Muito se tem escrito sobre a reforma trabalhista implantada pela Lei nº 13.467, de 13-7-2017, a única que deu certo dentre as várias outras: reforma previdenciária, reforma política e reforma do ensino médio que peca pela inversão da escala piramidal do ensino. Deixou-se de lado o ensino fundamental que como diz o próprio nome é fundamental. Ele continua desorganizado e desestruturado, material e funcionalmente, sem a menor preocupação com a revisão do currículo escolar.
A reforma trabalhista, a nosso ver bastante positiva, vem sendo objeto de inúmeras críticas, a maioria delas em termos elogiáveis, com apenas alguns poucos estudiosos buscando salientar seus defeitos.
Até mesmo ações civis públicas vêm sendo propostas ao arrepio da lei que proíbe expressamente o uso dessa via processual para questionar tributos. Antes de sua proibição o Ministério Público vinha contestando inúmeros tributos com fundamentos, às vezes, nada razoáveis, tomando o espaço reservado a advogados especializados, o que é pior, “queimando” a tese que seria a correta.
O principal argumento para contestar o fim da contribuição sindical é o de que uma lei ordinária não pode promover a alteração do fato gerador dessa espécie tributária, porque matéria reservada à lei complementar.
Realmente prescreve o art. 146 da Constituição:
“Cabe à lei complementar:
…
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”
Examinemos.
O art. 8º, inciso IV da Constituição refere-se à contribuição confederativa de natureza facultativa, sem prejuízo da contribuição prevista em lei, in verbis:
“IV- a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
Não se confunde, portanto, a contribuição prevista em lei com aquela resultante da convenção.
Originariamente essa contribuição estava prevista no art. 578 da CLT com o nome de imposto sindical. Essa denominação, porém veio a ser adequada pelo art. 217, inciso I do Código Tributário Nacional que lhe deu a roupagem jurídica acertada ao dispor:
“Art. 217. As disposições desta Lei, notadamente as dos artigos 17[1], 74, § 2º, e 77, parágrafo único, bem como a do artigo 54 da Lei nº 5.025, de 10 de junho de 1966, não excluem a incidência e a exigibilidade:
I – da ‘contribuição sindical’”, denominação que passa a ter o Imposto Sindical de que tratam os artigos 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo do disposto no artigo 16 da Lei nº 4.589, de 11 de dezembro de 1964”.
Não há mais o chamado imposto sindical que nunca ostentou a característica dessa espécie tributária pois, sempre, antes de depois da alteração de sua denominação, revestiu-se da característica de exação tributária vinculada.
Mediante alterações introduzidas na CLT pela Lei nº 13.467/17 as contribuições sindicais ficaram assim disciplinadas:
“Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados”.
“Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.”
“Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.”
“Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos”.
Como não existe, nem pode existir tributo de natureza facultativa, conclui-se que a contribuição sindical foi extinta com a reforma trabalhista. Não se trata de alteração do fato gerador da contribuição social como vêm sustentando algumas decisões judiciais em sede de liminar. Trata-se de extinção do tributo. Onde a violação do princípio constitucional da reserva de lei complementar?
O que a Constituição veda é a alteração do fato gerador de imposto previsto no Sistema Tributário Nacional por lei ordinária. Outrossim, no caso, sequer houve alteração do fato gerador da contribuição sindical, mas sua extinção, pois ao condicionar o seu pagamento à previa autorização do empregado sindicalizado deixou de ter natureza tributária. Não há nem pode haver tributo mediante autorização prévia do contribuinte a cada caso concreto.
E a extinção de um tributo, qualquer que seja a sua espécie insere-se no campo do exercício da competência tributária outorgada pela Constituição. À lei do ente político competente cabe instituir e extinguir tributos. Pode o legislador ordinário simplesmente deixar de exercer a competência impositiva, como vem acontecendo com o imposto sobre grandes fortunas previsto no art. 153, III da CF, até hoje não instituído pela União.
É bom que se recorde noção elementar de Direito Tributário: Não é função da Lei Complementar instituir tributos, salvo nas hipóteses previstas na Constituição como acontece com o chamado imposto sobre grandes fortunas de que falamos.
Com o fim do pagamento compulsório mediante retenção na folha de remuneração, a contribuição social deixou de existir no mundo jurídico.
Efetivamente, se cessou a compulsoriedade deve-se entender que a contribuição social foi extinta, e não que se tornou facultativa como se vê em algumas decisões judiciais, contrariando a própria definição de tributo prevista no art. 3º do CTN que o caracteriza como “toda prestação pecuniária compulsória”. Se facultativo fosse o tributo poucos o pagariam.
Logo, a continuidade da contribuição social extinta depende de convenção das partes, individualmente ou por meio de sindicatos como prescrito no inciso IV do art. 8º da Constituição. Nada impede de continuar denominando essa contrapartida de contribuição social, de contribuição voluntária, de preço, de tarifa, de doação, de ajuda financeira, de agrado aos donos de sindicatos etc., mas de tributo não se tratará.
Essa discussão judicial que tende a se alastrar no Brasil inteiro não tem qualquer sustentação jurídica, data vênia.
Neste artigo, limitamo-nos à abordagem dos aspectos jurídicos, sem adentrar no exame do mérito da atuação dos sindicatos que se tornaram centros de exercício do nepotismo, com seus dirigentes aboletados nos cargos e funções de forma contínua e permanente, não dando oportunidade de rotatividade do poder.
Somente a contribuição financeira acordada entre as partes interessadas devolverá aos sindicatos a missão constitucional de defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive nas questões judiciais ou administrativas. Antes da reforma trabalhista os sindicatos haviam se distanciado dos reais interesses da categoria que representam, usando e abusando dos recursos financeiros arrecadados compulsoriamente. Com o fim da contribuição sindical acabou-se o peleguismo sindical, devendo atuar nos limites representativos da vontade dos sindicalizados para merecer a contrapartida representada pelo pagamento voluntário da contribuição pecuniária pelos sindicalizados.
SP, 27-4-2018.
[1] Os impostos componentes do sistema tributário nacional são exclusivamente os que constam deste título, com as competências e limitações nele previstas.
Kiyoshi Harada
Fonte: Haradaadvogados.com.br/
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