A Comissão dos Valores Mobiliários (CVM) deve divulgar nos próximos meses a nova instrução que vai regulamentar os fundos de private equity no Brasil, substituindo as regras que tratam dos diferentes tipos de fundos de investimento em participações (FIPs) atualmente vigentes. A futura instrução, cuja minuta ficou em audiência pública entre dezembro de 2015 e março de 2016, recebeu comentários de diversos participantes do mercado e algumas das alterações propostas devem modernizar e atender a demandas antigas dessa indústria.
— FIP-capital semente (seed capital): destinado a investidores profissionais, poderá investir em empresas com receita anual de até R$ 10 milhões. Destaca-se a possibilidade de essa classe investir em sociedades limitadas.
— FIP-empresas emergentes: autorizado a investir em companhias com receita bruta anual de até R$ 300 milhões, destacando-se que estarão dispensadas de seguir práticas de governança exigidas das companhias que são alvo de FIPs comuns.
— FIP-investimento no exterior: possibilita a alocação de até 100% do patrimônio líquido do fundo em ativos emitidos no exterior, desde que tenham a mesma natureza econômica dos ativos-alvo permitidos aos FIPs no Brasil, devendo manter no mínimo 67% do patrimônio investido nesses ativos.
— FIP-IE e FIP-PD&I (já existentes): destacam-se pela possibilidade de investimento em debêntures simples (i.e. não conversíveis em ações); hoje essa permissão já é prevista, mas não se estende aos demais FIP.
Vale ressaltar que, além da criação da categoria “investimento no exterior”, cujos FIPs poderão aplicar de 67% a 100% dos seus recursos em ativos estrangeiros (com a já citada limitação de natureza econômica), a minuta propôs que FIPs comuns também possam investir em ativos emitidos em outros países, observado o limite de 20% do seu patrimônio líquido.
Outra discussão importante no âmbito da audiência pública envolveu a possibilidade de se autorizar o FIP a investir em debêntures simples, permissão hoje restrita aos FIP-IE e aos FIP-PD&I que, conforme regulamentados pela Instrução CVM 460, são destinados ao investimento em projetos de infraestrutura e de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
A possibilidade de investir em debêntures simples certamente traria diversas vantagens ao mercado de FIP, inclusive levando-se em conta que:
- A emissão de debêntures por vezes é menos complexa e mais ágil do que a negociação de um acordo de investimento em capital, que inclui a necessidade de se apurar o valor justo da companhia e a estruturação da saída futura do FIP.
- O gestor do FIP pode preferir, em um primeiro momento, investir em determinado empreendimento sem assumir riscos típicos de acionista da companhia.
- Frequentemente, os acionistas da companhia investida podem não estar suficientemente confortáveis com a entrada de novo acionista na sociedade nos estágios iniciais do empreendimento, justamente quando se necessita de capital de terceiros, inclusive por receio dos efeitos de eventual diluição de sua participação acionária.
- O investimento em debêntures conversíveis é mais complexo de ser negociado, inclusive por conta das usuais dificuldades de se chegar a um consenso quanto às bases (prazo, preço, termos e condições) de uma potencial conversão das debêntures em capital.
- A composição de equity e dívida nos investimentos realizados pelos FIP pode aumentar a eficiência na alocação de capital e na relação de risco versus retorno da carteira do fundo.
Preocupa a CVM a forma de se garantir que o fundo participe da gestão da companhia investida sem deter títulos de participação societária. É sabido que há várias formas de se assegurar influência do debenturista na gestão da companhia investida — dentre as quais destaca-se a celebração de acordo de investimento com os acionistas controladores e a companhia emissora, que pode incluir o direito de influenciar os processos de eleição de administradores. Além disso, a própria escritura de emissão das debêntures pode prever obrigações e restrições aos administradores da companhia.
Ressalte-se, de qualquer forma, que seria também benéfico que os FIPs pudessem investir em outros instrumentos de dívida, tais como notas promissórias comerciais, também possibilitando a configuração de estruturas que garantam a influência do FIP na gestão da sociedade investida. Essa possibilidade seria ainda mais conveniente caso os FIPs venham a ser autorizados a investir em sociedades limitadas, uma vez que estas não emitem debêntures.
Outra demanda do mercado de private equity no Brasil se refere à restrição atual para que FIPs (exceto aqueles que obtenham apoio de organismos de fomento, conforme regulamentados pela Instrução CVM 406) possam captar empréstimos e/ou financiamentos junto a instituições financeiras. Caso autorizada, a realização de aportes alavancados pelo FIP ampliaria as janelas de oportunidade, uma vez que poderia tornar seus investimentos mais ágeis, além de proporcionar ao gestor do fundo uma alocação mais eficiente dos recursos dos cotistas, levando-se em conta os custos de oportunidade de cada investimento e a disponibilidade de capital no momento do investimento.
O mercado de private equity aguarda ansiosamente pela edição da nova instrução, que deveria ser capaz de modernizar e dinamizar essa indústria tão relevante para o desenvolvimento do País.
Por Felipe Prado
Advogado do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão
Fonte: Jota
Nenhum comentário:
Postar um comentário