Mesmo que esteja de licença, o auditor fiscal da Secretaria da Receita Federal não pode prestar serviços de consultoria e assessoramento a empresas para que elas paguem menos tributos. O entendimento foi aplicado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter decisão que condenou dois auditores fiscais da Receita Federal que se associaram em uma empresa de consultoria e assessoramento na área tributária.
Acusados de fazer fortuna com uma prática ilegal, foram condenados com base na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). Com a decisão do colegiado, os servidores ficam obrigados a devolver os valores recebidos de maneira indevida e terão seus direitos políticos suspensos por oito anos, o que impossibilita o exercício de cargos públicos no período. Um deles, licenciado, perde o cargo de auditor fiscal.
Paulo Baltazar Carneiro, servidor aposentado, e Sandro Martins Silva, licenciado para tratar de interesses particulares, eram sócios na Martins Carneiro Consultoria Empresarial. Eles prestavam consultoria tributária e exerciam a defesa de grandes empresas em processos administrativos em trâmite na Receita Federal.
De acordo com o processo, os auditores ocupavam cargos na cúpula da Receita e, em razão disso, conseguiam clientes dispostos a pagar altas quantias pelos seus serviços.
Revezamento na empresa
A estratégia de negócio adotada pelos sócios e firmada em contrato funcionava da seguinte forma: quanto menos as empresas assessoradas pagassem ao Fisco, mais os donos da consultoria receberiam dessas empresas. A atividade durou de 1994 a 2002 e, de acordo com o processo, possibilitou uma grande evolução patrimonial dos dois — o que também foi c
Segundo a sentença condenatória, os sócios se revezavam no exercício da função pública, quer como auditor fiscal, quer como ocupante de cargo em comissão na Receita, mesmo após formarem considerável fortuna com a assessoria tributária. Enquanto um dos sócios atuava na empresa, o outro trabalhava na Receita.
A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que reconheceu que a aposentadoria descaracteriza o vínculo jurídico estabelecido entre a administração e o servidor público, particularmente no que se refere ao regime disciplinar estabelecido na Lei 8.112/90. Entretanto, o TRF-1 afirmou que o servidor licenciado se submete a todos os deveres e proibições previstos no estatuto, pois a licença não interrompe o vínculo com a administração. E o servidor aposentado deveria ser enquadrado pela Lei de Improbidade.
Dever de lealdade
No STJ, a defesa dos servidores alegou que as proibições e deveres previstos na Lei 8.112/1990 somente alcançavam os servidores públicos em exercício.
Entretanto, para o relator do recurso, ministro Humberto Martins, não há como concluir que seja permitido ao auditor fiscal prestar serviços de consultoria e assessoramento a empresas para que elas paguem menos, deixem de pagar tributos ou se favoreçam de alguma forma com os conhecimentos técnicos inerentes ao exercício do cargo, mesmo que o servidor esteja de licença para tratar de assuntos particulares.
O ministro afirmou que a Lei 8.112/1990, em seu artigo 116, estabelece que o servidor tem o dever de ser leal à instituição em que trabalha e de manter conduta compatível com a moralidade administrativa. No artigo 117, proíbe o servidor de se valer do cargo "para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, e de exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho".
Humberto Martins acrescentou que os sócios também não poderiam ignorar os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. O ministro destacou que é pacífico no âmbito dos tribunais superiores o entendimento de que a licença não descaracteriza o vínculo jurídico do servidor com a administração, conforme afirmou a ministra Ellen Gracie, relatora do Recurso Extraordinário 382.389, no Supremo Tribunal Federal.
Segundo o ministro, a licença possui caráter temporário, podendo o servidor assumir o cargo a qualquer tempo, “não estando livre para agir de maneira contrária aos interesses públicos”. Por isso, está sujeito às disposições legais que se aplicam ao cargo, entre elas a Lei 8.112/1990.
O colegiado entendeu ainda que ambos deveriam sofrer as sanções da Lei de Improbidade, pois o sócio aposentado agiu em parceria com servidor da ativa, beneficiando-se de sua conduta ilícita, já que partilhava dos lucros obtidos.
Humberto Martins rebateu a tese da defesa dizendo que a expressão “durante a atividade” não se confunde com “durante o exercício do cargo”. De maneira contrária ao que afirmam os recorrentes, “durante a atividade” diz respeito ao servidor que não se encontra aposentado, ou seja, na inatividade - explicou o relator.
O ministro destacou ainda que todas as conclusões a que chegou o TRF-1 sobre os fatos ocorridos são resultado da análise das provas dos autos, “o que não é passível de revisão em recurso especial, conforme entendimento da súmula 7 do STJ”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.352.448
Fonte: Conjur
Nenhum comentário:
Postar um comentário