Bastante comemorada como um dos grandes instrumentos do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a tutela de evidência parece permanecer uma figura estranha aos magistrados após um ano de sua entrada em vigor
A tutela de evidência, como o próprio nome sugere, refere-se aos direitos evidentes, muito bem definidos por Luiz Fux como aqueles nos quais há mais do que o "fumus boni iuris", mas verdadeira probabilidade de certeza do direito alegado.
A Fazenda Pública não pode ser imune aos institutos legais existentes, sob pena de violação ao princípio da isonomia
Tal dispensa está expressa no próprio caput do artigo 311 do CPC e é fruto do entendimento de que a resposta do Poder Judiciário, para que seja efetiva, deve ser rápida também quando for evidente o direito que se busca ver reconhecido, e não apenas quando há perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
São quatro as hipóteses que fundamentam a concessão de tutela de evidência, segundo o CPC: I – abuso do direito de defesa ou manifesto protelatório da parte; II – tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, cujas alegações de fato possam ser documentalmente comprovadas; III – pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito; IV – existência de prova documental suficiente dos fatos, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
O parágrafo único do artigo 311 dispõe que, nas hipóteses II e III, o juiz poderá conceder a tutela de evidência liminarmente, ou seja, antes de manifestação do réu. Além disso, fica clara a importância da comprovação documental para a caracterização do direito evidente. O juiz precisa ser capaz de aduzir os fatos narrados e comprovados documentalmente ao direito evidente em discussão.
No âmbito do direito tributário, a prática tem revelado que, mesmo quando presente um dos requisitos, os magistrados têm sido reticentes na aplicação do instituto. Nessa prática, os pleitos por concessão de tutela de evidência estão, normalmente, fundamentados no inciso II (existência de súmula vinculante ou julgamento em sede de repetitivo pelos tribunais superiores).
Neste primeiro ano de vigência do CPC, não tem sido incomum decisões proferidas no sentido de indeferir pedidos de antecipação dos efeitos da tutela fundamentados em evidência com base no entendimento de não estar presente periculum in mora a justificar o provimento. Quer parecer que essas decisões estão sendo proferidas sem que seja dada a devida atenção ao caput do artigo 311 do CPC.
A nosso ver, o argumento de que o prejuízo financeiro não pode ser considerado como periculum in mora, bastante recorrente nos casos de indeferimento de tutela provisória em face da Fazenda Pública, já não pode mais ser utilizado como razão de decidir quando o pedido de tutela se fundamenta em evidência. Até mesmo porque o CPC trouxe toda uma nova perspectiva sobre efetiva fundamentação das decisões judiciais (especialmente, artigo 489, parágrafo 1º), de modo que o pedido de tutela feito com base em evidência deve, ao menos, ser devidamente enfrentado.
É preciso que se internalize nas mentes dos advogados e julgadores que o artigo 311, II, do CPC exige apenas dois requisitos para a concessão da tutela por evidência (requerida com base em precedentes já firmados sobre o assunto em discussão), quais sejam: que a matéria tenha sido firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; e que as alegações de fato sejam comprovadas documentalmente, não sendo necessária a comprovação do periculum in mora como antecipado. Nada mais.
Sabe-se que a Fazenda Pública goza de diversas prerrogativas em juízo, o que, sem dúvida, tem toda uma lógica social que não se pretende questionar. Entretanto, entendemos que a Fazenda Pública não pode ser imune aos institutos legais existentes, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
No mais, a tutela provisória produz efeitos imediatos, ao passo que a sentença está, em regra, sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição. Há, pois, algum risco de que a sentença favorável de declaração de inexistência de relação jurídico tributária, envolvendo direito evidente apenas produza efeitos a partir do trânsito em julgado.
A tutela de evidência veio para dar mais efetividade ao processo, no bojo de diversas outras disposições do CPC que visam assegurar que litigantes com o mesmo direito não se encontrem em situações diferentes (a própria demora em se obter um provimento judicial já representa um dano ao litigante). Definitivamente, o instituto merece mais atenção e prestígio por parte dos magistrados que enfrentam questões tributárias.
Bruno Renaux e Rachel Delvecchio são associados da área tributária do Tauil & Chequer Advogados Associados
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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