A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de recursos especiais repetitivos (1.111.117, 1.111. 118 e 1.111.119), pacificou, em 2 de junho de 2010, que o título judicial, exarado em momento anterior ao Código Civil de 2002, deve fixar os juros de mora em 0,5% ao mês, bem como que, atualmente, aplica-se a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic, por força do artigo 406 do Código Civil, combinado com os artigos 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, parágrafo 4º, da Lei 9.250/95, 61, parágrafo 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02. No julgamento desses recursos, após o ministro Mauro Campbell abrir a divergência, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, ficou vencido.
A Taxa Selic engloba tanto a correção monetária quanto os juros. Assim, não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, conforme definido pela 1ª Seção do STJ no julgamento do recurso especial repetitivo 1.102.552/CE, julgado em 25 de março de 2009, da relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki.
Ainda que o STJ altere o seu posicionamento, não será possível a modificação de índices previstos em sentença transitada em julgado
No entanto, a verdade é que, em tempos de índices inflacionários controlados, os juros de 1% ao mês, mais correção monetária, gera um crescimento agressivo da dívida. Por outro lado, força o devedor racional a quitar logo as suas dívidas, em vez de prolongar um processo executivo.
Com o objetivo de rediscutir a aplicabilidade da Selic ou dos juros de 1% mais correção monetária, o ministro Luis Felipe Salomão reavivou essa discussão em 21 de maio de 2013, com a afetação do recurso especial 1.081.149, de sua relatoria, pela 4ª Turma do STJ para a Corte Especial.
No julgamento iniciado em 7 de agosto de 2013, o ministro Salomão pontuou que o assunto é de extrema importância, pois a incidência da taxa Selic, por embutir juros, é muito problemática para dívidas privadas. As súmulas do STJ estabelecem momentos diferentes para a incidência de juros e correção monetária, sendo que ambas são englobadas pela Selic. A Súmula 54/STJ determina que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. Já a Súmula 362/STJ fixa a correção monetária do valor da indenização por dano moral em momento distinto, qual seja, a partir da data do seu arbitramento.
O ministro Salomão sugeriu, então, que o STJ estabelecesse uma distinção entre (i) as dívidas de natureza pública, para as quais não há problema na incidência da Selic; e (ii) as de natureza civil, em que deveria ser aplicado o índice do Código Civil. Para se encontrar esse índice, afirmou que o artigo 406 do Código Civil não contém preceito de caráter cogente, tanto que confere prevalência às estipulações contratuais acerca dos juros moratórios, deixando expressa a subsidiariedade de incidência da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Com isso, votou pela adoção de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio tribunal local, somado à taxa de juros de 1% ao mês, em observância ao artigo 161 do Código Tributário Nacional. Consignou, ainda, que vem respeitando os precedentes do STJ, mesmo discordando da aplicação da Selic em indenizações civis, para evitar "dissídio jurisprudencial interno".
Após o voto do ministro Salomão, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, pediu vista o ministro João Otávio de Noronha. Prosseguindo o julgamento, em 18 de maio de 2016, o ministro Noronha acompanhou o ministro Salomão e a ministra Nancy Andrighi pediu vista. Em 3 de agosto do mesmo ano, a ministra Nancy Andrighi suscitou questão de ordem no sentido de tornar sem efeito a afetação do recurso à Corte Especial, por falta de prequestionamento, e o ministro Noronha pediu vista.
Em 1º de fevereiro deste ano, o ministro Noronha retificou o seu voto para acolher a questão de ordem suscitada pela ministra Nancy Andrighi e o ministro Salomão pediu vista. Na sessão do dia 29 de março, o ministro Salomão reiterou o voto anteriormente proferido e ratificou a ocorrência de prequestionamento. O ministro Noronha se posicionou, mais uma vez, pelo não conhecimento do recurso, por ausência de prequestionamento, mas frisou que, se a Corte Especial conhecer do recurso, acompanhará o ministro Salomão no mérito. Por fim, o ministro Herman Benjamin pediu vista, com quem os autos permanecem conclusos para julgamento.
Ainda que o STJ altere o seu posicionamento, obviamente não será possível a modificação de índices previstos em sentença transitada em julgado, mesmo que em fase de execução. Em 12 de fevereiro de 2014, a 1ª Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto, em acórdão proferido nos autos do agravo de instrumento 2013. 00.2.025835-4, da lavra do desembargador Alfeu Machado, acompanhado pela desembargadora Leila Arlanch e pelo desembargador Teófilo Caetano. Da mesma forma, o STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de respeito à coisa julgada quanto a eventuais alterações de critérios de correções de dívidas (e.g., AgRg no REsp 1.453.571, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 17/03/2015; e AgInt no AREsp 807.922, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 16/03/2017).
Enfim, não há dúvidas que, atualmente, o posicionamento do STJ é no sentido da aplicação da Taxa Selic para condenações de natureza pública e privada, sendo que, independentemente do resultado do julgamento do recurso especial 1.081.149, permanecerão inabaladas as decisões cobertas pela coisa julgada.
Mauro Pedroso Gonçalves é advogado de Trench Rossi Watanabe
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Por Mauro Pedroso Gonçalves
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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