Foi com consternação que os procuradores da Fazenda Nacional acompanharam os desdobramentos da chamada “Operação Zelotes”, que apura esquema de corrupção nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atua no Carf, na tarefa de defender a manutenção dos autos de infração lavrados pelos auditores da Receita Federal do Brasil. O Carf assemelha-se a um tribunal, em que os advogados dos contribuintes e da Fazenda (nesse caso a PGFN) levam as suas razões a juízes, os conselheiros. Estes deveriam estar equidistantes das partes e isso explica a composição paritária do Carf – metade dos conselheiros é representante da Fazenda e metade representa os contribuintes.
Em sua história, o Conselho se constituiu numa instância em que casos tributários altamente complexos são analisados com profundidade por técnicos de elevada experiência. A PGFN se estruturou para desempenhar seu trabalho perante o Carf, formou equipe de procuradores, pessoas valorosas e de caráter, com excelente formação técnica e com atitude, estreitou os laços com a Receita Federal do Brasil, e também, porque não, inspirou-se nos maiores tributaristas brasileiros, que sempre pontificaram no Carf, para formatar sua atuação.
Não devemos demonizar o órgão e nem afirmar que todas as decisões se devem à corrupção ou a pressões indevidas
Apesar de todas as dificuldades, os resultados vieram. Resultados que decorrem unicamente do trabalho de convencimento dos conselheiros. Aliás, para convencer os julgadores é necessário, antes de tudo, respeitá-los, e é isso que a PGFN tem feito nos últimos anos. Respeitar os conselheiros, respeitar os contribuintes, apresentar seus argumentos de forma ética e consentânea com os princípios constitucionais. Foi assim que a PGFN conseguiu se ombrear com os maiores escritórios brasileiros, que se fazem presentes nas causas bilionárias em curso no Carf.
A PGFN sempre considerou o Carf como um verdadeiro tribunal, com julgadores imparciais e que precisam ser convencido com razões técnicas. Sempre esteve ao lado do Carf na luta por uma estrutura que correspondesse à sua importância. E sempre percebeu que a viabilização de um tribunal administrativo tributário, que se constitua verdadeiramente em uma instância alternativa ao Judiciário, pode representar um fator importantíssimo de racionalização da atividade administrativa de constituição e cobrança de tributos. O Carf, técnico e democrático, é necessário.
Assim, foi com tristeza que os fatos até agora tornados públicos oriundos da “Operação Zelotes”, foram recebidos pela PGFN. Contribuintes que pagam propina para evitar a cobrança do tributo e conselheiros que as recebem, são fatos totalmente inaceitáveis. A corrupção é uma vergonha, uma forma de destruir o Carf.
Acreditamos que a maior parte dos conselheiros é honesta e não compactua com a corrupção no Carf. Por outro lado, não devemos demonizar o órgão e nem afirmar que todas as decisões se devem à corrupção ou a pressões indevidas de quem quer que seja. Hipócritas e oportunistas não devem bloquear a percepção do que está realmente em jogo.
Pessoas que se dizem “defensoras” do Carf afirmam que o órgão tende a se transformar em um mero apêndice dos órgãos de arrecadação. Alega-se, por exemplo, que o Carf possui tendência pró-Fazenda, que o voto de desempate, a cargo do conselheiro representante da Fazenda, é utilizado para manter autos de infração que na verdade deveriam ter sido cancelados.
Ora, em primeiro lugar, eventual tendência de decisões a favor da Fazenda não justifica pagamento de propina a conselheiros. Em segundo lugar, não é verdade que o Carf possui tendência pró-Fazenda. A PGFN possui estatísticas em julgamentos de processos com créditos tributários com valores superiores a R$ 10 milhões que demonstram que, nessa faixa, a tendência histórica é de equilíbrio nos resultados, com anos mais favoráveis à União e anos mais favoráveis aos contribuintes. Em terceiro lugar, afirmar que o voto de desempate é sempre utilizado para manter os lançamentos é um desrespeito ao trabalho dos conselheiros. É dizer que o conselheiro não realiza sua atividade com rigor técnico, mas que é um boneco teleguiado pela Fazenda. Um absurdo.
Há aqueles que advogam que, em vista da corrupção, tudo o que foi construído até o momento não tem valor e deve ser descartado. Em realidade, se há fatos que apontam que o Carf se afasta do modelo de órgão técnico e livre de influências, é óbvio que o caminho é “republicanizá-lo” novamente, dotá-lo de estrutura condizente, buscar instrumentos que permitam aumentar a produtividade sem perda de qualidade, rumar para a profissionalização dos conselheiros, apostar na seleção de pessoas com compromisso com a coisa pública e cientes da missão do órgão, que é a de decidir os litígios tributários de forma autônoma, mas com o máximo de aprofundamento e qualidade possíveis, sempre possibilitando o amplo debate entre as partes e os julgadores. Não é utopia, quem viu os melhores momentos do antigo Conselho de Contribuintes ou do atual Carf sabe que isso é possível.
Os conselheiros do Carf não são um ajuntamento de auditores fiscais e de advogados e contadores e economistas, mas componentes de um órgão público que possui uma missão perante a sociedade. Também cabe aos conselheiros refletir e vocalizar um novo modelo de órgão que corresponda às prementes necessidades da Fazenda e dos contribuintes.
Todavia, infelizmente, ver esperança enquanto a corrupção no Carf lança nuvens negras no horizonte não é uma atitude que pode ser considerada realista. A partir desse momento saberemos quem realmente busca construir o futuro do Carf. Como se diz, é chegando no fundo do poço que conseguimos o impulso para nos levantarmos. A PGFN, dentro das suas atribuições, vai trabalhar firme para que o Carf saia dessa situação mais fortalecido e legitimado perante a sociedade.
por Fabrício Da Soller e Paulo Roberto Riscado Junior são, respectivamente, procurador-geral adjunto de consultoria e contencioso tributário e coordenador do contencioso administrativo tributário da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
Fonte: Valor
Via IDTL
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