Uma das mais visíveis consequências da adoção, entre nós, das normas internacionais de contabilidade foi o aumento significativo do uso de estimativas para mensuração de ativos e passivos com repercussões nos grupos representativos de receitas, despesas e patrimônio líquido. As diversas normas contábeis que dispõem sobre as estimativas devem ser compreendidas e aplicadas em consonância com a finalidade institucional da contabilidade, que é a produção e divulgação de informação contábil relevante que seja útil e fidedigna.
As normas contábeis vigentes no Brasil exigem o uso de estimativas contábeis, logo, não há contabilidade sem estimativas. O enunciado do item 07 da Resolução CFC 1.223/09 afirma que estimativa contábil é a “aproximação de um valor monetário na ausência de um meio de mensuração preciso”. Estimar é o mesmo que avaliar ou mensurar; na seara contábil, fazer estimativa é percorrer um processo cuja última etapa implica na atribuição de um valor a ser utilizado nos registros contábeis nos casos em que não é possível a determinação de um valor específico e objetivo de acordo com as provas dos fatos contábeis e, ainda, nos casos em que as normas desprezam o valor objetivo e impõem a estimação, como ocorre nos casos em que se deva adotar o valor justo e outros critérios de mensuração que exijam o emprego de estimativas.
O uso de estimativas não é incompatível com a finalidade institucional das normas contábeis, que é a produção de informação útil que possa ser considerada uma representação fidedigna do patrimônio de uma entidade. De acordo com o item OB11 do Pronunciamento Técnico CPC 00 (que aprova a Estrutura Conceitual), “em larga extensão os relatórios contábil-financeiros são baseados em estimativas, julgamentos e modelos e não em descrições ou retratos exatos”. O item 33 do Pronunciamento CPC 23 afirma: “o uso de estimativas razoáveis é parte essencial da elaboração de demonstrações contábeis e não reduz sua confiabilidade”.
As estimativas integram os processos de mensuração tanto para o reconhecimento de certos elementos patrimoniais (o registro inicial) quanto para determinar eventuais ajustes nos valores contábeis, na data das demonstrações financeiras. Elas são instrumentos para avaliação dos fluxos de caixa associados aos diversos ativos e passivos e por isso existem diversos métodos de fazê-las. O item 32 do citado Pronunciamento CPC 23 apresenta um rol exemplificativo das hipóteses em que as mensurações são feitas com base em estimativas, a saber: (a) créditos de liquidação duvidosa; (b) obsolescência de estoque; (c) valor justo de ativos financeiros ou passivos financeiros; (d) vida útil de ativos depreciáveis ou o padrão esperado de consumo dos futuros benefícios econômicos incorporados nesses ativos; e (e) obrigações decorrentes de garantias. Também são feitas com base em estimativas as mensurações do valor recuperável de ativos, do valor realizável líquido de estoques, das provisões, das receitas decorrentes de contratos com clientes etc.
O processo de estimação, de um modo geral, envolve julgamentos e, em maior ou menor grau, o emprego de técnicas estatísticas ou matemáticas usualmente utilizadas nas ciências das finanças. Em geral, toda avaliação se faz por comparação ou projeção. Assim, por exemplo, a avaliação com base em comparação é a técnica mais apropriada para determinar o valor justo de bens para os quais há um mercado real e ativo. As projeções, por outro lado, se baseiam na probabilidade da ocorrência de eventos futuros ou cenários econômicos desenhados com a utilização de fórmulas cujos ingredientes são as premissas e os direcionadores (drivers), que podem variar de avaliador para avaliador e em razão da natureza do objeto da avaliação.
Em qualquer caso, as estimativas devem ser razoáveis, de modo que a entidade deve perseguir – em face do disposto no item 37 do Pronunciamento Técnico CPC 25 – a melhor estimativa, ou seja, aquela que possa ser reputada racional ou justificável segundo a natureza do elemento patrimonial cujo valor estiver sendo mensurado e tendo em conta os riscos e incertezas associados a cada elemento ou conjunto de elementos. De acordo com o item 77 do Pronunciamento Técnico CPC 46, toda mensuração deve adotar as melhores evidências existentes em cada caso, ou seja, a administração e os profissionais de contabilidade devem diligenciar para obter a maior gama possível de informações antes de iniciar o processo de mensuração.
Em princípio, toda avaliação é um processo que se desenvolve na incerteza e, por isso, nem sempre é apropriado formular juízos baseados no que é certo ou errado. O risco é inerente a qualquer espécie de avaliação. Mesmo no caso em que a mensuração se faz por comparação por intermédio de consultas a bases de dados existentes em mercados ativos, o avaliador não pode garantir que o resultado da avaliação (o desfecho cogitado ou esperado) irá se confirmar no futuro. Os especialistas em avaliação fazem questão de deixar claro que todo e qualquer processo de avaliação só conduz a estimativas, de modo que os resultados apontam sempre para o valor potencial e, portanto, não podem ser considerados como uma predição segura sobre futuro. Nenhum método de avaliação é capaz de eliminar por completo as incertezas, já que elas decorrem de fatores externos, como as estimativas formadas no mercado e na economia em geral, e, por essa razão, não são passíveis de controle ou administração. Nem mesmo o emprego de métodos conhecidos e testados torna as avaliações infalíveis, afinal, de um modo geral, as metodologias de avaliação conhecidas e praticadas estão envoltas em um sem-número de variáveis que podem ser escolhidas, desprezadas ou manipuladas, ao alvedrio do avaliador que goza de certa discricionariedade técnica. Pelas razões expostas, resulta claro que as mensurações devem ser revistas sempre que novas informações surjam e ocorram mudanças no cenário econômico que sejam capazes de mudar os montantes dos fluxos de caixa associados aos elementos patrimoniais objeto da mensuração.
Para evitar avaliações inadequadas ou erradas, os produtos – as estimativas em si – devem ser verificáveis (auditáveis) na forma do disposto no item 03 do Pronunciamento Técnico CPC 12. Em qualquer circunstância, o compromisso dos avaliadores, dos profissionais de contabilidade e dos administradores das entidades é com a utilidade da informação; sem ser útil, uma informação não produz a representação fidedigna. Em conclusão, parece certo que o emprego de estimativas na mensuração de elementos patrimoniais não colide com a ideia de representação fidedigna se, e somente se, as estimativas: (a) forem feitas com base nas melhores evidências existentes; (b) forem feitas com base em critérios técnicos aceitos na comunidade e apropriados; (c) forem conduzidas por avaliadores idôneos (técnica e moralmente); e, (d) levarem em conta os riscos e as incertezas presentes em cada caso. Enfim, nenhuma mensuração – a despeito das incertezas e limitações que lhes são inerentes – pode ser feita com uma “conta de chegada”.
EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO
É advogado formado pelo Mackenzie e sócio na Andrade e Ramalho – Advogados Associados. Possui mestrado em Direito do Estado pela PUC-SP e doutorado em Direito Tributário pela mesma instituição. Membro do Conselho Científico da APET (Associação Paulista de Estudos Tributários), é autor dos livros Imposto de renda das empresas e Direito penal tributário, publicados pelo GEN | Atlas.
Fonte: Gennegociosegestao.com.br/
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