O projeto de lei complementar 221/2012, recentemente aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, pretende ampliar o alcance da LC 123/2006, a chamada Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Consta que estariam os deputados sendo pressionados pelas fazendas estaduais, sob alegação de redução de suas receitas tributárias.
Na verdade a proteção às micro e pequenas empresas é de interesse da desejada Justiça Tributária e, mais que isso, um mandamento constitucional. O inciso IX do artigo 170 de nossa Carta Magna diz que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, os princípios de tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Portanto, ao incentivar as micro e pequenas empresas não está o Congresso fazendo um favor, mas cumprindo uma ordem constitucional, para que se coloquem em prática as normas contidas no preâmbulo da CF, que não cansamos de repetir aqui. Essas normas registram que o Brasil destina-se a “...instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...”
O posicionamento dos que se opõem a tal projeto revela não só negação a esses princípios constitucionais, como uma visão equivocada da questão tributária. A União e os Estados arrecadam a maior parte dos tributos (cerca de 85%) e os municípios cerca de 15%, o que faz com que estes só consigam atender suas necessidades orçamentárias mediante repasse de verbas, o que acaba gerando dependência financeira e política.
Por outro lado, são as pequenas empresas, aquelas que possuem menos de cinco empregados, que absorvem boa parte da mão de obra do país, principalmente os trabalhadores menos qualificados. Isso acaba por proteger a economia com um todo, na medida em que eventual fracasso de empresas pequenas não causa o mesmo problema macroeconômico que possa advir das grandes empresas. O risco está diluído, até porque as pequenas empresas são aquelas onde os proprietários é que trabalham, geralmente com seus familiares.
Ampliar o leque de empreendimentos já beneficiados pela LC 123, para contemplar outros beneficiários, como prestadores de serviço, profissionais liberais, pequenos artesãos, etc., não representará uma redução expressiva na arrecadação e poderá incentivar a formalização dos que hoje estão na informalidade ou como autônomos.
Não é razoável que uma pequena empresa, mesmo possuindo faturamento pouco expressivo, permaneça fora do sistema do simples e assim obrigada ao preenchimento de diversas guias de informações economicamente irrelevantes, quando poderia, naquele sistema, resolver tudo com uma guia só, com muito menos burocracia.
Além de tudo isso, não faz sentido que, na era da informática, seja o pequeno empresário obrigado a se registrar em diversas repartições (Junta, CNPJ, SF, ISS, INSS, etc.) , quando tudo poderia resolver-se na Junta ou no RTD, conforme o caso, bastando que as repartições se comunicassem umas com as outras.
Não podem ser desperdiçados os esforços que as entidades empresariais e principalmente o ministro Guilherme Afif Domingos vem desenvolvendo para viabilizar um Simples mais abrangente, que seja simples mesmo. E não podem os burocratas federais, estaduais ou municipais, colocar a questão como uma ameaça à arrecadação seja de quem for. A arrecadação vai bem, obrigado, e as simulações dos técnicos independentes não apontam na direção de que se reduza a montante a ser arrecadado.
Uma pequena empresa, que hoje tem um ou dois empregados, mas esteja fora do simples por causa do seu ramo de atividade, uma vez neste incluída poderá contratar mais auxiliares e assim aumentar seu faturamento, o que vai compensar a redução de início. Mais gente trabalhando, mais se produz. E, ainda que o imposto seja menor, a arrecadação pode ser maior. Com mais gente pagando pode-se arrecadar mais.
Maior incentivo às pequenas e micro empresas é fundamental para o nosso desenvolvimento. Não podemos continuar prestigiando e apostando apenas nessas empresas gigantescas que muitas vezes querem apenas piratear nossa economia e que quando quebram levam muitos para o buraco. Quanto maior uma empresa, maior o risco que ela apresenta em todos os sentidos. A ordem que nos dá a CF no seu artigo 170, inciso IX, é muito sábia e não pode ser desprezada.
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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