A impetração de Mandado de Segurança ainda provoca, na seara tributária, calorosa e cansativa discussão acerca da possibilidade, ou não, de se requerer a declaração do direito à compensação do tributo que, ao ver do contribuinte, foi indevidamente pago no quinquênio anterior à impetração do Mandado de Segurança (lustro prescricional).
A primeira e a segunda súmula, publicadas ambas em 13 de dezembro de 1963, dispõem, respectivamente, que “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança” e que a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”.
Já a súmula 213, publicada em 2 de outubro de 1998, dispõe que “o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.
Diante de tal panorama, questiona-se se há compatibilidade entre as súmulas 269 e 271 do STF com a súmula 213 do STJ? Ou estaria o STJ, ao publicar sucessivamente a súmula 213, contrariando o posicionamento do STF, refletido pelas súmulas 269 e 271?
Essas são as perguntas que pretendemos responder neste artigo, sob a ótica dos tributos federais e à luz da jurisprudência atual, sem maiores digressões.
O Mandado de Segurança, por se tratar de uma ação mandamental, tem por objeto uma ordem judicial dirigida à autoridade impetrada, a fim de coibir a prática de um ato ilegal/inconstitucional em desfavor da pessoa física ou jurídica impetrante. Desta forma, não é, de fato, meio idôneo para se pleitear a restituição de tributo.
Consequentemente, não cabe à impetrante, nos próprios autos do Mandado de Segurança, requerer, após garantido o direito, a execução da quantia indevidamente paga no período dos cinco últimos anos que antecederam a propositura da ação. Esse caminho processual, nos autos em que se discute o direito, é próprio da ação ordinária (repetição do indébito tributário), em que o provimento jurisdicional pode ir além daquele simplesmente mandamental.
Nesse sentido, após a concessão da segurança, é possível apenas a execução dos valores que foram indevidamente pagos após a Impetração do Mandado de Segurança, em plana sintonia com as súmulas 269 e 271 do STF. A propósito, é bom que se diga que nenhum dos precedentes que originaram as retrocitadas súmulas (269 e 271) dizia respeito à compensação de tributos, todos ligados a provimentos condenatórios a pagamentos.
A despeito da contradição ainda eminente de algumas decisões judiciais sobre o tema (1ª e 2ª instância), a diretriz contida nessas duas súmulas não se confunde com a declaração do direito à compensação, que — após o advento do artigo 66 da Lei 8.383/91 — se tornou completamente possível na via do Mandado de Segurança[1].
O fato é que, após a aprovação da súmula 213 do STJ, essa mesma corte teve oportunidade de se pronunciar outras vezes sobre a matéria: REsp 1.111.164/BA e REsp 1.124.537/SP[2], ambos julgados sob o rito repetitivo.
No Mandado de Segurança, a declaração do direito à compensação, segundo o STJ, no julgamento do REsp 1.111.164/BA (julgado sob o rito repetitivo), pode ocorrer de duas formas. Destacam-se:
(i) a impetração para “ver reconhecido o direito de compensar (que tem como pressuposto um ato da autoridade de negar a compensabilidade), mas sem fazer juízo específico sobre os elementos concretos da própria compensação”; e
(ii) a impetração “à declaração de compensabilidade” que agrega “pedido de juízo específico sobre os elementos da própria compensação” e “pedido de outra medida executiva que tem como pressuposto a efetiva realização da compensação”.
A primeira situação pressupõe dois fatos jurídicos administrativos concretos. O primeiro, a existência de um processo administrativo prévio proposto pelo contribuinte perante o órgão público, a fim de se restituir/compensar tributo que entende ser indevido. O segundo, a existência de um ato administrativo ilegal de indeferimento do referido processo.
O Mandado de Segurança, nessa ocasião, é impetrado em face do ato administrativo que negou o direito à compensação da impetrante, não se discutindo, na hipótese, a forma em que será realizada a compensação, o índice corretivo, o indébito compensável, o prazo de prescrição, ou mesmo os juros incidentes. Irrelevante, nesse caso, segundo posicionamento do STJ naquela oportunidade, a existência de provas pré-constituídas dos elementos concretos da compensação, mas apenas da existência do processo e da negativa da autoridade coatora.
Na segunda situação, pressupõe-se apenas um ato da administração pública, que, como regra, é a cobrança indevida do tributo, renovada periodicamente (anual/trimestral/mensalmente). Nessa ocasião, apesar de não ser necessária a liquidação da quantia compensável, para o STJ, é indispensável a prova pré-constituída dos elementos concretos da compensação, o que se faz por meio dos seguintes documentos: DCTF’s, DARF’S, GFIP, comprovante de arrecadação de tributos federais, dentre outros, em regra obtidos por meio do portal eCAC ou do SPED fiscal.
Diante das provas pré-constituídas, a sentença assecuratória, ao declarar o direito à compensação do impetrante, embora não liquide a quantia a ser compensada, deve fixar a forma em que será realizada a compensação (ex. salvo tributos previdenciários, na forma do artigo 74 da Lei 9.430/96), o índice corretivo, o prazo de prescrição (em regra quinquenal) e os juros incidentes (ex. SELIC).
Essa hipótese, como exposto, não se confunde com a já mencionada vedação prevista nas súmulas 269 e 271 do STJ, transcritas anteriormente. Isso porque essa declaração do direito à compensação não produz efeitos patrimoniais pretéritos, mas sim futuros.
Na prática, caso concedida a segurança pleiteada, caberá o contribuinte proceder ao pedido de habilitação de crédito judicial transitado em julgado perante à Receita Federal do Brasil[3]. Superada essa fase e feita a compensação, caberá ao fisco, no prazo de cinco anos, previsto no §4° do artigo 150 do CTN, fiscalizar se os valores compensados eram cabíveis, bem como se os procedimentos adotados para compensação foram realizados segundo os ditames legais. Do contrário, cabe a autoridade administrativa lavrar Auto de Infração em face da irregularidade.
Inclusive, é de se ressaltar, acerca do tema, que a própria Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), por meio do Parecer PGFN 1.177/2013, em revisão do Parecer 19/2011, orientou a Administração Tributária Federal a seguir o entendimento firmado pelo STJ (tópico 37), a não impugnar decisões judicias que permitam o direito à compensação dos créditos vencidos, respeitado o lustro prescricional[4].
Com efeito, a providência em questão, pragmática por excelência, considera a própria jurisprudência do mesmo STJ que afirma que a impetração do mandado de segurança com o propósito declaratório do direito de compensar pelo contribuinte tem o condão de interromper a prescrição de eventual ação ordinária de repetição do indébito, em que se possa pleitear a restituição do tributo dos cinco anos que antecedem o ajuizamento do mandamus — com o a circunstância de que o direito discutido já estaria acertado (1.181.834/RS17 e AgRg no REsp 1.181.970/SP). Na prática, notadamente diante do regramento de honorários, estabelecidos pelo CPC, a União ainda teria que arcar, nessa hipótese, com custos que não existem no âmbito do mandado de segurança
Dessa forma, a súmula 213 do STJ, o julgamento do REsp 1.124.537/SP e o REsp 1.124.537/SP, ambos pelo rito repetitivo, e o parecer PGFN 1.177/2013 não contrariam, de forma alguma, o disposto nas súmulas 269 e 271 do STF. É que, em resumo, o objeto pretendido no mandado de segurança é a declaração do direito de compensar pela via administrativa, com possibilidade de fiscalização - em momento posterior - da higidez do crédito apurado, e não a determinação da repetição do indébito, com valores executados nos próprios autos, ocasião em que ocorreria a coisa julgada do quantum executado, sem possibilidade sucessiva de contestação administrativa por parte do ente público (ex. lavratura do Auto de Infração).
[1] Atualmente vigente o art. 74 da Lei 9.430/96: “O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”
[2] “A intervenção judicial deve ocorrer para determinar os critérios da compensação objetivada, a respeito dos quais existe controvérsia, v.g. os tributos e contribuições compensáveis entre si, o prazo prescricional, os critérios e períodos da correção monetária, os juros etc. (...) A Administração Pública tem competência para fiscalizar a existência ou não de créditos a ser compensados, o procedimento e os valores a compensar, e a conformidade do procedimento adotado com os termos da legislação pertinente”.
[3] Instrução Normativa 1.300/2012 da RFB.
[4] “É de se reconhecer o direito dos contribuintes de que, nas ações mandamentais transitadas em julgado, em que fora obtido o reconhecimento da inexistência de relação jurídico-tributária e que contenha todos os elementos identificadores da obrigação devida, os créditos pretéritos ao ajuizamento da ação podem ser compensados de imediato, sem a necessidade do ajuizamento de ação condenatória para tal finalidade.
(...)
Diante do exposto, conclui-se que podem ser objeto de compensação os créditos vincendos e vencidos à propositura do mandado de segurança quando referentes à decisão mandamental transitada em julgado, que reconhece a inexistência de relação jurídico-tributária”
Pedro Cavalcanti Amarante é advogado tributarista, sócio do escritório Almeida e Barros.
Danilo Almeida Nascimento é advogado tributarista e sócio do Almeida e Barros Advogados
Fonte: Conjur
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