Tem sido uma tônica frequente a disputa judicial de teses entre contribuintes e Fiscos há muitos anos. Estrangeiros que tomam conhecimento disso estranham, pois em países de primeiro mundo não há esse volume e variedade de conflitos tributários.
Quais as causas disso e como poderia ser evitado?
Representantes fazendários preferem forçar a redação e interpretação das leis a seu favor, em detrimento dos contribuintes, para que haja maior arrecadação num primeiro momento, mesmo que tenham a enfrentar contestações posteriores.
Partem do princípio que muitos não litigam e depois não pedem de volta se o Fisco perder.
Vejamos o exemplo do recente julgamento do PIS/Cofins sobre ICMS.
Quando as leis do PIS/Cofins foram elaboradas já se conhecia o conflito da incidência ou não delas sobre outros tributos incluídos no faturamento, como ICMS e ISS.
Representantes fazendários preferem forçar a redação e interpretação das leis a seu favor
Bastava ter excluído todos os tributos da base de cálculo e aumentado as alíquotas, e não haveria mais contencioso. Isso foi feito quando o Judiciário decidiu que essas contribuições não incidiriam sobre ICMS na importação, passando-se a alíquota para 11,5%.
Por que não se antecipou para sanar o conflito e se mudou a lei para retirar o ICMS/ISS da base e aumentar a alíquota nas vendas?
Não se pode esperar que o Legislativo tenha essa iniciativa, pois não é especializado. Os projetos de leis ou MP’s que se convertem em leis partem do Executivo, das Receitas e Fazendas Públicas.
Se a "cultura fiscal" mudar para eliminar das leis tudo que pode gerar controvérsias de monta, teremos apenas contenciosos pontuais, como foi a imunidade tributária dos livros eletrônicos.
Outros exemplos:
A amortização do ágio milita nas notícias de jornais especializados quase toda semana. Há julgados sobre o ágio interno, sobre empresas-veículo que foram criadas após a compra e outros.
Quando a Lei nº 9.532 foi redigida houve um total descuido técnico. Pretendesse o legislador excluir do ágio as partes relacionadas, bastava mencionar expressamente, como foi feito na atual Lei nº 12.973. Na previsão de permitir a dedução de ágio, mesmo quando o comprador se utiliza de empresa-veiculo, por que não incluir a frase: desde que utilizada para a aquisição do investimento?
São curtas expressões que fazem toda a diferença e espancam as brechas de futuros contenciosos.
A norma antielisiva do CTN, introduzida em 2001 pela LC nº 104, depois de 16 anos ainda é letra morta.
Sua introdução foi forçada pela Receita Federal e tolerada pelo Legislativo por descuido, pois um país que tem o princípio da estrita legalidade tributária na sua Constituição não pode ter norma antielisiva aberta, como foi estabelecida.
Prova disso é que o Executivo já tentou emplacar várias leis ordinárias para regulamentá-la, sem sucesso.
No início da vigência a Receita tentou emplacar autuações de abusos de forma com base somente nessa lei, mas houve julgados do Carf contrários a essa pretensão. A partir daí os autos de infração citam o CTN, mas o completam com a base legal explicita, que supostamente foi infringida por abuso de direito ou falta de propósito especifico.
Trata-se de letra morta, que só não desencadeou litígios judiciais de maior monta porque foi abandonada pelo Fisco.
A imunidade tributária das entidades beneficentes também gerou inúmeros processos judiciais, em virtude da teimosia dos representantes fiscais de todas as esferas em cobrar tributos com base em leis ordinárias que pretendiam "regulamentar" a imunidade.
Ocorre que a Constituição é clara quando exige lei complementar para essa função!
Com a facilidade que há hoje em fazer leis complementares, porque não se evitou esse conflito e simplesmente se regularam as condições da imunidade diretamente no CTN, ao lado daquelas que reclamam não distribuir lucros, não remunerar dirigentes etc.?
E agora se cria uma situação constrangedora: as entidades que cumpriram a exigência de alocação de recursos beneficentes para cumprir a lei ordinária se sentem "idiotas", diante daquelas que contestaram e nada doaram…
O Estado de São Paulo insistiu em cobrar juros de mercado para tributos estaduais em atraso, quando o STF já tinha decidido que o CTN é soberano para fixar juros tributários em todos os escalões.
Insistiu para arrecadar daqueles que não contestaram, puro oportunismo imoral, que obrigou várias empresas a se socorrerem ao Judiciário para não pagarem juros extorsivos.
Mas também temos exemplos onde a correção legislativa serviu para eliminar os conflitos judiciais, demonstrando como isso é possível, quando se tem vontade política.
Durante um período pretérito houve uma briga seria entre prefeituras sobre o ISS de serviços praticados fora do estabelecimento do contribuinte.
O município da sede tinha direito ao ISS e aquele onde o serviço era materialmente prestado também reivindicava o imposto (segurança e limpeza de imóveis, por exemplo).
A Lei Complementar do ISS foi oportunamente alterada para incluir uma lista de serviços onde ficava definido que o município do local do serviço tinha prevalência. Discussão encerrada!
Os italianos têm um ditado antigo, bem a propósito: "fatta la legge, trovato l’inganno! "
Quando o executor e o legislador detectam uma anomalia legal que pode desencadear inúmeros litígios tributários, redundando em riscos, provisões, depósitos judiciais, contingências representadas por futuras restituições ou compensações, melhor é apressar a correção da lei e estancar essas consequências, em benefício da estabilidade nas relações entre Fisco e contribuintes.
Plinio J. Marafon é advogado e mestre em direito tributário pela USP
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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