Em importante e recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, reconheceu a ilegalidade das Instruções Normativas da SRF 247/2004 e 404/2005, por restringirem de forma indevida os créditos no regime não cumulativo para PIS e Cofins no tocante ao insumo, nos termos do art. 3º, inciso II, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003 (RESp 1.221.170/PR, temas 779 e 780).
Pela relevância da decisão e por ser a premissa para a discussão no presente estudo, convém citar a ementa:
2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
3. Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos realtivos a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI.
4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.”[1]
Essa decisão do STJ, em nossa visão, fixa parâmetros para aplicação e interpretação do art. 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003:
(i) – a noção da expressão insumo e o direito ao crédito decorrente de bens e serviços utilizados como tal não se restringe aos critérios do IPI, tendo maior amplitude; (ii) – as Instruções Normativas 247/2004 e 404/2005 são ilegais por restringirem esta amplitude; (iii) – seriam insumos aqueles bens e serviços que, direta ou indiretamente, por aspectos de pertinência, essencialidade e/ou relevância participam do processo produtivo (atividade empresarial); (iv) – não há de se aplicar ao referido dispositivo o art. 111, do Código Tributário Nacional.
Levando em consideração a amplitude normativa concedida pelo Superior Tribunal de Justiça ao conceito jurídico indeterminado “insumo”, é preciso, assim, avaliar os desdobramentos deste posicionamento, sobretudo, pelo fato de que, como bem posto nesta mesma decisão, a casuística ainda se torna um aspecto importante para se reconhecer a pertinência, essencialidade e/ou relevância.
Dentro dessa perspectiva, aproveitaremos para tratar de um serviço muito atual e relevante que diz respeito à utilização de cartão de crédito e débito, o qual é prestado por pessoas jurídicas, contribuintes de PIS e Cofins, aos mais diversos estabelecimentos empresariais, servindo como instrumento imprescindível para a consecução de suas atividades e, por conseguinte, ter receita a ser tributada mensalmente por aquelas contribuições.
Ora, o serviço que o contribuinte de PIS e Cofins no regime não cumulativo adquire e pagar por esse um preço, daria direito ao crédito por caracterizar insumo? Melhor dizendo: há crédito de PIS e Cofins como insumo para o pagamento do serviço (taxa) do cartão de crédito e debito?
Em momento muito interessante, esta discussão voltou ao debate perante o STJ nos autos do Recurso Especial 1.642.014/RS, atualmente com vista ao ilustre ministro Mauro Campbell, com retorno para julgamento para esta terça-feira (8/5).
Acreditamos que, por força da não cumulatividade constitucional e, sobretudo, segundo critérios estabelecidos pelo STJ, permite-se o reconhecimento da natureza de insumo ao preço pago pelo serviço prestado pelas administradoras de cartão de crédito.
Isso porque, de forma breve, não há dúvida de que a interpretação do art. 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 deve partir da noção de não cumulatividade constitucional estabelecida no art. 195, § 12, que “A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas”.
As contribuições para o PIS e Cofins, diante do disposto no texto constitucional[2]:
(i) – estão submetidas à sistemática da não-cumulatividade;
(ii) – a supremacia material e formal impõe ao legislador infraconstitucional a observância dos critérios informadores da não-cumulatividade a fim de que se impeça operações com incidência cumulativa dos tributos (neutralidade fiscal);
(iii) – possui a não-cumulatividade, nesta hipótese, um perfil próprio, relacionado ao aspecto material, ou seja, o faturamento/receita, de maneira que não seria adequada a adoção – exclusiva – de critérios pertinentes ao IPI e ICMS, também não-cumulativos, para se estruturar e interpretar a legislação relacionada às tais contribuições;
(iv) – portanto, a não-cumulatividade será em função da receita;
(v) – a não-cumulatividade estabelecida no texto constitucional não é benefício fiscal, mas direito subjetivo constitucional do contribuinte de não sofrer, no ciclo da atividade econômica, uma tributação cumulativa;
(vi) – a Constituição permitiu ao legislador a definição dos setores e respectivos critérios para ingresso no regime não-cumulativo[3], não autorizando, todavia, dentro do mesmo regime jurídico, restrições e distinções em desconformidade com referido instituto e demais princípios e regras constitucionais, como a isonomia, capacidade contributiva.
Desse modo, quando da análise das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, o art. 195, § 12, do texto constitucional, ao consagrar expressamente a não-cumulatividade, deve servir necessariamente como vetor interpretativo de maior relevância para a interpretação constitucionalmente adequada de tais contribuições e respectivos créditos, sem embargo a margem de liberdade atribuída ao legislador para estabelecer os contornos jurídicos desta sistemática.
Bem por isso, é possível reconhecer ao serviço prestado quanto às administradoras de cartão aos contribuintes, que exercem atividade empresarial visando faturamento/receita bruta, a natureza de insumo.
O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento de que um serviço de ser considerado insumo se cumprir o teste subtração quanto à pertinência e essencialidade/relevância, a fim de que, direta ou indiretamente contribua para o processo produtivo (“desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”).
Convém desde logo esclarecer que o serviço prestado pelas pessoas jurídicas administradoras de cartão de crédito e debito é, na atualidade, uma importante e inescusável forma de venda (faturamento = PIS / Cofins) pelas pessoas jurídicas, sobretudo, no comércio e prestação de serviços (contribuintes).
Não é preciso estudos científicos para atestar que, na prática do próprio cidadão comum, o “dinheiro de plástico” tornou uma forma fácil e que cada vez está ao alcance de qualquer pessoa, seja pelos prazos para pagamento (crédito), gestão dos valores, programas de benefícios como milhas, dificuldade de assaltos, entre outros.
Do outro lado da operação, temos aqueles que exercem a atividade empresarial (pessoas jurídicas contribuintes do PIS e Cofins), os quais, na atualidade, por exigência do mercado e facilidades de pagamento, prazo e crédito, utilizam de tais serviços para viabilizar a comercialização e prestação de serviço (= faturamento). Aliás, uma empresa que não aceita cartão de crédito, com toda certeza, está fadada a não ter condições de sobreviver, auferindo receita.
Levando em consideração tais aspectos de natureza jurídica e econômica, mas também da realidade social, que não pode ser ignorada, o serviço executado por tais empresas preenche, com clareza meridiana, os critérios de pertinência, essencialidade/relevância.
A contratação de tais serviços, com o pagamento do preço por este, tem total pertinência com a atividade econômica da empresa (objeto social), uma vez que esta busca, a partir do gozo daquele instrumento, viabilizar a comercialização de produtos e serviços, a fim de que possa, por conseguinte, auferir receita (= base de incidência do PIS e Cofins – não cumulatividade em função da receita).
Há, portanto, total conexão entre o exercício da atividade econômica/empresarial (objeto social), processo produtivo para auferir receita) e o serviço contratado.
Além disso, não resta dúvida de que, notadamente, nos tempos atuais, da era digital, da internet, comércio eletrônico, da inteligência artificial, o meio de pagamento mais utilizado e comum (e que somente tende a ser tornar cada mais imprescindível) é o cartão de crédito e débito.
Desse modo, há total relevância e essencialidade na utilização desse serviço na atividade econômica dos contribuintes, na medida em que a exclusão deste implica de forma evidente na impossibilidade e perda de operações de venda e/ou prestação de serviço, a fim de que obtenha a receita bruta (= não cumulatividade em função da receita).
Deixar de incluir em no seu processo produtivo (exercício da atividade econômica) o serviço que permite a aquisição de bens e serviços por meio do cartão de crédito e débito, é impedir que o ciclo sem consume, mediante a obtenção de receita.
Por fim, mais do que pertinente, relevante e essencial, há de se lembrar que se trata de pagamento à pessoa jurídica domiciliada no Brasil, sujeita ao pagamento do PIS e Cofins, de tal sorte que a concessão do crédito cumpre as demais regras legais e a própria não cumulatividade, dado o fato que na cadeia econômica temos tais contribuições.
Podemos, assim, concluir que, a partir da não cumulatividade do art. 195, § 12, da Constituição Federal, bem como interpretação do art. 3º, II, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, o preço pago pelo serviço de cartão de crédito e débito para pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, há de ser reconhecido como insumo, segundo leading case do Recurso Especial 1.221.170, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso ocorre dado a sua pertinência, relevância e essencialidade, sendo de rigor o reconhecimento do crédito de PIS e Cofins.
[1] STJ, Resp. 1.221.170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/2/2018, DJe 24/04/2018.
[2] A respeito da não-cumulatividade para o PIS e a Cofins: CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e COFINS. Algumas ponderações acerca da não-cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, maio, 2010, v. 176. p 41-64; CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS/COFINS, não cumulatividade e insumo. Aspectos constitucionais e legais. Grandes questões atuais do direito tributário. ROCHA, Valdir de Oliveira (coord). São Paulo: Dialética, 2015. P. 30-59. 19 v.
[3] “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PIS E COFINS. EQUIPARAÇÃO DE REGIMES. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos da orientação firmada nesta Corte, cabe à parte agravante impugnar todos os fundamentos da decisão agravada, o que não ocorreu no presente recurso. A previsão de estabelecimento de diferentes regimes tributários pela Lei nº 10.637/2002, de modo a limitar deduções da base de cálculo do PIS e da Cofins a determinado grupo de empresas, não implica ofensa ao princípio da isonomia. Não cabe ao judiciário imiscuir-se no mérito das decisões políticas adotadas pelo legislador e pela Administração tributária. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 837.957/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, 1T, j. 9/4/2014).
Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.
Fonte: Conjur
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