O ITCMD, de competência dos Estados e do Distrito Federal, incide, por força do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, sobre as transmissões "causa mortis", assim como sobre as doações de quaisquer bens e direitos.
Por conseguinte, cabe ao Código Tributário Nacional (CTN) – Lei ordinária nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, recepcionada sob a nova ordem constitucional como se lei complementar fosse – e às leis estaduais regulamentar e definir, respectivamente, o fato gerador de tal imposto.
Os contribuintes que se sentirem lesados com a vedação do desconto de dívidas devem ingressar com medida judicial
A base de cálculo própria do ITCMD deverá, portanto, ser apurada nos termos em que dispostos nas leis estaduais que em alguns casos expressamente estabelece que será considerado para o cálculo do imposto o valor de cada bem transmitido, sem abatimento de quaisquer dívidas que venham a onerá-lo.
Nesse ponto é que a legislação infraconstitucional do ITCMD mostra-se eivada de invalidade manifesta. É o caso, por exemplo, da Lei Estadual de SP nº 10.705/2000, em seu artigo 12, que traz vedação expressa ao desconto de dívidas da base de cálculo do ITCMD. A Lei Estadual do RS nº 8.821/1989, por sua vez, estabelecia no parágrafo 3º do seu artigo 12 dispositivo semelhante, o qual, porém, foi revogado por força da Lei Estadual nº 14.136/2012.
Com efeito, a incidência tributária não pode ignorar, sob pena de afronta ao ordenamento jurídico em vigor e aos princípios constitucionais, a circunstância de que a base de cálculo do imposto deve observar os bens constantes do ativo a ser transmitido ou doado; e não do passivo, sob pena de claro enriquecimento ilícito por parte do Estado.
A aplicação nua e crua dessa vedação, sem consideração mais profunda e sistemática de seus efeitos, gera, assim, distorções inaceitáveis perante nosso ordenamento jurídico em vigor – notadamente em virtude da vulneração aos princípios da capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição), da proibição da utilização de tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV, da Constituição) e da razoabilidade e da proporcionalidade (artigo 5º, inciso LIV, que consagra o princípio do devido processo legal em sua noção substantiva), eis que promove a tributação sobre dívidas – que não correspondem a fatos signos presuntivos de riqueza, a ensejar validamente a hipótese de incidência tributária.
Ademais, a incidência do ITCMD sobre a transmissão "causa mortis" conforme disposto na aludida legislação conflita diretamente com o princípio de benefício de inventário, estabelecido nos artigos 1.792 e 1.997, caput, do Código Civil de 2002.
Sensível a essa circunstância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) vem reconhecendo, por diversos acórdãos, no sentido da invalidade da aplicação do mencionado artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000 (Recurso de Apelação n° 0015058-64.2012.8.26.0053 – Relator Osvaldo de Oliveira – 12ª Câmara de Direito Público – julgado em 14/05/2014 – DJe 22/05/2014; Recurso de Apelação n° 1007855-63. 2014.8.26.0053 – Relator Nogueira Diefenthaler – 5ª Câmara de Direito Público – Julgado em 17/10/2016 – DJe 24/10/2016; Recurso de Apelação n° 0005051-37.2005. 8.26.0189 – Relator Alexandre Lazzarini – 9ª Câmara de Direito Público – Julgado em 18/10/2016 – DJe 25/10/2016; Agravo de Instrumento n° 2158876-63.2016.8.26.0000 – Relator A. C. Mathias Coltro – 5ª Câmara de Direito Privado – Julgado em 01/02/2017 – DJe 20/02/2017).
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já analisou a questão, reconhecendo, ainda que indiretamente, a ofensa ao texto constitucional por parte da legislação do Estado do Rio Grande do Sul (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 733976/RS – Relator ministro Dias Toffoli – 1ª Turma – Julgado em 11/12/2012 – DJe 05/02/2013), em momento concomitante com a já mencionada alteração da respectiva legislação estadual.
Daí porque, em conclusão, entende-se que os contribuintes que se sentirem lesados com a vedação do desconto de dívidas para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD devem ingressar com medida judicial visando afastar essa tributação, por se mostrar injusta e contrária ao ordenamento jurídico, conforme sistematicamente reconhecido por nossos tribunais.
Natália Tozzatti é advogada, sócia do escritório Knopfelmacher Advogados
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Por Natália Tozzatti
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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