Frustrar a expectativa de alguém que está diante da chance concreta de realizar algo. Impedir alguém de concretizar uma conquista material que tinha em vista, não fosse a sua ação dolosa ou culposa. Será que quem pratica esse ato pode ser obrigado, na Justiça, a responder civilmente por isso? Sim, é a isso que o direito moderno dá o nome de "responsabilidade civil baseada na perda de uma chance". Em linhas gerais, é a obrigação de se indenizar alguém que foi tolhido da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo real.
Fruto da construção doutrinária francesa e italiana no fim do século XIX, a teoria da reparação por perda de uma chance é de adoção relativamente recente nos tribunais brasileiros, sendo um reflexo da evolução do instituto da responsabilidade civil na sociedade contemporânea. E o estudo e aplicação dessa teoria ficou mesmo a cargo da doutrina e da jurisprudência, já que o Código Civil de 2002 não faz menção à indenização por perda de uma chance.
Perda de uma chance e responsabilidade
Em termos simples, a responsabilidade civil pode ser definida como a obrigação que uma pessoa tem de reparar o dano que causou a outra, por força de sua ação ou omissão. A perda de uma chance é aceita como um princípio de responsabilidade civil, no qual aquele que causa dano a outra pessoa fica obrigado a reparar os prejuízos decorrentes do seu ato. O fundamento é que, em razão de um ato ilícito e injusto praticado por uma pessoa, alguém pode ficar privado da oportunidade de obter determinada vantagem ou, então, de evitar um prejuízo. Nesse caso, a vítima poderá ajuizar ação na justiça com pedido de indenização pela perda de uma chance ou oportunidade.
Na responsabilidade civil pela perda de uma chance, o que é indenizável é a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado e impedido por ato ilícito do ofensor. Ou seja, o dano se concretiza na frustração de uma esperança, na perda de uma oportunidade viável e real que a vítima esperava, já que a conduta ilícita interrompeu o curso normal dos acontecimentos antes que a oportunidade se concretizasse.
A tendência de tornar esse prejuízo indenizável ganhou respaldo com a Constituição de 1988, que consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Aliás, todo o sistema da responsabilidade civil é orientado pela ideia de solidariedade social, de acordo com os princípios constitucionais. Assim, apesar de não existir previsão legal específica no Código Civil Brasileiro regulamentando a reparação pela chance perdida, considera-se que a teoria é aceita pelo ordenamento jurídico pátrio porque está de acordo com a interpretação e a finalidade dos dispositivos que regulam a obrigação de indenizar e, ainda, como os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, também o princípio da reparação integral do dano (artigos 403 e 944 do Código Civil).
Mas, atenção: não basta a mera possibilidade da ocorrência da oportunidade, já que danos potenciais ou hipotéticos não são indenizáveis. É essencial que se demonstre a seriedade da chance perdida, que deve ser real.
Como pedir? Como quantificar o valor da chance perdida?
Na lição de Raimundo Simão de Melo (in Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra XV, v.3, n.2, março/abril 2007), na reparação por perda de uma chance, a comprovação do prejuízo se faz com o nexo de causalidade, ainda que parcial, entre a conduta do réu e a perda da chance, e não propriamente com o dano definitivo (vantagem que se deixou de ganhar). No entanto, muitas vezes, os pedidos na Justiça são feitos de forma inadequada, buscando-se indenização pela perda da vantagem esperada e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo. Isto porque, o que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado.
Como consequência, ensina o doutrinador, o valor da indenização a ser fixado pelo julgador deve ter como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este deverá incidir um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção desse resultado. Ou seja, com base nas provas produzidas e na sua convicção, o juiz deverá levar em conta as probabilidades reais de o autor da ação alcançar o resultado esperado. Quanto maiores essas possibilidades, maior deve ser o valor da indenização.
Hipóteses de perda de uma chance no direito do trabalho
Nas relações de trabalho, a responsabilidade civil pela perda de uma chance encontra solo fértil, assim como ocorre com as indenizações por danos morais. Por exemplo, no campo das doenças profissionais e acidentes do trabalho, há grandes possibilidades de ocorrência de danos pela perda de oportunidades. É que, em razão das limitações físicas impostas pelo acidente ou doença, o trabalhador pode perder a chance de melhora profissional.
Mesmo na fase pré-contratual, quando são feitas as tratativas do contrato, embora o empregador seja livre para admitir ou não o empregado, já lhe é exigido um comportamento negocial pautado pela lealdade e pela confiança. Assim, cabe ao empregador se orientar por um dever de conduta, sem criar expectativas falsas ou vazias. Tudo em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, inserido no artigo 422 do Código Civil: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
Permite-se que a empresa, antes de contratar o empregado, obtenha informações sobre a experiência profissional, exame de currículos, exame admissional, a fim de avaliar a capacidade profissional do candidato. Porém, se ela abusa desse direito de informação, ultrapassa os limites dessa fase preliminar e cria no trabalhador a esperança ou mesmo a certeza de sua contratação, deverá reparar os prejuízos sofridos pelo candidato com a frustração dessa expectativa. Entre estes, estão, geralmente, as despesas do trabalhador para se candidatar à vaga de emprego ofertada ou em razão do tempo que gastou (dano emergente), abrangendo também as chances perdidas. Por exemplo, a real oportunidade de um outro emprego, pelo fato de já ter como certa a sua contratação, posteriormente frustrada.
Veja, nos casos julgados pelo TRT mineiro, as situações em que pode se configurar, ou não, a "perda de uma chance":
Empresa de telefonia é condenada a reparar trabalhador dispensado após processo seletivo para promoção interna
No caso julgado pela Sétima Turma do TRT mineiro um trabalhador teve reconhecido o direito a uma indenização por dano material, por ter sido dispensado de forma abusiva e ilícita, logo após ser aprovado em processo seletivo interno da empresa. Com a promoção, ele se transformaria em supervisor de vendas, cargo em que teria o salário dobrado. No entender do desembargador relator, Emerson José Alves Lage, o reclamante teve frustrada uma chance real de obter o esperado ganho salarial, ao ser injustamente dispensado sob a acusação de cometer falta grave. Por isso, faria jus à reparação patrimonial, pelo prejuízo consistente na perda dessa oportunidade.
É que a empresa resolveu investigar se os empregados utilizavam seus acessos ao sistema informatizado para realizar recargas de créditos de suas próprias linhas de telefone celular. Segundo relatos de testemunhas, mesmo sabendo que as recargas no celular do reclamante não haviam partido do seu acesso, os prepostos da empresa o mantiveram retido numa sala por mais de uma hora e meia até que, não suportando a pressão, ele assinou sua carta de demissão do emprego. No dia seguinte, voltou para pedir a reconsideração da sua demissão, mas diante da recusa da responsável pelo setor e ainda sob pressão, rasgou o documento que havia assinado. Após o incidente, foi dispensado por justa causa tipificada na letra a do artigo 482 da CLT, por destruir documento da empresa.
O juiz de 1º Grau reverteu a justa causa e declarou a rescisão indireta do contrato, porém indeferiu o pedido de indenização por danos materiais, ao fundamento de que a aprovação em teste de seleção para o cargo apenas criou a expectativa do direito à promoção. Desse entendimento, discordou o relator do recurso do reclamante e a decisão da Turma se assentou no artigo 402 do Código Civil, pelo qual as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar, já que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance "tornaria indenizável a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado que é obstado por ato ilícito praticado pelo agente ofensor", explicou o julgador.
O relator considerou que a reparação da perda de uma chance não se fundaria na certeza, mas sim, na probabilidade, na possibilidade real de ganhos patrimoniais, que foi ilicitamente obstruída. A indenização teria por objetivo reparar a perda da oportunidade em si mesma, e não os ganhos perdidos. Até porque, no caso, não há como quantificar, ao certo, esses ganhos, pois não se pode prever por quanto tempo o reclamante se manteria no cargo de supervisor.
Partindo desta linha de considerações e da chance real e séria perdida pelo reclamante, o relator condenou a empresa a pagar a rescisão contratual se baseando no novo salário de supervisor, que seria devido a ele em função da suposta promoção, dando provimento ao recurso do reclamante. A Turma condenou ainda a ré a anotar na CTPS do reclamante a função de supervisor de operação de televendas, sob pena de multa diária de R$ 300,00. (RO 01533-2007-112-03-00-5 - Data 02/10/2008)
Empregado impedido de participar de eleição para CIPA ganha direito à indenização por perda de uma chance
Nesse caso, também mais antigo, a 8ª Turma do TRT-MG manteve a condenação de uma empresa a pagar indenização pela perda de uma chance a um empregado dispensado às vésperas de registrar a sua candidatura a membro da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). O reclamante era detentor de estabilidade no emprego até 30.11.08, por ter sido eleito membro da CIPA para o período 2006/2007, e foi dispensado em 09.10.08, dois dias depois de publicado o edital que convocava os empregados para nova eleição de representantes da CIPA e um dia antes do início do prazo para registro das candidaturas, a partir de 10.10.08. A ré alegou que tudo não passou de uma coincidência e que não houve prova de que a rescisão tenha ocorrido para impedir o trabalhador de se candidatar para a CIPA.
Mas, para a desembargadora, hoje aposentada, Cleube de Freitas Pereira, não havia como deixar de presumir que a dispensa teve mesmo o objetivo de impossibilitar que o autor se inscrevesse para concorrer às eleições da CIPA 2008/2009 e, se eleito, adquirisse o direito a novo período de estabilidade. Isso porque, como ele já havia sido escolhido pelos colegas para o período 2006/2007 e permaneceu atuando na comissão no período 2007/2008, por indicação da própria reclamada, certamente por ter apresentado um bom desempenho, a chance de ele ser eleito para o novo período era real. Além disso, como empregado estável, o autor somente poderia ser dispensado por justa causa, ou motivos técnicos, econômicos e financeiros.
Por isso, a conduta da empresa foi ilícita e causou danos ao trabalhador. "Assinalo que a reparação da perda de uma chance não está diretamente ligada à certeza de que esta seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Ao revés do sustentado pela reclamada, não se pode pretender que a vítima comprove, inequivocamente, que obteria o resultado perdido, caso não tivesse ocorrido a conduta do ofensor. Exige-se tão-somente a probabilidade, sendo a prova da perda da chance feita por verossimilhança", concluiu a desembargadora. (01405-2008-077-03-00-0 RO - Data 25/09/2009).
Reparação é concedida em caso de séria e real expectativa de emprego frustrada
Em outro julgado, o C... S.A. e o C.S.C... foram condenados pelo juiz de primeiro grau, de forma solidária, a pagar à reclamante indenização por perda de uma chance no valor de R$15.000,00 e, ainda, indenização por danos morais arbitrada em R$20.000,00. Inconformados, eles recorreram da sentença, mas a 5ª Turma do TRT-MG, adotando o entendimento do relator, desembargador Marcus Moura Ferreira, manteve a condenação.
Ficou constatado que os réus, que formam grupo econômico, provocaram na reclamante uma séria e real expectativa de que seria contratada por eles e, em razão disso, ela chegou a pedir demissão do antigo emprego. Entretanto, a contratação acabou não acontecendo, gerando prejuízos à reclamante, por perda de uma chance e também de ordem moral.
Na versão dos réus, a reclamante teve no máximo, uma mera expectativa de emprego, já que não passou em todas as etapas da entrevista e nem realizou o exame admissional, deixando de reunir todos os requisitos para a contratação. Afirmaram ainda que, pela teoria da perda de uma chance, não é qualquer possibilidade perdida que obrigará o ofensor a ressarcir o dano, pois a chance deve ser séria e real, não abrangendo meras expectativas ou esperanças aleatórias. Entretanto, esses argumentos não forma acolhidos pela Turma julgadora.
De acordo com o relator, para que haja reparação por perda de uma chance é necessária uma oportunidade real e concreta que deixa de ser obtida pela intromissão de alguém, resultando em prejuízo. E, para o desembargador, foi exatamente o que aconteceu no caso. Isto porque a prova documental revelou que a reclamante pediu demissão de seu antigo emprego. Além disso, a reclamante apresentou as fichas de proposta de emprego, opção de vale transporte e opção de plano de saúde e odontológico, documentos que, na visão do relator, fornecem indícios suficientes de que não houve mera participação da reclamante em processo seletivo, mas séria expectativa de contratação: "Tanto é assim que o preposto de um dos réus chegou a reconhecer que candidato a emprego no banco não pega documento para plano de saúde nem de opção de vale transporte", frisou o desembargador.
Nesse quadro, o julgador não teve dúvidas de que os réus geraram uma legítima expectativa de contratação na reclamante, que não se concretizou unicamente por decisão deles, cabendo-lhes, portanto, reparar a trabalhadora pelos prejuízos sofridos.
Por essas razões, a Turma manteve a condenação dos réus de pagar à reclamante a indenização "por perda de uma chance", no valor reconhecido na sentença. Tendo em vista que a reclamante foi vítima de discriminação nos atos preparatórios da admissão ao emprego, a indenização por danos morais também foi mantida. O juiz de primeiro grau também condenou os réus a ressarcirem a reclamante por danos materiais (lucros cessantes), no valor de R$7.000,00, levando em conta o tempo de duração do contrato anterior da reclamante e o valor do último salário que lhe foi pago (R$692,00), o que foi mantido pela Turma revisora. (RO: 02006-2013-034-03-00-5 - Data 15/03/2016).
Perda de uma chance não caracterizada: Proposta concreta de emprego não demonstrada
Situação diferente foi encontrada pela 6ª Turma do TRT mineiro, que julgou desfavoravelmente o recurso de uma trabalhadora, mantendo a sentença que rejeitou seu pedido de reparação por perda de uma chance. A alegação da reclamante foi de que teria sido seduzida pela ré com uma proposta de emprego com salário superior ao que recebia na época e, em razão disso, pediu demissão do antigo emprego, mas ficou a "ver navios", já que não foi contratada e está desempregada até hoje.
Mas, ao examinar as provas, o desembargador relator, Anemar Pereira Amaral, concluiu que a trabalhadora não demonstrou que, de fato, a empresa fez a ela uma proposta formal e concreta de contratação. Por isso, também entendeu não ser o caso de reparação por perda de uma chance.
O desembargador explicou que a "Teoria da Perda de uma Chance", de origem francesa, trata de uma nova forma de responsabilização civil, baseada na premissa de que, se alguém pratica um ato ilícito que faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, deverá indenizá-la pelos danos causados. Mas ressaltou que, para a obrigação de reparar, é necessário que essa chance seja séria e real, e não apenas uma eventualidade, suposição ou desejo. Assim, ao se buscar a reparação da oportunidade de se obter uma vantagem supostamente frustrada pela ré, não basta alegar o prejuízo: deve-se provar a culpa da empresa. Isso é indispensável para o reconhecimento do ilícito trabalhista, assim como o nexo causal entre a conduta da empresa e a frustração da oportunidade de obter o direito.
Nesse contexto, a indenização por perda de uma chance será devida pela frustração de um direito ou vantagem, que muito provavelmente se consumaria, se não fosse a conduta ilícita praticada pelo ofensor, ou seja, o sujeito teria grande probabilidade de obter o resultado favorável se as coisas prosseguissem o seu caminho natural, frisou o relator. Mas, para ele, essa não foi a situação retratada no processo.
Isso porque a prova testemunhal revelou que, conforme havia afirmado a empresa, em nenhum momento houve qualquer proposta formal de contratação da reclamante. O que ocorreu, de fato, foi apenas uma conversa informal entre a reclamante e um ex-encarregado da ré, quando ele comentou que poderia surgir uma vaga na empresa, caso a ré fosse vencedora de uma concorrência para um novo contrato com a V... S.A., o que, inclusive, acabou não se concretizando. Além disso, a própria reclamante confessou em seu depoimento pessoal que, embora estivesse empregada, estava procurando emprego e ligou para alguém na reclamada porque já havia trabalhado lá e tinha interesse de retornar.
"Nada houve para comprovar qualquer proposta formal por parte da reclamada, que justificasse o pedido de demissão da reclamante do emprego anterior. Na verdade, a conclusão que se chega é a mesma do juiz de primeiro grau: a reclamante já vinha querendo deixar o seu antigo emprego e motivada por uma mera possibilidade de vaga na ré, optou por pedir demissão por sua própria conta e risco", finalizou o julgador, mantendo a sentença que rejeitou o pedido da reclamante de indenização por perda de uma chance, no que foi acompanhado pela Turma revisora. (RO 0010133-87.2015.5.03.0060 (RO) - Data 06/10/2015).
Fonte: TRT-3
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