A discussão quanto ao conceito de
embarcação e sua abrangência à luz da legislação brasileira não é nova
na doutrina e na jurisprudência judicial e administrativa. O tema tem
gerado acalorado debate não apenas por razões acadêmicas e regulatórias,
mas precipuamente em razão da alíquota zero de Imposto de Renda na
Fonte (IRRF) que incide sobre as remessas para o exterior de
contraprestações de aluguel, arrendamento e afretamento de embarcações
(Lei nº 9.481/97, art. 1º, e art. 691, do Regulamento do Imposto de
Renda).
Em poucas palavras, se a remuneração
remetida ao exterior por quem aluga ou afreta refere-se a uma
embarcação, desonera-se o Imposto de Renda na Fonte; se não estivermos
diante de uma embarcação, haverá tributação – na maioria dos casos,
equivalente a 15%.
A discussão de cunho conceitual ganhou
mais destaque com o noticiado caso da Petrobras, decidido pela Câmara
Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em 2011,
no qual restou consignado o entendimento de que embarcações são apenas
aqueles bens destinados ou aptos ao transporte de cargas ou passageiros,
estando excluídos desse conceito as plataformas marítimas
semissubmersíveis (offshore rigs), navios-sonda (drillship), FPSOs,
entre outras estruturas utilizadas pela indústria offshore de óleo e
gás, cuja preponderância técnica do equipamento se sobrepõe à função
naval, embora esta subsista.
Entendimentos da RFB e do STJ refletem o amadurecimento sobre o conceito de embarcação e sua abrangência
A partir do citado julgamento, a Receita
Federal do Brasil passou a adotar o entendimento restritivo firmado
pelo Carf diante de requerimentos voltados à admissão temporária dessas
estruturas no Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de
Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de
Petróleo e de Gás Natural (Repretro), desencadeando no setor o temor de
propagação de autuações fiscais relacionadas à hipótese de não retenção
do Imposto de Renda incidente sobre a remessa dos afretamentos ao
exterior. Se tal cenário se confirmar, haverá considerável oneração das
operações offshore, pondo em risco a continuidade do atual modelo já
consolidado na indústria brasileira.
Por outro lado, alguns contribuintes
recentemente obtiveram decisões favoráveis aos seus interesses, exaradas
não apenas pela própria Receita Federal do Brasil (RFB), em processos
de admissão temporária, mas também pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), nas quais se deu interpretação mais cuidadosa ao termo
“embarcação”, em reconhecimento às características funcionais desses
bens, capazes de navegar e realizar tarefas específicas e complexas, que
relativizam o simples transporte.
Nesse contexto, a RFB emitiu recente
decisão em um caso envolvendo a admissão temporária de um navio-sonda
sob o regime de Repetro, na qual a Receita deixa claro que o conceito de
embarcação tem a ver com o reconhecimento legal e regulatório de sua
natureza, pelo qual uma embarcação é qualquer estrutura flutuante,
suscetível de se locomover na água por meios próprios ou não, sem perder
de vista seu enquadramento apropriado na Nomenclatura Comum do Mercosul
(NCM). Reconheceu-se, então, a natureza de embarcação aos navios-sonda,
sujeitos, vale frisar, a registro formal na Capitania dos Portos.
Já o STJ consignou seu posicionamento no
Recurso Especial nº 1.341.077 (DJe 16/04/2013), para garantir a isenção
do IPI prevista na Lei nº 8.032, de 1990, inclusive às plataformas
marítimas. Embora o ministro relator Mauro Campbell Marques não tenha
discorrido especificamente sobre o enquadramento técnico-operacional das
plataformas marítimas no conceito de embarcação, seu voto foi
categórico em conferir às plataformas marítimas a natureza de
embarcação. Da inclusão das plataformas marítimas no conceito de
embarcação decorre a inarredável e lógica inclusão também dos
navios-sondas e demais embarcações destinadas ao apoio marítimo e à
indústria offshore de óleo e gás.
Portanto, esses recentes posicionamentos
adotados pela RFB e pelo STJ refletem o amadurecimento da discussão
quanto ao conceito de embarcação e sua abrangência, podendo contribuir
sobremaneira para o desenvolvimento do setor de navegação no Brasil e,
por reflexo, do setor de óleo e gás offshore, tendo vindo em boa hora, a
ver os leilões recentemente realizados e os a serem realizados em breve
pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). Por ora, fiquemos atentos ao
desenrolar do precedente da Petrobras nos tribunais superiores.
por Marcelo Carvalho Pereira e
Rafael Capanema Petrocchi são advogados do escritório Gaia, Silva, Gaede
e Associados no Rio de Janeiro e, respectivamente, LLM em direito
corporativo pelo Ibmec, pós-graduado em direito tributário pelo IBET,
professor da FGV; pós-graduado em direito tributário pela FGV
Fonte: Valor Econômico
Via Notícias Fiscais
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