Apesar das dúvidas e incertezas quanto às regras para adesão ao programa de repatriação de bens, advogados afirmam que este é o momento de regularizar a situação com o Fisco brasileiro, sem o risco de sofrer imputações penais.
Há menos de dois meses para o fim do prazo, a adesão pode estar aquém da expectativa do governo. A Receita Federal tem evitado divulgar o número de contribuintes que já aceitaram declarar recursos a partir do recolhimento de 15% de Imposto de Renda e 15% de multa sobre o valor dos bens apurados até 31 de dezembro de 2014.
Para a doutora em Direito Tributário e advogada Betina Treiger Grupenmacher, do escritório Treiger Grupenmacher Advogados Associados, o que deixa contribuintes reticentes sobre a adesão ao chamado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) não é a lei, mas a interpretação das autoridades fazendárias sobre a norma.
De acordo com a especialista, a maior insegurança na declaração dos recursos é em relação à base de cálculo sobre a qual deve incidir o tributo. O contribuinte deve considerar os bens que possuía no dia 31 de dezembro de 2014 ou levar em conta também aqueles que vendeu nos anos anteriores?
“Para que a segurança seja plena, ou seja, para evitar uma eventual imputação penal por evasão de divisas, cujo prazo prescricional é de 12 anos, o recolhimento deve considerar o valor mais elevado dos ativos em tal período”, afirma a advogada, defendendo uma alteração na Lei 13.254/2016 para esclarecer esse ponto.
Diz a lei:
Art. 1o É instituído o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), para declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, conforme a legislação cambial ou tributária, nos termos e condições desta Lei.
§ 1o O RERCT aplica-se aos residentes ou domiciliados no País em 31 de dezembro de 2014 que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos.
Mais vantagens que desvantagens
Segundo Grupenmacher, porém, a Lei de Repatriação tem mais vantagens do que desvantagens.
“Esta foi a melhor fórmula encontrada, ou ao menos uma entre poucas, para resolver um problema de grandes proporções que precisava de uma solução urgente e efetiva”, afirma.
A Lei de Repatriação será um dos temas do VIII Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná, que ocorre entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro. O evento é organizado pelo Instituto de Estudos Tributários e Relações Econômicas (IETRE), e conta com o apoio do JOTA.
Leia a íntegra da entrevista:
Para introduzir a resposta me posiciono, desde logo, favoravelmente a que todos aqueles que atendam aos pressupostos legais para adesão ao RERCT devam fazê-lo. Antes de responder, precisamente, ao seu questionamento, não posso me furtar de tecer elogios à lei e à oportunidade de regularização de ativos que estão no exterior não declarados às autoridades brasileiras.
A criação de mecanismo que possibilitasse a regularização de tais ativos era de todo necessária e desejável, diante do efetivo e crescente movimento entre Estados, em âmbito internacional, de troca de informações fiscais e financeiras.
Não se pode ignorar que grande parte – a mais significativa, eu diria -, dos recursos não declarados, foram remetidos ao exterior, entre as décadas de 70 e 80, em razão da insegurança vivida pelos brasileiros naquele período histórico, decorrente de uma economia absolutamente instável e imprevisível.
A lei de repatriação veicula uma espécie de anistia penal e fiscal para aqueles que aderirem ao regime. Nesse sentido, juridicamente não se adequa a nenhum modelo tributário já existente no sistema.
Por exemplo, a lei estabelece que será considerado acréscimo patrimonial o montante de ativos, “adquiridos em 31 de dezembro de 2014”. Tal regra, segundo penso, é o que chamamos no Direito de uma ficção legal. O legislador está afirmando que considera ter ocorrido algo que de fato e de direito não ocorreu? O ganho de capital na referida data, enquanto fato gerador do imposto sobre a renda, afinal, a possiblidade de regularização alcança ativos que já estavam no exterior e não recursos “novos” que foram auferidos na referida data. No entanto, certamente esta foi a melhor fórmula encontrada, ou ao menos uma entre poucas, para resolver um problema de grandes proporções que precisava de uma solução urgente e efetiva.
Era, de fato, necessário criar a oportunidade de regularização, como, inclusive, muitos países o fizeram, mais de uma vez e, aliás, continuam fazendo.
As resistências ao programa, por parte de determinados setores da sociedade brasileira e aquelas manifestadas por entidades integrantes de vários órgãos do Poder Público, na minha compreensão, não têm qualquer justificativa plausível.
A lei é absolutamente clara e inequívoca no sentido de que só podem ser objeto de regularização recursos obtidos de forma lícita, o que, por certo, alcança a maior parte dos ativos, já que sabidamente referidos recursos são fruto de investimentos no exterior, ou ainda decorrentes de heranças e doações.
Em minha opinião os entendimentos que vêm sendo revelados pela Administração Fazendária, quer nas “perguntas e respostas” da Secretaria da Receita Federal, aprovadas pelo Ato Declaratório 05 de junho de 2016, também conhecido como “perguntão”, quer no parecer PGFN 269002/2016, ou ainda nas manifestações verbais de agentes fazendários, imprimem à adesão um elevado e inadmissível nível de insegurança jurídica, sobretudo no que concerne à questão relativa à base de cálculo.
A lei em si é boa, sobretudo na sua redação original, tal como foi concebida era, inclusive, melhor do que o texto final aprovado pelo Poder Legislativo.
Os problemas que, definitivamente, nos levam à pergunta que não quer calar -“aderir ou não” ao RERCT -, são fruto da interpretação equivocada por parte das autoridades fazendárias de alguns pontos da lei, sobre os quais falaremos na sequência.
Por certo há vantagens e desvantagens na adesão ao RERCT. No entanto, as vantagens são, sem dúvidas, bastante superiores às desvantagens.
A maior vantagem é a anistia de crimes tributários e daqueles cometidos contra o Sistema Financeiro, decorrentes da manutenção irregular de recursos e outros ativos no exterior. No que concerne aos crimes tributários, o pagamento do tributo pode excluir a punibilidade.
No entanto, o mesmo pressuposto não se aplica aos crimes contra o Sistema Financeiro, com o é o caso da não-declaração dos ativos ao Banco Central do Brasil, o que caracteriza crime de evasão de divisas, cujo prazo prescricional é de 12 anos. O entendimento inclusive já foi objeto de decisão do ministro Cesar Peluso, do STJ, que concluiu que a extinção da punibilidade do delito de sonegação fiscal não apaga o de evasão de divisas (STF – 2ª Turma – HC 87.208/MS – Rel. Min. Cezar Peluso 23/09/2008).
A grande vantagem, portanto, é a de natureza criminal. A grande desvantagem, por sua vez, é o elevado custo do imposto e da multa incidentes sobre os ativos a serem regularizados, mas, convenhamos, essa é uma realidade com a qual todos nós já estamos bastante acostumados. Definitivamente, no mundo, ninguém gosta de pagar impostos, o que não significa que não devemos fazê-lo. Assim, embora a carga tributária incidente na regularização de ativos seja bastante elevada, esse não deve ser o motivo para se deixar de aderir ao RERCT.
Se considerarmos que a adesão assegura o direito à “liberdade” daqueles que mantém, irregularmente, ativos no exterior, na ponderação entre as razões favoráveis e as desfavoráveis a ela, as primeiras, certamente, se sobressaem.
O contribuinte que manteve recursos no exterior ainda tem a opção de não aderir ao programa considerando o FATCA dos EUA e do Common Reporting Standard (CRS) da OCDE?
Absolutamente não tem opção de não aderir ao programa e permanecer com segurança no anonimato. O FATCA já está em vigor e o AEOI tem previsão de vigorar no Brasil a partir de 2018. No caso do FATCA ele tem dois tipos, um em que troca de informações entre os países se dará “a pedido” e outro, o Tipo 1, em que ela é automática.
No caso do Brasil a troca é automática, ou seja, independe de requisição das autoridades brasileiras ou estadunidenses. Assim, o intercâmbio de informações que acontece no âmbito, do que hoje se conhece como “Fisco Global”, é uma realidade que não se pode desconsiderar ou menosprezar. Portanto, não há qualquer possibilidade de permanecer no anonimato, omitindo das autoridades brasileiras ativos no exterior, de forma segura e permanente.
Quanto ao AEOI, já vigora em 101 países que aderiram ao tratado, o que é bastante em si mesmo para demonstrar a força e o poder do referido pacto de intercâmbio de informações.
Quais os efeitos para os contribuintes das sinalizações do governo de que pontos da lei podem ser alterados?
Acredito realmente que a lei de repatriação precisa ser alterada em alguns pontos, para aclarar questões relativas à divergências entre a interpretação da Receita Federal e a dos contribuintes. Se a lei for modificada ou complementada, para esclarecer os pontos obscuros, a consequência para os contribuintes e para os cofres públicos será muito positiva.
Os contribuintes se sentirão mais seguros para aderir ao RERCT e isso representará considerável incremento no ingresso de recursos nos cofres públicos, o que, em um momento como aquele que a nossa economia atravessa, é altamente necessário e recomendável.
A Receita Federal tem procurado, em relação a alguns temas controversos, estabelecer soluções. Foi o que fez com a edição da IN 1.654 de 27 de julho, que autoriza as instituições bancárias a receber recursos antecipadamente para utilização no pagamento do imposto e da multa.
A IN foi necessária, pois os bancos estavam se recusando a fazê-lo, por entender que não poderiam receber dinheiro não regularizado, ilícito, já que antes do pagamento do imposto e da multa seriam recursos irregulares. Agora este problema está resolvido. As instituições bancárias podem receber os recursos, destinados à regularização, antes que a adesão seja implantada no sistema eletrônico da Receita Federal do Brasil, contudo, naturalmente, os recursos trazidos por meio de bancos brasileiros, deverá, necessariamente, ser utilizado no pagamento do imposto e da multa para regularização dos ativos.
Nas últimas semanas, muito se tem discutido sobre a base de cálculo sobre a qual incidirá o imposto e a multa devidos com a declaração. O que seria mais seguro para os contribuintes neste momento: recolher impostos e multa sobre os bens declarados no dia 31/12/2014 ou também daqueles que já foram desfeitos (vendidos) antes dessa data?
Sem sombra de dúvidas esta é a questão que está trazendo maior insegurança jurídica aos contribuintes, qual seja, o temor de aderir ao RERCT, tomando como base para cálculo do imposto e da multa montante que a Receita Federal venha, futuramente, reputar como sendo errado e, em razão disso, acabe desconstituindo a declaração e exigindo valores exorbitantes, muitas vezes impagáveis e, o que é pior, desencadeando os procedimentos penais respectivos. Este é, efetivamente, o ponto mais polêmico da lei, que tem levado a forte embate entre juristas e representantes da Administração Fazendária Federal.
A controvérsia se iniciou a partir da afirmação do Secretário Adjunto da Receita Federal, em declaração à Folha de São Paulo, Jorge Rachid, de que “A lei se reporta ao filme, não à foto”.
O que ele quis afirmar é que a lei não se reporta à foto do saldo bancário de 3/12/2014, mas ao filme da evolução dos recursos nos cinco anos anteriores àquela data, o que demandaria o recolhimento do imposto sobre ganho de capital e a respectiva multa, considerando-se o maior saldo do aludido período.
O pagamento, seguindo tal orientação, certamente, acarretará maior segurança ao contribuinte que optar por aderir ao programa, no entanto, isso não significa que a interpretação atribuída à lei, pelo Secretário da Receita Federal ou pela Procuradoria da Fazenda Nacional, esteja correta.
A prevalecer tal entendimento, ou seja, se não houver uma mudança efetiva na lei e nos instrumentos normativos que a regulamentam, que esclareça de forma objetiva esse ponto, o recolhimento segundo a pretensão das referidas autoridades fazendárias, conferirá com certeza maior segurança jurídica àqueles que aderirem ao RERCT, no sentido de que não terão surpresas futuras. Para que a segurança seja plena, ou seja, para evitar uma eventual imputação penal por evasão de divisas, cujo prazo prescricional é de 12 anos, o recolhimento deve considerar o valor mais elevado dos ativos em tal período.
Reconheço que tal compreensão é, vamos assim dizer, exageradíssima e visa a segurança máxima, é um excesso de zelo, mas não pode ser desconsiderada. Para sanar a dúvida sobre a base de cálculo a ser considerada para adesão ao RERCT, que inclusive, têm sido a principal razão para que o nível de adesão ainda seja acanhado, a Lei 13.254/16 e a IN 1.654 precisariam ser alteradas com brevidade.
Certamente, o aperfeiçoamento da lei para tal finalidade, evitaria a judicialização futura do tema, o que eu imagino que, de fato, vá ocorrer. Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a lei faz referência expressa à foto e não ao filme, ou seja, a lei, segundo penso, é suficientemente clara no sentido de que a base de cálculo a ser considerada para a adesão é o valor dos ativos em 31 de dezembro de 2014, a interpretação que a Receita Federal tem atribuído à referida regra não reflete o propósito do legislador. Trata-se de interpretação que amplia demasiadamente o alcance da norma.
É preciso compreender que a Lei 13.254/16 criou uma hipótese de extinção de punibilidade pela anistia e para tanto o legislador estabeleceu um corte temporal no dia 31/12/2014. Essa é a única compreensão plausível, possível e em conformidade com um Estado que pretendemos seja, democrático e de direito.
Continuando na pergunta anterior, é seguro deixar essa opção para o contribuinte?
Pelas razões expostas, absolutamente não é seguro deixar essa opção para o contribuinte. O legislador deve assumir o seu papel institucional de disciplinar relações jurídicas e estabelecer regras claras e precisas, que não deixem dúvidas quanto ao comportamento que é agasalhado pelo pela lei, e deve fazê-lo com vistas a atribuir à “sua obra” o máximo de segurança jurídica.
O que acontece com as adesões feitas no RERCT caso haja declaração de inconstitucionalidade por parte do Supremo de dispositivos da Lei 13.254/2016 (ADI 5.496).
Serão invalidadas, desconsideradas simplesmente, o que será um grande problema àqueles que aderirem ao programa, porque estarão expostos a autuações fiscais e inclusive sujeitos a responder a processos penais, decorrentes da prática de crimes tributários e contra o Sistema Financeiro.
Não creio, no entanto, em nenhuma das duas possiblidades, nem no reconhecimento da inconstitucionalidade da lei de repatriação, porque os argumentos apostos na referida ADI não me parecem suficientemente consistentes para tanto, nem no sucesso de possíveis investidas por parte das autoridades fazendárias e do Ministério Público.
Quero crer que possíveis futuras tentativas de punir aqueles que aderiram ao RERCT imbuídos da mais absoluta boa-fé, não encontrarão eco no Poder Judiciário. Imagino que qualquer julgador, minimamente razoável, vá tomar em consideração o fato de que aqueles que aderiram ao programa o fizeram acreditando na lei e na justiça. Penso que, na remota hipótese de declaração de inconstitucionalidade da lei de repatriação, a boa-fé do contribuinte será um sólido argumento de defesa.
Não posso deixar de observar ainda, que alguns dos argumentos de inconstitucionalidade apontados por especialistas têm, de fato, fundamento jurídico plausível, como a impossibilidade de adesão por condenados sem trânsito em julgado (artigo 5º da Lei 13.254/16) e a vedação de adesão por servidores públicos, agentes políticos e seus parentes (artigo 11 da mesma lei).
Em relação a estas últimas proibições, agridem sem dúvida o princípio da isonomia e não têm sentido em si mesmas, porque pressupõe que tais indivíduos tenham, em toda e qualquer hipótese, adquirido seus ativos de forma irregular, ilícita mesmo, o que os nivela “por baixo”, pressupondo, desde logo, serem criminosos, ou seja, servidores públicos e agentes políticos com cargo de gestão, na data de publicação da lei, detentores de recursos no exterior, só poderiam ter adquirido seus recursos de forma ilícita, o que, convenhamos, é um grande absurdo.
Se a lei é clara no sentido de que só está autorizada a regularização de ativos obtidos licitamente, basta que a autoridade fazendária fiscalize aqueles que promoverem à adesão ao RERCT para se assegurar da licitude dos respectivos ativos, mas impedir uma categoria específica de aderir ao programa, elegendo como critério de tratamento discriminatório o cargo ou a função ocupada pelo indivíduo, certamente não é o melhor caminho, pelo menos não o mais justo, aquele agasalhado pelos direitos e garantias constitucionais.
Finalmente, a impossibilidade de recurso ao CARF também revela uma inconstitucionalidade, mas estas inconstitucionalidades que apontei não são as que fundamentam a ADI, razão pela qual não acredito no seu sucesso.
Para ser mais precisa, quanto ao objeto da ADI, só acredito na plausibilidade jurídica do questionamento relativo à redefinição do marco inicial da decadência em desrespeito à lei complementar.
Para além da ADI, este ponto pode ser alvo de questionamento em ações individuais?
Sim, na minha opinião além da ADI, a redefinição do marco inicial da decadência poderá gerar questionamento judiciais de forma individual pelos contribuinte, e por se tratar de matéria de direito, que independe da produção de provas, o questionamento poderá ocorrer em sede de mandado de segurança.
O Fisco teria o direito de exigir o imposto e a multa sobre um bem que foi vendido, por exemplo, na década de 1990? Ou esse direito estaria prescrito?
Embora o Fisco, em algumas manifestações, tenha revelado a pretensão de efetuar referida cobrança, entendo que não, o fisco não tem direito de exigir o imposto e a multa sobre bem vendido na década de 1990, por vários motivos, mas principalmente, porque o direito de lançar referida cobrança está, definitivamente, caduco, ou seja, a pretensão está alcançada pela decadência, extinta, portanto.
Fonte: Jota
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