segunda-feira, 6 de abril de 2015

06/04 Operação ‘Zelotes': a PGFN e o Carf

Foi com consternação que os procuradores da Fazenda Nacional acompanharam os desdobramentos da chamada “Operação Zelotes”, que apura esquema de corrupção nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atua no Carf, na tarefa de defender a manutenção dos autos de infração lavrados pelos auditores da Receita Federal do Brasil. O Carf assemelha-se a um tribunal, em que os advogados dos contribuintes e da Fazenda (nesse caso a PGFN) levam as suas razões a juízes, os conselheiros. Estes deveriam estar equidistantes das partes e isso explica a composição paritária do Carf – metade dos conselheiros é representante da Fazenda e metade representa os contribuintes.

Em sua história, o Conselho se constituiu numa instância em que casos tributários altamente complexos são analisados com profundidade por técnicos de elevada experiência. A PGFN se estruturou para desempenhar seu trabalho perante o Carf, formou equipe de procuradores, pessoas valorosas e de caráter, com excelente formação técnica e com atitude, estreitou os laços com a Receita Federal do Brasil, e também, porque não, inspirou-se nos maiores tributaristas brasileiros, que sempre pontificaram no Carf, para formatar sua atuação.

Não devemos demonizar o órgão e nem afirmar que todas as decisões se devem à corrupção ou a pressões indevidas 

Apesar de todas as dificuldades, os resultados vieram. Resultados que decorrem unicamente do trabalho de convencimento dos conselheiros. Aliás, para convencer os julgadores é necessário, antes de tudo, respeitá-los, e é isso que a PGFN tem feito nos últimos anos. Respeitar os conselheiros, respeitar os contribuintes, apresentar seus argumentos de forma ética e consentânea com os princípios constitucionais. Foi assim que a PGFN conseguiu se ombrear com os maiores escritórios brasileiros, que se fazem presentes nas causas bilionárias em curso no Carf.

A PGFN sempre considerou o Carf como um verdadeiro tribunal, com julgadores imparciais e que precisam ser convencido com razões técnicas. Sempre esteve ao lado do Carf na luta por uma estrutura que correspondesse à sua importância. E sempre percebeu que a viabilização de um tribunal administrativo tributário, que se constitua verdadeiramente em uma instância alternativa ao Judiciário, pode representar um fator importantíssimo de racionalização da atividade administrativa de constituição e cobrança de tributos. O Carf, técnico e democrático, é necessário.

Assim, foi com tristeza que os fatos até agora tornados públicos oriundos da “Operação Zelotes”, foram recebidos pela PGFN. Contribuintes que pagam propina para evitar a cobrança do tributo e conselheiros que as recebem, são fatos totalmente inaceitáveis. A corrupção é uma vergonha, uma forma de destruir o Carf.

Acreditamos que a maior parte dos conselheiros é honesta e não compactua com a corrupção no Carf. Por outro lado, não devemos demonizar o órgão e nem afirmar que todas as decisões se devem à corrupção ou a pressões indevidas de quem quer que seja. Hipócritas e oportunistas não devem bloquear a percepção do que está realmente em jogo.

Pessoas que se dizem “defensoras” do Carf afirmam que o órgão tende a se transformar em um mero apêndice dos órgãos de arrecadação. Alega-se, por exemplo, que o Carf possui tendência pró-Fazenda, que o voto de desempate, a cargo do conselheiro representante da Fazenda, é utilizado para manter autos de infração que na verdade deveriam ter sido cancelados.

Ora, em primeiro lugar, eventual tendência de decisões a favor da Fazenda não justifica pagamento de propina a conselheiros. Em segundo lugar, não é verdade que o Carf possui tendência pró-Fazenda. A PGFN possui estatísticas em julgamentos de processos com créditos tributários com valores superiores a R$ 10 milhões que demonstram que, nessa faixa, a tendência histórica é de equilíbrio nos resultados, com anos mais favoráveis à União e anos mais favoráveis aos contribuintes. Em terceiro lugar, afirmar que o voto de desempate é sempre utilizado para manter os lançamentos é um desrespeito ao trabalho dos conselheiros. É dizer que o conselheiro não realiza sua atividade com rigor técnico, mas que é um boneco teleguiado pela Fazenda. Um absurdo.

Há aqueles que advogam que, em vista da corrupção, tudo o que foi construído até o momento não tem valor e deve ser descartado. Em realidade, se há fatos que apontam que o Carf se afasta do modelo de órgão técnico e livre de influências, é óbvio que o caminho é “republicanizá-lo” novamente, dotá-lo de estrutura condizente, buscar instrumentos que permitam aumentar a produtividade sem perda de qualidade, rumar para a profissionalização dos conselheiros, apostar na seleção de pessoas com compromisso com a coisa pública e cientes da missão do órgão, que é a de decidir os litígios tributários de forma autônoma, mas com o máximo de aprofundamento e qualidade possíveis, sempre possibilitando o amplo debate entre as partes e os julgadores. Não é utopia, quem viu os melhores momentos do antigo Conselho de Contribuintes ou do atual Carf sabe que isso é possível.

Os conselheiros do Carf não são um ajuntamento de auditores fiscais e de advogados e contadores e economistas, mas componentes de um órgão público que possui uma missão perante a sociedade. Também cabe aos conselheiros refletir e vocalizar um novo modelo de órgão que corresponda às prementes necessidades da Fazenda e dos contribuintes.

Todavia, infelizmente, ver esperança enquanto a corrupção no Carf lança nuvens negras no horizonte não é uma atitude que pode ser considerada realista. A partir desse momento saberemos quem realmente busca construir o futuro do Carf. Como se diz, é chegando no fundo do poço que conseguimos o impulso para nos levantarmos. A PGFN, dentro das suas atribuições, vai trabalhar firme para que o Carf saia dessa situação mais fortalecido e legitimado perante a sociedade.

por Fabrício Da Soller e Paulo Roberto Riscado Junior são, respectivamente, procurador-geral adjunto de consultoria e contencioso tributário e coordenador do contencioso administrativo tributário da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 

Fonte: Valor
Via IDTL

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