Nas importações, para que o despacho aduaneiro das mercadorias ocorra regularmente, deve ser recolhida a denominada taxa Siscomex, instituída pela Lei 9.716/98 e cobrada devido à utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), em relação a cada Declaração de Importação (DI) registrada e para cada respectiva adição de mercadorias.
Originalmente, foi previsto em lei o pagamento do valor de R$ 30 por DI registrada e de R$ 10 para cada adição de mercadorias. Acontece que, nos termos artigo 3º, parágrafo 2º, da citada lei, foi dada a possibilidade de o ministro da Fazenda reajustar, anualmente, os valores da taxa Siscomex, “conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX”. Assim, foi editada a Portaria MF 257/11, aumentando a taxa Siscomex de R$ 30 para R$ 185 (por DI registrada) e de R$ 10 para R$ 29,50 (para cada adição). Ou seja, o valor de tal taxa aumentou, de uma só vez, mais de 500%.
Nesse cenário, duas questões parecem pertinentes: (i) a taxa Siscomex pode ser reajustada pelo Poder Executivo, desde que no limite de índices oficiais de correção monetária?; e (ii) a autorização prevista na Lei 9.716/98 para que o ministro da Fazenda reajuste a taxa Siscomex “conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX” está de acordo com a Constituição Federal?
Acerta o julgamento quando diz que a base de cálculo dos tributos pode ser atualizada pelo Executivo, com base nos índices oficiais de correção monetária, pois tal entendimento decorre de previsão expressa do artigo 97, parágrafo 2º, do Código Tributário Nacional. Equivoca-se, contudo, ao sustentar que taxa Siscomex pode ser atualizada, pelo Executivo, em percentual não superior aos índices oficiais. Trata-se de desacerto perigoso, que dá margem para que, no futuro, sejam mantidas decisões como aquelas proferidas pelo TRF da 4ª Região que reconhecem a inconstitucionalidade da majoração levada a efeito pela Portaria MF 257/11, mas acabam fixando como limite para tal majoração o IPCA do período em que não foi majorada a taxa Siscomex (de 1999 a 2011).
Primeiro, deve se destacar que a autorização prevista na Lei 9.716/98 é apenas para que o ministro da Fazenda reajuste a taxa Siscomex “conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX”. Portanto, qualquer reajuste pelo Executivo que esteja fora dessas balizas legais deverá ser reputado como ilegal. Embora o CTN autorize esse reajuste pelo Executivo com base nos índices oficiais, especificamente quanto à taxa Siscomex, para que isso ocorra, a lei deve ser alterada, de modo a prever exatamente essa autorização.
Segundo, não cabe ao Judiciário substituir o Legislativo, pois, neste caso, estará violando a separação de poderes, cláusula pétrea da nossa Constituição. Ora, se a Lei 9.716/98 não autorizou a correção monetária da taxa Siscomex pelo Executivo, tal correção não pode ser autorizada pelo Judiciário.
Quanto à indagação do item (ii) supra, levanta-se, neste ponto, questão pendente de análise pelo STF, mas que se revela essencial para o debate. Para respondê-la, cumpre recordar, antes, que as taxas devem equivaler aos custos e despesas necessários para a prestação de serviços ou realização da atividade de fiscalização por parte do Estado. É isso que deve observar o Poder Legislativo quando da sua instituição.
Desse modo, não pode o Legislativo atribuir ao Executivo, sob o argumento de que haverá um mero “reajuste”, a função de majorar as taxas, para que elas possam continuar remunerando os custos e despesas do Estado na realização de uma suposta atividade de fiscalização. Na situação prevista no artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 9.716/98, o legislador acabou atribuindo uma tarefa ao Executivo que resultará, sempre, numa majoração da taxa Siscomex, de maneira a adequá-la às despesas incorridas pelo Estado, tarefa esta precípua do Legislativo. Por isso, é inconstitucional o artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 9.716/98 ao permitir o “reajuste” da taxa Siscomex “conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX”.
Se há reserva absoluta de lei prevista na Constituição quanto à majoração de alíquotas (princípio da legalidade estrita) em relação à taxa Siscomex, não poderia o Legislativo ter delegado a sua competência institucional primária ao Executivo, sob o argumento de que atualizar tal tributo, de forma que ele continue sendo equivalente à variação dos custos de operação e dos investimentos no Siscomex, representa mero “reajuste”. Isso significa, ao fim e ao cabo, sempre uma majoração, a qual tem por escopo que o tributo continue sendo proporcional aos custos incorridos pelo Estado. Trata-se, portanto, de competência constitucional reservada ao Poder Legislativo.
Rômulo Coutinho é associado do Demarest Advogados.
Marcelo Annunziata é sócio do Demarest Advogados.
Fonte: Conjur
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