quinta-feira, 13 de abril de 2017

A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

No mês passado o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a inclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) nas bases de cálculo das Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Este julgamento do STF surpreendeu a comunidade jurídica em razão da tradição brasileira de inclusão dos tributos sobre vendas no conceito de receita bruta e, inclusive, do ICMS em sua própria base de cálculo.

Os votos ainda não foram publicados, mas a premissa comum entre os Ministros que julgaram favoravelmente aos contribuintes foi a de que o ICMS não seria receita própria, mas receita de terceiros (do Estado) e, por isso, não comporia o faturamento da empresa (note-se que neste caso pouco importa a discussão sobre os conceitos de receita total, receita bruta e faturamento, embora eles possam ter – indevidamente – aparecido no julgamento). A fixação desta premissa traz consigo três aspectos de grande relevância: (i) a prevalência da essência econômica sobre a forma jurídica, (ii) a aproximação entre o conceito de receita contábil e o conceito jurídico de receita e (iii) o pontapé inicial da tão-sonhada reforma tributária (ao menos do PIS e da COFINS).

O primeiro aspecto, além de ter uma relação intrínseca com a lógica das normas e dos registros contábeis, também tem consequências jurídicas importantes. O ICMS incidente sobre as operações de vendas de mercadorias, destacado na Nota Fiscal, não pertence ao vendedor, segundo o STF. Contudo, juridicamente falando, a obrigação de pagamento desse ICMS ao Estado é do vendedor, ou seja, o vendedor não é um mero intermediário entre o comprador e o Estado (que recebe o ICMS). Se assim fosse (ou, se assim for), o não pagamento do ICMS pelo vendedor configuraria (ou configurará) crime de apropriação indébita.

O raciocínio utilizado para qualificar as receitas de terceiros (ou o repasse de receitas) passa, necessariamente, pelo arranjo jurídico das figuras do principal e do agente. Somente o agente (intermediário), do ponto de vista jurídico, é que recebe algo que não lhe pertence e tem a obrigação contratual de repassá-lo a terceiro. O raciocínio do STF não foi propriamente esse (que reflete a perspectiva jurídica para diferenciar receitas próprias e receitas de terceiros e que, aliás, é a seguida pelas normas contábeis). De acordo com o que vimos no julgamento, a premissa do STF seguiu a lógica econômica de que nos tributos sobre vendas de bens e serviços, as empresas são meros agentes arrecadadores, já que o consumidor final é o verdadeiro pagador. Dentre os argumentos apresentados pelos contribuintes houve acertada referência às normas contábeis para excluir os tributos sobre vendas do conceito de receita. Mas, é importante anotar que a perspectiva contábil e a perspectiva econômica da tributação sobre o consumo trazem conflitos jurídicos relacionados à definição de contribuintes (de fato e de direito) e responsáveis.

O julgamento do STF impacta diretamente outras situações similares, de incidência de tributos sobre tributos. Além do ISS, o próprio PIS e a própria COFINS, assumindo natureza de tributação sobre o consumo, também deveriam ser excluídos do conceito de receita, pois não se traduzem como somas que, economicamente, pertencem ao vendedor. Ao decidir esses temas, o STF estará dando um pontapé importante para a reforma tributária que está sendo discutida no Congresso.

Não há dúvidas de que, atualmente, o PIS e a COFINS estão mais próximos da tributação sobre o consumo que da tributação sobre a renda, o que justificaria plenamente sua fusão com o ICMS e o ISS. A originária utilização da receita bruta não deixava dúvidas de que se tratava da tributação das operações com bens e serviços (sobre o consumo, portanto). A combinação com elementos de tributação da renda surgiu quando da migração para a receita total. Entretanto, há previsão de exclusão das bases de cálculo do PIS e da COFINS das receitas com vendas de ativo imobilizado, participações societárias e ativos intangíveis e, além disso, aplicação de alíquota zero para parte das receitas financeiras. Isso faz com que, na prática, não haja quase nenhuma diferença entre a receita bruta e a receita total (apenas um grande contencioso em torno dessas definições).

A possibilidade de aplicação do raciocínio do STF ao ISS e às próprias contribuições, portanto, não é um mero acaso. É produto da feliz adoção da racionalidade econômica da tributação sobre o consumo para formação dos raciocínios jurídicos (embora alguma profundidade sobre as consequências jurídicas disso não fosse dispensável). Isso deixa bastante claro, também, que as divisões entre ISS (municipal), ICMS (estadual) e PIS/COFINS (federal) são estritamente jurídicas, decorrem de arranjos políticos para distribuição de competências, mas acabam sendo artificiais, pois feitas desconsiderando-se a realidade econômica que se pretendia tributar (o consumo, não importa de que).

A re-união da tributação sobre o consumo também não caria mal para tornar a aplicação da norma contábil sobre o reconhecimento de receitas (Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis n. 47), mais operacional e neutra. Não há uma discussão sobre o tema que deixe de tocar na dificuldade da segregação das obrigações de desempenho (que parcela do preço representa a venda de bens, que parcela representa a venda de serviços) diante de seus impactos na tributação do ICMS e do ISS[1] e na apropriação de créditos de PIS e COFINS. O deputado Luiz Carlos Hauly, relator da reforma tributária, já fez essa proposta[2]. O Centro de Cidadania Fiscal[3] também está debruçado sobre o tema há alguns anos, reunindo economistas e juristas de renome para produzir o novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil, alinhado aos padrões internacionais. Sem dúvida, a decisão do STF traz um ânimo adicional para repensarmos a estrutura do sistema tributário nacional, o que com certeza colaborará para o alinhamento da contabilidade brasileira ao padrão internacional.

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[1] Já falamos sobre esse tema no último artigo da série Direito e Contabilidade do JOTA

[2] http://oglobo.globo.com/economia/relator-apresenta-pontos-principais-de-reforma-tributaria-20966746.

[3] http://ccif.com.br/.

Vanessa Rahal Canado - Sócia da Área Tributária do CSMV Advogados. Professora da FGV DIREITO SP. Mestra e Doutora pela PUC/SP. Coordenadora do GEDEC – Grupo de Estudos em Direito e Contabilidade. Membro do GAJ-CCiF – Grupo de Arquitetura Jurídica do Centro de Cidadania Fiscal

Fonte: Jota.info/

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