A Lei nº 6.019/74 acaba de ser alterada pela Lei 13.429/17, sancionada em 31/03/17.
Pela nova redação, a Lei nº 6.019/74 passa a regular tanto o trabalho temporário como a terceirização de serviços em geral. Logo, autoriza dois tipos de terceirização[1] de serviços:
1ª – Terceirização do trabalho temporário;
2ª – Terceirização em geral.
O primeiro tipo é praticado pela empresa de trabalho temporário, como já estava previsto na Lei nº 6.019/74, e o segundo, pela primeira vez regulado em lei, pela empresa de prestação de serviços.
Para a empresa de trabalho temporário tivemos as seguintes mudanças em relação ao texto anterior.
- Agora também pode ser terceirizado trabalho rural, o que é nefasto para esse tipo de trabalhador, tão explorado;
- A lei deixa clara a possibilidade de terceirizar também atividade-fim, o que já era admitido pela maior parte da doutrina, mas limitada pelo Ministério do Trabalho, que vinha autuando as empresas que o faziam;
- O prazo deixa de ser de 3 meses, prorrogáveis por mais 3 ou 6 meses dependendo da hipótese, para ser de 180 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, totalizando 270 dias (cerca de 9 meses). Na prática, mudou A possibilidade de prorrogação do prazo máximo por norma coletiva foi vetada pelo Presidente da República.
- Foi vetada a possibilidade de pagamento direto do FGTS para os contratos de curta duração (até 30 dias), mantendo-se a obrigatoriedade de depósito do FGTS na conta vinculado do empregado.
- Foi proibida a contratação de trabalhador temporário para substituição de trabalhadores em greve. Boa medida, pois não impede o movimento grevista;
- Tomadora é pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada. Logo, não pode a pessoa natural terceirizar
- Fixa,expressamente, a responsabilidade subsidiária do tomador, medida que já vinha sendo adotada pela jurisprudência, espelhada pela Súmula 331 do TST;
- A tomadora estenderá ao trabalhador da empresa de trabalho temporário o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante ou local por ela Ótima medida, pois diminui a desigualdade entre o trabalhador temporário e os empregados da tomadora.
- O contrato de experiência não se aplica ao trabalhador temporário contratado pela tomadora de serviços. Ótima medida, pois se o contratou significa que gostou do seu serviço enquanto era terceirizado temporário.
- O trabalhador temporário que cumprir o período máximo de 270 dias somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços em novo contrato temporário após noventa dias do término do contrato Isso quer dizer que se o período for menor ele poderá ser várias vezes recontratado para trabalhar no mesmo tomador. Seria uma permissão indireta a sucessivos contratos a termo com o mesmo tomador em desrespeito ao art.452 da CLT até que se complete o tempo máximo de 270 dias?
Pecou o projeto por não equiparar os direitos normativos do trabalhador terceirizado aos dos empregados da categoria do tomador, garantindo o enquadramento sindical igual ao dos empregados do tomador dos serviços. A jurisprudência vem avançando nesse sentido (OJ 383 da SDI-1 do TST).
Estranhamente foi vetado o artigo que garantia ao trabalhador temporário remuneração equivalente à dos empregados do tomador, regra que vigorava no artigo 12 do texto anterior da Lei 6.019/74. Tal veto pode gerar dupla interpretação: 1ª – que a empresa de trabalho temporário pode pagar qualquer valor, sem direito à isonomia sequer salarial aos empregados do tomador; 2ª – Que foi vetado porque a isonomia não se limita à remuneração, mas também a todos os direitos normativos e benesses concedidas aos empregados do tomador. Sem dúvida os empresários optarão pela primeira posição, precarizando ainda mais o trabalho através da terceirização.
Continuam as exigências de contrato escrito entre a tomadora e cliente com especificação dos motivos da contratação e outros detalhes e entre o trabalhador temporário e a empresa temporária, bem como a necessidade de registro da empresa temporária no Ministério do Trabalho, e de nulidade de cláusula de reserva.
Para a terceirização praticada pela empresa de prestação de serviços (terceirização em geral)
- Esta nova modalidade está regulamentada nos artigos 4º-A e 5º-A da Lei nº 019/74 e regula a terceirização em geral.
- Apenas pessoa jurídica pode terceirizar trabalhadores.
- A empresa prestadora de serviços deverá prestar serviços “determinados e específicos” à contratante. Não se sabe o que esperar da interpretação dessas duas expressões vagas. Alguns vão defender que aí está a autorização para terceirizar atividade-fim, desde que especificado, definido, fixado o tipo de serviço no contrato. Outros, vão afirmar que aí está a previsão do contrato a termo, pois serviço determinado é o mesmo que serviço certo, previsível. Aliás, o 443, §1º, da CLT, conceitua o contrato determinado como aquele celebrado para execução de serviço especificado ou realização de certo acontecimento. Logo, equipara-se a evento certo, determinado. Há, ainda, aqueles que não vislumbram na lei a exigência de contrato determinado, mas interpretam que esta não autorizou a terceirização em atividade-fim, pois não foi expressa nesse sentido.
Muitas controvérsias e interpretações divergentes surgirão.
Interpreto que o legislador não autorizou a terceirização geral para as atividades-fim da empresa, mas tão somente para as atividades-meio desta, pois, quando quis ser expresso na autorização de terceirização de atividade-fim, o fez, como foi o caso do trabalho temporário. O ideal seria que estas só ocorressem por prazo certo, com fim específico, dando um sentido lógico para a inclusão dos artigos 4º-A e 5-A na lei que trata de trabalho temporário. Ora, qual seria a vantagem de terceirizar pela empresa de trabalho temporário, cuja lei exige inúmeros requisitos para sua criação e para validade do contrato civil e de trabalho e, ainda, dá mais garantias aos trabalhadores, se a terceirização em geral exige menor burocracia e dá menos garantias aos trabalhadores terceirizados? A terceirização em geral esvazia a outra, que essa se torna mais onerosa se comparada à temporária.
Aliás, terceirizar atividade-fim pode colocar em risco a qualidade dos serviços oferecidos pelo tomador, pois executados por trabalhadores que não são subordinados ao tomador. Quando o tomador não dirige e não comanda o trabalho executado por seus trabalhadores o serviço final não sai com a qualidade que deveria ter, principalmente se esses estiverem relacionados com sua atividade-fim. Sofre o trabalhador, o consumidor e a sociedade em geral.
- A lei permite que a empresa que terceiriza possa subcontratar serviços em outra. Aí está a permissão da “quarteirização”, um verdadeiro absurdo! Assim, uma empresa tomadora contrata uma empresa para que esta contrate outra para contratar empregado para colocar na
- A lei impede o vínculo com o tomador. Aqui, também poderia interpretar-se o texto como uma autorização legal para terceirização em atividade-fim. Discordo. O fato de o serviço estar relacionado à atividade-meio ou fim não descaracteriza ou impede o vínculo de emprego com aquele que recebe os serviços. Logo, a melhor interpretação deste comando legal é que a terceirização de atividade-meio para um fim determinado não gera o vínculo com o tomador.
- A empresa prestadora de serviços não precisa de registro no Ministério do Trabalho e não está vinculada ao contrato temporário. Basta ter CNPJ e Registro Junta comercial.
- A tomadora poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante ou local por ela designado. Aqui, a isonomia é uma faculdade, enquanto para o trabalho temporário é uma obrigação. Absurda a discriminação entre as duas hipóteses de terceirização de serviços reguladas na mesma lei.
- Previsão expressa da responsabilidade subsidiária da tomadora.
Como não foi permitida, expressamente, a terceirização de atividade-fim para as empresas prestadoras de serviços, continuamos a defender a prevalência da Súmula nº 331/TST, que, como regra geral, somente permite terceirização de atividade-meio. A lei é clara nesse sentido, pois quando o legislador quis permitir a terceirização em atividade– fim, o fez expressamente, como na terceirização do trabalho temporário.
Por esse motivo, o artigo 4º, parágrafo 2º do PL 4330/04, aguardando votação no Senado, expressamente inclui as atividades “inerentes” entre as que podem ser terceirizadas pela prestadora de serviço. Com a aprovação deste Projeto de Lei 4330/04 ficará clara a possibilidade de terceirização em qualquer atividade, inclusive na atividade-fim. Mas, enquanto não for aprovado, continuarei defendendo que prevalece a Súmula 331 do TST nesse ponto.
Defendo que terceirização feita pela Administração Pública continua limitada às atividades meio ou aos excepcionais casos de necessidade, logo, nada se modificou. Entretanto, há fortes correntes afirmando que uma perigosa porta foi aberta para que a administração pública terceirize toda e qualquer atividade, salvo as carreiras de Estado (agentes públicos), pois dificilmente será responsabilizada de forma subsidiária, diante do novo posicionamento do STF. As fraudes aos concursos públicos irão se multiplicar e o número de cargos públicos que, deveriam ser criados por lei, não vai aumentar para dar margem à terceirização: medida mais barata e sem responsabilidade do ente público que contratar por licitação.
CONCLUSÃO
Apesar de regulamentada a terceirização geral por empresas prestadoras de serviço, que não se confundem com as empresas de trabalho temporário, esta não pode ocorrer em atividade-fim, pois a lei não foi expressa nesse sentido, como o foi para o trabalho temporário.
Entretanto, essa é apenas uma interpretação entre as muitas que surgirão e só o tempo pacificará as inúmeras controvérsias.
* Nota do editor: Na sanção, alguns dispositivos do PL 4.302-E/1998 foram vetados, justificando assim a atualização do artigo “Breves comentários à nova redação da Lei 6.019/74: Terceirização ampla e irrestrita???“, publicado em 24/03/2017.
[1] Há quem diferencie a terceirização da intermediação de mão-de-obra, sendo esta a hipótese do trabalho temporário. Argumentam que na intermediação haveria mero fornecimento temporário de serviço, com fim específico e na terceirização a prestação de serviços pode ser permanente. A distinção é apenas terminológica e não tem efeitos práticos, ainda mais depois da lei em estudo que aproximou os institutos. Se antes não havia motivos para a distinção, hoje com maior razão não há como se defender a tese de diferentes conceitos para o mesmo fenômeno, pois também pode haver terceirização temporária para fim específico ou definitiva para fim específico.
por Vólia Bomfim
é Desembargadora do Trabalho do Rio de Janeiro. Doutora em Direito e Economia. Mestre em Direito Público. Coordenadora do curso de Direito da Unigranrio. Professora.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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