Desafiada por uma aluna da FEMARGS, Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul, resolvi escrever sobre uma das regras comemoradas como nova conquista dos trabalhadores, quando da edição da Constituição de 1988. Trata-se da participação nos lucros e resultados, prevista no inciso XI do artigo sétimo, que dispõe como direito dos trabalhadores “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração”.
Existem pelo menos duas abordagens importantes acerca dessa norma. A primeira examinaremos hoje. A segunda, num próximo artigo, em razão dos limites deste espaço. De uma parte, a presunção de efetivo repasse de parte dos lucros para o empregado, que se revela falaciosa, e de outro, o modo como aplicamos a norma, negando à participação nos lucros a qualidade de salário.
Passemos, então, a primeira questão. A atribuição, ao trabalhador assalariado, de participação no lucro (mais-valia) obtido pelo capital, pode parecer, a princípio, uma verdadeira ruptura com a lógica de uma sociedade capitalista. O modo de produção capitalista assenta-se no conflito entre capital e trabalho. De um lado, o “comprador” da força de trabalho, tentando – de forma legítima, se estamos nesse modelo de sociedade – obter mais trabalho por menos valor e, por consequência, maior lucro na apropriação desse trabalho. De outro, o “vendedor” da força de trabalho, tentando obter mais salário pelo menor tempo de trabalho possível. Essa eterna luta entre capital e trabalho, justamente porque conforma a sociedade em que vivemos, certamente não é superada pela mera inserção de um direito à participação dos lucros, na Constituição de 1988.
Vale dizer: seria preciso acreditar na possibilidade de uma regra de socialização efetiva dos lucros, inscrita numa lógica que continua a ser capitalista. É exatamente por isso que a participação nos lucros se tornou, na prática das relações de trabalho, uma forma de pactuar coletivamente ganhos para os empregados, no mais das vezes em substituição a aumentos salariais. Ou seja, a completa desvinculação, na prática das negociações coletivas, entre os valores pagos a título de PLR e os efetivos lucros da empresa, não deve surpreender.
Decorre da própria forma de organização social capitalista, com a qual não rompemos em 1988. O que conseguimos então perceber, com maior nitidez, é que esse direito novo virou um instrumento de negociação que, aproveitando-se do imediatismo próprio do nosso tempo, seduz os trabalhadores e seus sindicatos a abrir mão de reajustes salariais efetivos, com todas as integrações que deles decorrem, em troca de um valor substancial, pago de imediato, que se estabeleceu detenha caráter indenizatório e que é, evidentemente, precário.
Aliás, essa disposição, prevista na lei que regulamenta a participação nos lucros, de que o valor pago a tal título é indenizatório, encontra obstáculo na mesma Constituição que prevê o direito, como examinaremos no próximo artigo.
Fonte: TRT 4° Região
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