Para iniciar este artigo, permita-me compartilhar uma realidade que vivenciei até o início da década passada.
Durante muitos anos trabalhei para uma empresa multinacional sediada em Osasco e, residindo na região do ABC, gastava uma média de quase três horas diárias nos trajetos de ida e volta, que totalizavam perto de 100 km. Se considerarmos que, semanalmente, isso representava 15 horas, mensalmente, em torno de 65 horas e, anualmente, algo próximo de 780 horas ou 32,5 dias, posso afirmar que durante os anos vinculados a essa empresa, estive mais de um ano e meio de minha vida dentro do meu carro, simplesmente para ir e voltar do trabalho!
Do ponto de vista de qualidade de vida, essa triste realidade, se já era terrível há 12 anos, imagino que atualmente exigiria algo em torno de quatro a cinco horas diárias!
Um absurdo! Muito triste! Pois é, mas infelizmente essa é a atual realidade de milhões de pessoas que perdem um tempo importante de suas vidas no trajeto de ida e volta do trabalho, e o que é pior para a grande maioria: sendo transportadas em ônibus e/ou trens sem o mínimo de conforto e dignidade!
Essa breve introdução retrata uma realidade presente na maioria das grandes cidades brasileiras, gerando, entre outras coisas, um fardo enorme para a vida das pessoas, com consequências perigosas para a saúde de todos, mobilidade limitada do cidadão, desordem nas ruas, aumento absurdo do número de acidentes de trânsito, enfim: um drama para a sociedade e prejuízos para o ser humano, para as cidades e para o país!
E do lado das empresas, as consequências também são inúmeras. Entre outras, podemos citar: o drástico aumento de funcionários que não conseguem chegar no horário, queda de produtividade, aumento dos casos de depressão e/ou estresse emocional, elevação dos custos logísticos em razão dos engarrafamentos, fazendo com que sejam reduzidos os ciclos de entrega e exigindo mais veículos na rua que contribuem para a piora do problema, maior consumo de combustíveis, aumento dos valores com seguros, mais contratação de motoristas e ajudantes e maior incidência de problemas de saúde com eles. Além disso, dependendo do produto transportado, ele pode estragar e/ou a validade ser encurtada, fazendo com que as empresas sejam obrigadas a produzir mais para estocagem, elevando os investimentos e custos envolvidos.
Toda essa realidade vem sendo estudada nos últimos anos e, enquanto os governos municipais, estaduais e federal procuram encontrar soluções para melhorar as condições da mobilidade urbana com a construção de novas vias, linhas de metrô e ônibus, vias de uso exclusivo para ônibus, restrição de utilização de veículos em determinados dias da semana e em determinadas áreas e/ou vias públicas, profissionais gabaritados de diferentes setores aprofundam conhecimentos e buscam novos caminhos através do teletrabalho, como é o caso da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, a qual vem promovendo o trabalho a distância em todas as suas formas e aplicações (www.sobratt.org.br).
O que fazer diante desse quadro?
Como o tema é muito abrangente e pode ser desenvolvido sob várias óticas, vou me ater apenas a uma pequena parte.
Concordando inteiramente que o trabalho a distância é uma parte importante na busca de soluções para esse intrincado quebra cabeças e que, cada vez mais, as empresas terão que, necessariamente, ter esse modelo como parte integrante de suas estruturas organizacionais, tenho a sensação de que, além disso e das iniciativas do setor público, precisaremos desenvolver e implementar novas formas de relacionamento com os funcionários e de operação entre as empresas e dentro delas.
Nota: Apenas para relembrar, em meados do ano passado, redigi um artigo publicado neste mesmo espaço, onde destacava alguns aspectos favoráveis e desfavoráveis do trabalho a distância:
Favoráveis
» maior flexibilidade de horários;
» eliminação de gastos com transporte e riscos no percurso até a empresa, o que resulta também na diminuição da poluição e dos congestionamentos viários;
» agilização da comunicação e da circulação de atividades e informação;
» perspectiva de melhoria na vida privada do empregado através do maior convívio familiar;
» maior inclusão de pessoas com dificuldades de locomoção;
» possível redução do desemprego através da não limitação do espaço da empresa; e
» incremento da produção e diminuição de seus custos.
Desfavoráveis e/ou desvantagens:
» isolamento do empregado do ambiente empresarial;
» maior dificuldade com padronização da produção;
» possíveis problemas com aspectos relacionados à segurança do trabalho (ex.: ergonomia, esforços repetitivos, má postura, etc.);
» maior risco de desídia;
» riscos de concorrência com o empregador e/ou quebra de sigilo profissional;
» dificuldade de fiscalização; e
» informalidade e exploração do trabalhador."
Feito o destaque, além do trabalho a distância, o que mais as empresas podem ou poderão fazer para diminuir os problemas gerados pelo caos urbano?
OBS.: Antes de responder a questão é importante salientar que todos os pontos envolvem aspectos que precisam ser bem avaliados para evitar-se eventuais contingenciamentos, autuações e/ou reclamações trabalhistas, bem como podem significar aumento de custos para as empresas.
1. No relacionamento com os funcionários
» Implantar jornada de trabalho flexível
De forma geral, embora não sendo possível a aplicação em todas as áreas das empresas, é cada vez maior o número de organizações que têm flexibilizado a jornada de trabalho para muitos de seus funcionários. Com isso, tais funcionários têm a possibilidade de ir para o trabalho e voltar para casa fora dos horários de pico dos congestionamentos.
» Reduzir a jornada de trabalho com presença física na empresa
Essa alternativa também vem sendo utilizada por várias organizações e parece ser possível em muitas circunstâncias, desde que seja viável ao funcionário completar a jornada em sua residência (o conhecido home office).
» Criar jornadas de trabalho diferenciadas
Assim como muitas categorias já desenvolvem (ex.: médicos, enfermeiros e seguranças), muitos profissionais de várias áreas que não necessitem manter contatos externos nos horários tradicionais, poderiam trabalhar em jornadas diferenciadas e que não coincidem com os horários de maior congestionamento.
2. Nas relações entre empresas
» Incrementar as operações noturnas
Abrangendo não apenas as operações internas, mas especialmente as operações de toda a cadeia logística.
» Criar parcerias, nas quais atividades que se completam sejam parcial ou integralmente transferidas do dia para a noite
Exemplo: Parte das atividades da área de vendas de uma empresa com parte das atividades de compras de outra.
Considerações finais
Tenho plena consciência de que tais sugestões representam muito pouco diante da magnitude do problema e que temos muito a aprender para encontrar soluções mais eficazes; porém, parece-me que o grande nó que precisa ser desatado reside na imensa concentração do fluxo das pessoas entre as 5 horas até as 20 horas (o que totaliza 15 horas), muito embora o dia tenha 24 horas.
Metaforicamente falando, é como se tivéssemos um elástico que podemos esticar somente 2/3 de seu comprimento, fazendo com que atinja seu limite de resistência mais rapidamente e arrebente! Em tais circunstâncias, qualquer observador faria a seguinte afirmação: se você segurar as duas pontas do elástico (3/3 de seu comprimento) e esticá-lo, conseguirá aumentar sua expansão e evitará que se arrebente, pois estará aproveitando-o em toda sua capacidade de resistência!
Trazendo a metáfora para nossa realidade, o "elástico" representa as 24 horas do dia e "quem estica" é representado por empresas, comércio, bancos, autarquias, escolas, transporte público, etc., que funcionam somente parte do dia!
Por isso, neste momento, tenho a clara percepção de que, por maiores que sejam os investimentos do setor público na mobilidade urbana e avanços tecnológicos que viabilizarão o trabalho a distância, as grandes cidades não terão outro caminho que não seja o pleno "funcionamento" durante as 24 horas do dia!
Talvez minha percepção esteja errada! E o caro leitor, o que acha?
Bom trabalho e até breve!
Autor: Carlos Alberto Zaffani
Consultor de Empresas, Administrador e Contador Diretor da Zaffani Assessoria Empresarial
Blog: www.gestordeempresa.blogspot.com
Fonte: Cenofisco
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