Quando da instituição do regime não-cumulativo para Contribuição aos Programas de Integração Social – PIS, com a Lei nº 10.637/02 e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, pela Lei nº 10.833/03, certamente não se imaginaria que, passados mais de quinze anos, a regra básica para efetividade de tal regime, qual seja, o conceito de insumos para fins de dedução de créditos, ainda pudesse estar gerando acalorados debates entre os operadores do Direito Tributário.
Não há como negar que tal controvérsia teve como ponto inicial as disposições da Instrução Normativa nº 404, de 12 de março de 2004 que, ignorando as características da hipótese de incidência de tais contribuições, simplesmente encampou o conceito de insumos destinado ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e o transportou para a sistemática não-cumulativa do PIS e COFINS.
Tal conceito adotado pela IN/SRF 404/04, similar àquele verificado na legislação do IPI, acabou por ignorar por completo que a hipótese de incidência do PIS e da COFINS não se dá em relação à produção ou saída de bens industrializados, mas sim em relação à receita auferida a partir das vendas de bens e serviços. Ou seja, na linha do defendido por diversos contribuintes, a mera transferência do conceito de insumos disponível na legislação do IPI para a sistemática não-cumulativa do PIS e da COFINS não se mostraria a técnica mais adequada, pois ficaria muito aquém da necessidade de se compensar os custos e despesas incorridos pelos contribuintes contra a receita auferida (hipótese de incidência), frustrando assim a eficácia da sistemática instituída pelas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, na medida em que imaginava-se que a majoração da alíquota de tais contribuições quando da edição de tais leis seria mitigada com a técnica da não-cumulatividade.
Assim, ao admitir o crédito apenas em relação a alguns bens que fossem consumidos (desgaste físico mediante contato com o produto em fabricação) durante o processo de produção como determina a IN/SRF 404/04, evidentemente que a não-cumulatividade restaria esvaziada, pois a hipótese de incidência de tais contribuições teria uma abrangência muito superior àquela autorizativa da apropriação de créditos de PIS e COFINS.
Justamente por conta desta evidente violação à não-cumulatividade, cuja previsão de instituição sobre as contribuições sociais em comento encontra suporte no plano constitucional (art. 195, §12 da CF/88), é que a própria Receita Federal do Brasil – RFB, talvez provocada por diversas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, embora sem alterar a redação da IN 404/04, acabou por flexibilizar o conceito de insumos para fins de PIS e COFINS, de modo a estabelecer que podem ser considerados insumos aqueles bens e serviços que tenham relação direta com o bem ou serviços a ser disponibilizado aos clientes, mas sem a obrigatoriedade que tais bens sejam agregados ao produtos final. Em assim sendo, despesas com peças e partes de reposição de máquinas empregadas no processo produtivo, por exemplo, foram admitidas com passíveis de gerar créditos de PIS e COFINS sob o conceito de insumos, conforme decidido na Solução de Divergência COSIT nº 7/2016.
Pois bem, feito este breve resumo sobre a controvérsia envolvendo o conceito de insumos no âmbito da legislação do PIS e da COFINS, nos parece relevante destacar decisão recentemente proferida por turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, que, aparentemente, recuou na tendência de flexibilização do conceito de insumos ao decidir, por maioria de votos, dar provimento a recurso especial interposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional e estabelecer que “considera-se como insumo, para fins de registro de créditos básicos (…), aquele (bem ou serviço) que tem relação direta e imediata com o bem em produção ou o serviços em prestação, na medida em que a lei exige que o bem ou serviço seja aplicado e consumido diretamente no processo produtivo do bem destinado à venda ou no serviço prestado, dependendo, para sua identificação, das especificidades de cada processo produtivo”. (Acórdão nº 9303-006.107).
O acórdão em referência acabou por reformar decisão proferida por turma do CARF que havia reconhecido o direito da Contribuinte, empresa do setor do agronegócio (laticínios, aves e suínos, especialmente), a apropriar créditos de PIS e COFINS em relação a “todo custo, despesa ou encargo comprovadamente incorrido na prestação de serviços ou na produção ou fabricação de produto destinado à venda, e que tenha relação com as receitas tributadas(…) e cuja subtração implica em substancial perda da qualidade ou serviço daí resultantes”.
Conforme se apura a partir do relatório, o acórdão do CARF desafiado por recurso especial fundamentou o direito ao crédito de PIS e COFINS considerando os custos e despesas incorridos na produção de bens e serviços cuja eventual subtração pudesse causar prejuízo significativo à produção. Assim, nota-se que o acórdão recorrido passou ao largo do entendimento de que conceito de insumo deveria corresponder apenas àqueles bens e serviços consumidos durante o processo de produção, mas sim que a análise de tal conceito deveria ser dar em relação à essencialidade de tal custo e despesa para produção dos bens ou serviços que gerassem receitas tributáveis pelo PIS e COFINS.
Ao analisar o recurso especial da Fazenda Nacional, calcado no argumento de que a dedução de créditos de PIS e COFINS no regime não-cumulativo é taxativa a partir dos comandos legais e infralegais aplicáveis, ou seja, aqueles que demandam que o bem deve sofrer desgaste por ação sobre o bem produzido, o relator do acórdão ora em discussão logo tratou de afastar tal raciocínio ao esclarecer que “o conceito de insumo advindo da legislação do IPI não é legitimamente aplicável ao PIS/PASEP e à COFINS”.
Entretanto, também destacou o conselheiro-relator que o conceito de insumos calcado a partir da essencialidade do bem, essencialidade esta vislumbrada na “pertinência entre os bens e serviços adquiridos e atividade desenvolvida pela pessoa jurídica”, também não seria a linha interpretativa mais adequada a seguir, não obstante ter reconhecido tratar-se de “uma interpretação bastante tentadora do ponto de vista lógico”.
Nesta toada, seguindo uma linha interpretativa alternativa, pois tal argumentação não foi levantada no recurso especial, situação esta que poderia suscitar algum questionamento sob o ponto de vista processual quanto à liberdade do julgador de inovar na argumentação trazida pelas partes, o relator tratou de afirmar que a “legislação do PIS/COFINS traz uma espécie de numerus clausus em relação aos bens e serviços considerados como insumos para fins de creditamento”, pois “fosse atingir todos os gastos essenciais à obtenção de receita não necessitaria a lei ter sido elaborada com tanto detalhamento, bastava um único artigo ou inciso”.
Ao tomar tal rumo, em seu voto o relator estabeleceu que o conceito de insumos dede ver compreendido a partir de uma relação “direta e imediata entre esses e o bem em produção ou serviço em prestação”, pois no seu entender os comandos normativos existentes demandam que o bem ou serviço seja aplicado “diretamente no processo produtivo”, razão pela qual não haveria que se aplicar o conceito de insumos aos bens ou serviços relativos às etapas pré ou pós produção.
Ao estabelecer tal critério para definição do conceito de insumos, foram analisadas uma a uma as despesas cuja dedução de créditos de PIS e COFINS foi questionada. Considerando o critério estabelecido (bens ou serviços aplicados diretamente no processo de produção, com a exclusão de atividades pré ou pós-produção), as situações fáticas envolvidas e, ainda, o objeto social da Contribuinte litigante, a corrente vencedora fixou as seguintes conclusões:
i. a industrialização realizada por terceiros durante o processo de produção de produtos lácteos se enquadra no conceito de insumos, pois trata-se de atividade realizada durante a produção;
ii. as embalagens de transporte não se caracterizam como insumos, na medida em que as despesas com tais bens são incorridas após a conclusão do processo produtivo;
iii. os fretes incorridos na aquisição de insumos geram despesas passíveis de dedução de créditos, pois relacionado diretamente à atividade de produção, inclusive os fretes na movimentação de insumos entre estabelecimentos;
iv. a aquisição de pallets não gera o direito à dedução de créditos de PIS e COFINS, pois trata-se de bens utilizados em etapa pós-produção. De igual maneira, as despesas com reparação de pallets também não ensejariam a dedução de créditos;
v. as despesas com serviços de operadores logísticos também não gerariam direito a créditos de PIS e COFINS, pois seriam atividades incorridas em etapas pré ou pós atividades de produção (separação de caixas de produtos, descarregamento de caminhões, etc.);
vi. despesas com análise laboratoriais seriam passíveis de crédito de PIS e COFINS, pois incorridas durante o processo produtivo e necessárias para avaliar a conservação e qualidade dos produtos alimentícios produzidos; e, por fim
vii. as despesas com tintas para carimbo autorizariam a dedução de créditos de PIS e COFINS, pois restou configurado que os carimbos são apostos nas embalagens dos produtos do contribuinte durante a parte final do processo de produção.
Nota-se que a turma da CSRF acolheu uma interpretação que leva em consideração uma análise caso a caso, tendência esta já consolidada, tanto no âmbito administrativo, quanto judicial. Entretanto, e aqui a novidade, ao invés de destacar a essencialidade do custo e despesa em relação à receita tributada apurada pelo contribuinte, o acórdão em comento tratou de fixar que apenas aqueles dispêndios que tenham relação direta e imediata com a atividade produtiva, ou seja, apenas aqueles incorridos durante a produção, nada antes, nada depois.
Nos parece que as conclusões acima consolidadas no acórdão ora em análise mostram-se de extrema importância para fins de direcionamento da infindável discussão acerca dos critérios que definem o conceito de insumos para fins de PIS e COFINS, especialmente por tratar-se de decisão bastante recente (Dezembro/2017) e o fato de ainda estar pendente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em relação a este tema no REsp nº 1.221.170/PR, objeto de análise naquela corte sob o regime de recursos repetitivos.
Considerando o cenário colocado, resta agora esperar como as turmas do CARF e CSRF se posicionarão de agora em diante em relação a temática, a fim de verificar se o entendimento exposto no julgado ora comentado, de fato, ditará a tendência dos milhares de casos ainda pendentes de julgamento nesta importante corte administrativa.
Fonte Oficial: JOTA.
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