE, o entendimento do Supremo pode ser modificado, e ao mesmo tempo, julgar a questão da constitucionalidade da pauta fiscal de valores, decidindo pela obrigatoriedade de devolução do valor pago a maior de ICMS, quando se verificar que a obrigação tributária seja de valor inferior ao que foi presumido.
Caso atenda aos princípios constitucionais e julgue pela inconstitucionalidade desta técnica arrecadatória, deverá ainda o Supremo decidir se atribui ou não efeitos ex nunca ao seu posicionamento.
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por WILSON NEVES DE MEDEIROS JÚNIOR
Fonte: Conteúdo Jurídico
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