terça-feira, 8 de maio de 2018

Transação tributária: mito ou realidade

É notório que as discussões judiciais no Brasil são lentas. Entre as principais razões está a enorme quantidade de processos que assolam o Poder Judiciário. Segundo números de 2017 divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, os processos de execução fiscal representam 75% entre as execuções do Judiciário e 38% do total de casos pendentes.

Nesse cenário, o desenvolvimento de mecanismos alternativos de solução de controvérsias – a exemplo da conciliação, da mediação, da arbitragem e da transação em matéria tributária – surgem como opções para a melhoria dos índices de litigância. Diz-se "alternativos", porque esses mecanismos de resolução de conflitos se contrapõem ao meio contencioso-judicial.

A utilização de tais recursos vem ganhando cada vez mais força em áreas do direito nas quais, até recentemente, sua aplicação era questionada, a exemplo da área tributária.

A transação tributária poderá ser um divisor de águas nas relações entre as autoridades e os contribuintes

No âmbito tributário, a transação encontra-se prevista no art. 156, III do Código Tributário Nacional (CTN) como uma das formas de extinção do crédito. Três são os pressupostos para a sua realização, que decorrem do disposto no art. 171 do CTN: (i) existência de lei autorizadora; (ii) concessões pelas partes envolvidas; e (iii) terminação do litígio entre Fisco e contribuintes.

Ocorre que, embora a transação esteja prevista na legislação fiscal desde a década de 60, o instituto até hoje não foi regulamentado. A pendência dessa lei regulamentadora, que permitiria sua adoção, por exemplo, no âmbito federal, parece decorrer da polêmica sobre a legitimidade do instituto.

Os detratores argumentam que o instituto encontra obstáculos, principalmente, no princípio da indisponibilidade do interesse público e da legalidade e no conceito de tributo previsto no art. 3º do CTN. Esse entendimento parece equivocado pelas seguintes razões.

O primado de indisponibilidade do interesse público deve ser interpretado em vista de um interesse maior de efetividade da jurisdição, de estabilização das relações jurídicas e interesses gerais da sociedade. Essa perspectiva mais ampla já orientou diversas iniciativas do Estado, a exemplo da possibilidade de conciliação dos entes públicos em Juizados Especiais, a permissão para que os procuradores públicos não apresentem recursos de matérias pacificadas, entre outras. Nesse sentido, a verdadeira perseguição do interesse público levaria justamente à possibilidade de solução alternativa também para a conclusão de litígios tributários.

Diz-se que a transação tributária violaria a legalidade, na medida em que seria necessária também uma lei para dispensar o seu pagamento. O CTN, que previu a transação como forma de extinção do crédito tributário é lei – recepcionada com força de lei complementar. Demais disso, o art. 171, caput, do CTN exige a necessidade de uma outra lei autorizando-a, de onde se conclui não haver violação da legalidade.

O argumento de que a transação tributária seria incompatível com o conceito de tributo baseia-se no fato de que o tributo deve ser cobrado "mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (art. 3º do CTN). A aparente antinomia entre esse dispositivo e o art. 171 do CTN, pode ser resolvida pelo critério da especialidade, prevalecendo esse último, dado o seu caráter especial. De mais a mais, ainda que assim não fosse, poder-se-ia argumentar que isso não impediria a formalização de acordo sem relação a juros e multas, que não estão abrangidos pelo núcleo do art. 3º do CTN.

A transação tributária já é uma realidade em diversos países. A França utiliza o instituto em matéria tributária há vários anos, tendo recentemente ampliado ainda mais o seu escopo. A Itália possui instrumentos bastante semelhantes, entre os quais, o "accertamento con adesione", que permite a participação do contribuinte no procedimento de lançamento tributário. Os Estados Unidos, por sua vez, possuem o instrumento do "offer in compromise", que viabiliza acordo entre autoridades fiscais e contribuintes em situações específicas.

É evidente que a adoção de um meio tão polêmico de solução de controvérsia exigiria a criação e adoção de diversos mecanismos de controle, até mesmo para garantir a observância do interesse público. De toda forma, a transação tributária no Brasil poderá ser um divisor de águas nas relações entre as autoridades tributárias e os contribuintes: de uma relação, até então, de confronto, para uma relação de colaboração, em que as partes fazem concessões recíprocas, em prol da tão almejada segurança das relações jurídicas.

Recentemente, a discussão sobre a possibilidade de transação tributária, ainda um tanto teórica, foi revitalizada. Além da legislação de alguns municípios brasileiros passarem a prever o instituto como mecanismo alternativo de solução de controvérsias, o Projeto de Lei nº 5.082/2009, que disciplina a matéria em âmbito federal, e parado há anos, foi recentemente encaminhado para a apreciação da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Enfim, tudo indica que a transação tributária deixará de ser um mito e passará a ser uma realidade. É esperar para ver.

Diana Piatti de Barros Lobo e Phelippe Toledo Pires de Oliveira são, respectivamente, advogada sênior da área Tributária do Machado, Meyer Advogados, mestre em direito tributário pela Universidade de ParisI Sorbonne e Visiting Scholar pela Universidade de Londres, Queen Mary; procurador da Fazenda Nacional, mestre e doutor em direito tributário pela Universidade de São Paulo e Visiting Scholar pela Universidade de Londres, Queen Mary

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Diana de Barros Lobo e Phelippe Pires de Oliveira

Fonte : Valor

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