Quando chega agosto temos algumas certezas: o clima mais frio, o dia dos advogados, dia dos pais e a elaboração da declaração do nosso Imposto Territorial Rural, que vence em setembro. Embora distintos, esses fatos tem algo em comum: ocorrem independentemente de nossa vontade e são uma certeza constante. Às vezes, aparecem com efeitos mais brandos. Outras com efeitos mais duros.
No caso da cobrança do ITR, os efeitos têm se tornado duríssimo. Há tempos atrás a comparação desse tributo com o patinho feio era incontestável. Entretanto, devido a modificações em sua forma de cobrança, o mesmo passou por forte transformação e agora se assemelha um gavião em busca de contribuintes.
Essa alteração pode ser sentida na “municipalização” do tributo, ocorrida com a Lei 11.250/2005, que permitiu a Receita Federal terceirizar a cobrança do imposto. Na prática, os municípios que firmarem o convênio com a Receita poderão cobrar a referida exação e ficar com o produto de sua arrecadação. Nada contra a prática. Afinal, diante do desinteresse em exercer a competência tributária e dificuldades em apurar o correto valor da terra nua dos imóveis em diversas localidades seria possível cedê-la aos que teriam maior interesse em cuidar disso. Ademais, os municípios já tratam de valor de imóveis urbanos para efeito da cobrança de IPTU. Em tese, só se delegou a competência tributária material e não a legislativa, ou seja, apenas arrecadação e fiscalização.
Se na teoria não há problemas, na prática existem diversos. O primeiro deles é que o IPTU é um tributo com lançamento de ofício, isto é, que a autoridade fiscal procede ao lançamento mediante valores fixos e determinados em processo legislativo e o ITR é imposto com lançamento por homologação — o contribuinte deve atribuir o valor que entende devido ao imóvel. O segundo decorre do primeiro e é a transmutação do critério de lançamento (de homologação para ofício) ao arrepio do processo legal. Na sanha de arrecadar mais, criou-se dois instrumentos de controle de preço de terra nua, sendo um municipal e outro federal, o famoso SIPT. Assim, se a DITR não é elaborada de acordo com a pauta de valores estabelecida por determinado Município, sabe se lá com base em que, o contribuinte será chamado a dar explicações e não as tendo será autuado com base na pauta mencionada. É a verdadeira transformação no critério de lançamento de homologação para ofício, sem norma legal. Existe ainda um terceiro, que é mais grave ainda: o conformismo dos contribuintes a essa questão. Acham que é assim a pronto.
A razão do conformismo tem sua raiz no comodismo. Na prática, funciona assim: uma vez que o valor da terra nua esteja lançado fora da pauta, o contribuinte será chamado a dar explicações e deverá fazer a contra prova por um laudo de avaliação elaborado de acordo coma norma ABNT 14653-3. Tal laudo dá muito trabalho e pode custar muito caro, donde o melhor seria deixar tudo como quer a administração. Assim, por mero reflexo condicionado, se aceita uma prática financeira sem se questionar se é legal.
Nada disso faz sentido. A diferença principal entre o IPTU e o ITR é o tipo de lançamento. Isso porque o lançamento por homologação empresta ao contribuinte o início do lançamento e com ele a presunção de boa fé e legalidade inerente aos atos jurídicos. Em português claro: o lançamento realizado pelo produtor rural pode ser questionado pela administração, mas o ônus da prova do erro é dela.
Não é válido o argumento de que a tabela seria um estudo individualizado e detalhado da situação do imóvel. Trata-se de simples pauta elaborada de forma não clara e específica pela administração. Se a prova de valor efetiva deve ser feita via laudo da ABNT, por força do principio da igualdade deve ser para as duas partes na relação jurídica instaurada com a tributação e o advento da discordância do valor da terra nua. Melhor sorte não possui o SIPT federal, que é feito tendo por base os dados de diversos municípios. Em caso de recursos perante o Carf deveria se proceder a busca da verdade material e não aplicação de tabela.
A inversão do ônus da prova ao arrepio da lei deveria causar revolta nos contribuintes. Tratando de outro imposto com lançamento por homologação, o ICMS, o Superior Tribunal de Justiça editou a sumula 431 que dispôs: “É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”, ou seja, a invocação ao artigo 148 do CTN só é possível quando o sujeito passivo for omisso, reticente ou mendaz em relação ao valor ou preço de bens, direitos e serviços”, (conforme Baleeiro em RTJ, volume 74, págs. 840-842).
Esse não é o único argumento. Entender que a pauta tem validade e o tributo passou a ter outra forma de lançamento implicaria em revogar o artigo 10 da Lei 9393/1996, a lei de regência do ITR, e confirmaria ainda a possibilidade de delegação da competência tributária formal, o que é vedado pelo artigo 153 da Constituição Federal. Assim, já que não podemos evitar os efeitos de agosto, é preciso se preparar para eles. Questionar essa ideia estúpida das pautas é uma boa prática.
por Eduardo Diamantino é advogado e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário
Fonte: Conjur
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