Recentemente, a legislação tributária relativa ao setor do petróleo sofreu importantes modificações.
No plano federal, foram editados: a MP 795/17 (posteriormente convertida na Lei 13.586/17), que instituiu o novo Repetro Sped; o Decreto 9.128/17, que prorrogou até 2040 o regime de admissão temporária para bens destinados à atividade de exploração, desenvolvimento e produção de jazidas de petróleo e gás natural; a IN 1.781/17, que regulamenta o Repetro-Sped; a IN 1.778/17, que dispõe sobre o tratamento tributário das atividades de exploração, desenvolvimento e produção; e, por fim, a IN 1.780/17, que trata do pagamento e parcelamento de IRRF em autuações relativas à repartição de contratos de afretamento e prestação de serviços.
O Brasil é o 10º maior produtor de petróleo do mundo e o mais relevante da América Latina, segundo a Agência Internacional de Energia[1].
Em outubro de 2017, a produção de petróleo no Brasil foi de 2,6 milhões de barris por dia; a de gás foi de 115 milhões de m3 por dia. Entre 2005 e 2016, a produção de petróleo e gás no Brasil gerou, somente em participações governamentais (royalties e participação especial), a vultosa quantia de R$ 295 bilhões.
Esses números levaram o setor de petróleo e gás a responder por 13% do PIB brasileiro. São milhares de empregos e bilhões de reais em investimentos, que fazem com que o setor seja de extrema relevância para a economia nacional.
E essa relevância sempre fez com que as atividades de exploração e produção de óleo e gás fossem objeto de tratamento tributário específico, cuja finalidade é a de viabilizar o pleno desenvolvimento desse importante setor econômico.
E quais foram os aspectos relativos ao tratamento tributário-aduaneiro aplicável ao setor?
Historicamente, temos que, em 1987, com fundamento no Regulamento Aduaneiro de 1985, foi editada a Instrução Normativa SRF 136, pela qual determinou-se que o regime de admissão temporária poderia ser aplicado a máquinas, equipamentos e outros bens importados para a execução de contratos firmados por empresas nacionais ou estrangeiras com a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras), e destinados, exclusivamente, a empreendimentos de pesquisa, lavra, refino ou transporte de petróleo bruto e seus derivados, bem como de gases raros de qualquer origem (item 4, I).
Com a abertura do mercado de O&G, promovida pela Emenda Constitucional 9/95 e pela Lei 9.748/97 (Lei do Petróleo), surgiu crescente demanda pela edição de regime aduaneiro especial mais abrangente, que fosse também aplicável às empresas privadas (regime de concessão).
Com esse objetivo e com fundamento no artigo 79, parágrafo único, da Lei 9.430/96, foi editado o Decreto 3.161/99, que instituiu o regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural — o antigo Repetro.
No que se refere à importação de bens de procedência estrangeira, a estrutura básica do antigo Repetro se fundamentava na admissão temporária de bens, com suspensão de tributos federais, que, cumulativamente, atendessem aos seguintes requisitos centrais: (a) fossem destinados às atividades de pesquisa (exploração) e lavra (produção) de petróleo e gás natural e (b) constassem da relação de bens elaborada pela RFB (a última normativa a estabelecer tal lista foi a IN RFB 1.415/13).
No âmbito estadual, no mesmo ano da instituição do Repetro (1999), foi editado o Convênio Confaz 58, que autorizou os estados a desonerar o ICMS incidente no desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas sob regime especial de admissão temporária.
Posteriormente, o Confaz editou o Convênio 130/07, que instituiu o antigo Repetro estadual. A nova norma introduziu isenções e reduções de base de cálculo relativas aos diferentes regimes aduaneiros especiais que compõem o Repetro. Os benefícios criados pelo referido convênio foram os seguintes:
(i) redução da base de cálculo do ICMS sobre a importação em admissão temporária de bens aplicados nas instalações de produção de petróleo e gás, de forma que a carga tributária representasse 3% (sem crédito) ou 7,5% (com crédito);
(ii) isenção ou redução da base de cálculo do ICMS (1,5%) sobre operações de importação em admissão temporária de bens aplicados nas instalações de exploração de petróleo e gás natural;
(iii) isenção ou redução de base de cálculo do ICMS sobre as operações antecedentes à saída destinada a pessoa sediada no exterior de bens e mercadorias fabricados no país que viessem a ser subsequentemente importados; e
(iv) isenção sobre operações de importação em admissão temporária de bens aplicados na exploração de petróleo e gás, desde que fossem (a) equipamentos empregados exclusivamente na fase de exploração, (b) plataformas em trânsito para sofrerem reparos ou manutenção ou (c) equipamentos de uso interligado às fases de exploração e produção que ingressem no território nacional para realizar serviços temporários no país por um prazo de permanência inferior a 24 meses; alternativamente, havia a possibilidade de redução da base de cálculo das operações previstas nos itens (a) e (b) acima, de forma a que a carga tributária fosse equivalente a 1,5% (sem apropriação de créditos).
Como já tive a oportunidade de destacar neste espaço, essas normas geraram inúmeras incertezas e autuações, dentre as quais destaco a falta de definição do conceito de “uso interligado” na legislação regulatória, o que gerou infindáveis discussões sobre o seu exato escopo (se equivaleria à etapa de desenvolvimento ou configuraria bens cumulativamente utilizados nas fases de exploração e produção); e a definição do estado competente para cobrar o ICMS-Importação, se deveria ser aquele onde ocorresse “a utilização econômica” do bem, ou onde situado o destinatário jurídico (como definido pelo STF).
Contudo, após o STF pacificar o entendimento de que o ICMS só poderia incidir nas importações em que houvesse efetiva transferência de propriedade (circulação jurídica) dos bens importados (RE-RG 540.829), e considerando que as importações realizadas no âmbito do Repetro, por serem temporárias, sempre envolviam situações em que tal transferência não ocorria, as autuações existentes caíram por terra. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi editada a Resolução 1.000/16, que determinou a suspensão da lavratura de autos de infração em relação a operações de importação feitas sem transferência de propriedade, por não haver circulação jurídica do bem.
Mais recentemente, em 17/8/2017, foi publicada a MP 795, posteriormente convertida na Lei 13.586/17, que, entre outras disposições, instituiu o Repetro-Sped, no âmbito federal.
Além disso, foi também editado o Decreto 9.128/17, que prorrogou até 2040 o regime de admissão temporária para bens destinados à atividade de exploração, desenvolvimento e produção de jazidas de petróleo e gás natural.
Basicamente, o Repetro-Sped (atualmente regulamentado pela IN RFB 1.781/17) prevê duas principais modalidades de regimes de importação: (i) o regime definitivo de importação, em que há a suspensão total de tributos federais, convertida em completa desoneração após o prazo de cinco anos da data do registro da Declaração de Importação (desde que os bens importados sejam efetivamente aplicados na sua destinação original); e (ii) o regime de admissão temporária para utilização econômica com dispensa do pagamento dos tributos federais proporcionalmente ao tempo de permanência dos bens no território aduaneiro, condicionada ao posterior regular encerramento do regime, por meio da reexportação, destruição do bem, entre outras hipóteses (cf. artigo 376, I, “a”, do Regulamento Aduaneiro).
A RFB elaborou duas listas distintas de bens que podem ser importados sob o Repetro-Sped: (i) bens sujeitos apenas ao regime de importação definitiva (Anexo I da IN RFB 1.781/17); e (ii) bens sujeitos tanto ao regime de importação definitiva quanto ao regime de admissão temporária com suspensão do pagamento dos tributos federais (Anexo II da IN RFB 1.781/17).
Além disso, a IN 1.781/17 regulamenta a aplicação do regime de admissão temporária para utilização econômica com pagamento proporcional dos tributos federais (cf. artigo 373 do Regulamento Aduaneiro) relativamente aos bens destinados à indústria de O&G.
Nota técnica conjunta do ministro da Fazenda e da Secretaria da Receita Federal, datada de 24/11/2017, justificou o novo regime pelo fato de a sistemática anterior ter, a seu ver: (a) incentivado manobras das empresas para importar temporariamente bens que, em realidade, permaneciam de forma definitiva no país, e (b) estimulado empresas a celebrarem contratos de locação de equipamentos junto às suas filiais ou matrizes no exterior, o que lhes permitia deduzir do IRPJ as respectivas despesas, bem como abria espaço para superfaturamento do seu valor, de forma a transferir lucro para o exterior, sem tributá-lo no Brasil.
Aliado a essas justificativas havia, também, o fato de que os estados precisavam de um modelo jurídico que fundamentasse a tributação dessas importações, ainda que de forma reduzida, em razão de incentivos fiscais concedidos. E isso só seria possível mediante a atribuição de definitividade às importações realizadas no novo regime. Dessa forma, não mais se estaria naquele cenário de ausência de transferência da propriedade dos bens importados, considerada imprescindível pelo STF para a incidência do ICMS, e os estados poderiam voltar a estabelecer validamente incentivos fiscais para o setor.
Isso veio a ocorrer por meio da edição do Convênio 03/2018, pelo qual se estabeleceu:
(i) a redução de base de cálculo do ICMS nas importações definitivas realizadas no âmbito do Repetro-Sped, de forma que a carga tributária seja equivalente a 3% (sem créditos);
(ii) a isenção do ICMS na importação de bens em regime de admissão temporária (isenção essa que sequer seria necessária, tendo em vista a já citada jurisprudência consolidada do STF);
(iii) a isenção do ICMS nas exportações fictas e operações internas anteriores;
(iv) a manutenção da regra pela qual o ICMS é devido à unidade federada em que ocorrer a utilização econômica do bem ou mercadoria (norma essa de constitucionalidade duvidosa, como já tivemos oportunidade de demonstrar neste espaço);
(v) a lista das pessoas jurídicas que podem se beneficiar das regras dispostas no convênio (concessionárias, prestadoras de serviço etc.);
(vi) que a aplicação do Repetro estadual depende (a) da desoneração de tributos em âmbito federal e (b) da adoção do sistema Sped de escrituração;
(vii) o reconhecimento de que a transferência de beneficiário do regime “não caracteriza fato gerador do ICMS” (como já tive a oportunidade de demonstrar neste espaço); e
(viii) a migração neutra do Repetro para o Repetro-Sped, desde que tenha havido pagamento do ICMS e o contribuinte desista de eventuais ações de repetição de indébito.
Os resultados econômicos favoráveis do setor de O&G no Brasil, demonstrados no início desta coluna, são apenas parte do que poderá vir a ocorrer nos anos vindouros.
De fato, consolidada a retomada do setor com as quatro rodadas realizadas em 2017, outras quatro rodadas já foram aprovadas para os anos de 2018 e 2019, além do início da oferta permanente. Esses fatores, aliados ao Plano de Desinvestimento da Petrobras, que gerará a disponibilização de áreas a serem exploradas, farão com que o setor se torne muito atrativo a novos investimentos. Levados em consideração os contratos vigentes e os novos contratos, estima-se que sejam de R$ 845 bilhões os investimentos destinados a projetos de desenvolvimento e produção nos próximos dez anos.
É um grande momento do setor de O&G desde a sua abertura, em 1997, que gerará oportunidades de investimentos seja para a fase de exploração, seja para a de produção.
Por essa razão, imperioso será que as normas tributárias aplicáveis ao setor estejam definidas de maneira suficientemente clara, de forma a proporcionar segurança jurídica a esses investidores.
Oportunamente, abordarei nesta coluna alguns aspectos dessa nova legislação que merecem ser analisados de forma mais aprofundada pelos legisladores, contribuintes e autoridades fiscais, de modo a que esta tão almejada segurança jurídica não seja comprometida.
[1] Todas as informações regulatórias e setoriais mencionadas nesta coluna foram retiradas do relatório divulgado pela Agência Nacional do Petróleo em janeiro de 2018 (http://www.anp.gov.br/wwwanp/images/publicacoes/Livreto_Upstream_2018-P.pdf).
Gustavo Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados; presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); membro do Comitê Executivo da International Fiscal Association (IFA); presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro (BRITCHAM-RJ); conselheiro da OAB-RJ; diretor de Relações Internacionais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa); diretor da Federação das Câmaras de Comércio do Exterior (FCCE); e professor em cursos de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas.
Fonte: Conjur
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