terça-feira, 28 de abril de 2015

28/04 Terceirização e a competitividade global

É impossível falar sobre terceirização sem analisar um fenômeno mais abrangente: a globalização. Com a velocidade das transformações econômicas e sociais nos últimos anos, as empresas passaram a se organizar de formas diferentes para se manterem competitivas no mercado global e atenderem às necessidades da sociedade.

No mundo globalizado, os negócios se estruturam independentemente do local onde estão, em regiões e países distintos, ou até são formados em microunidades de maneira virtual. As empresas trabalham umas para as outras, fornecendo bens ou serviços especializados integrados à cadeia de produção. Algumas empresas estão no início do processo produtivo, outras no meio e outras na ponta, fornecendo o produto ou serviço para o consumidor final.

Esse modelo de arranjo das etapas da produção, tornando-as mais especializadas, implica na evolução do processo de industrialização e do sistema gerencial da empresa. É desta forma que se compõem as cadeias globais de valor: em redes de produção locais, regionais, nacionais ou globais, caracterizadas pelo intenso comércio de bens, serviços e tecnologias entre empresas situadas em diversas partes do planeta.

No cenário atual, a terceirização no país ganha ainda mais relevância para se disputar espaço no mercado global

Setores altamente competitivos em escala global, como o de eletroeletrônicos e o aeroespacial, estão organizados dessa forma. Em cada rede de produção, fomentam-se a inovação e os ganhos de produtividade para que se ofereça ao consumidor um produto moderno a um melhor preço. Para o trabalhador, os ganhos se dão na forma de empregos formais qualificados, com acesso permanente ao conhecimento e com melhores condições de trabalho.

A necessidade de incrementos contínuos na produtividade, por meio da busca permanente por inovação, surge da maior competitividade dos mercados de serviços e bens. Empresas mais produtivas conseguem manter e expandir suas fatias de mercado. A busca pela inovação como forma de manutenção e expansão de sua participação de mercado resulta na capacidade de a empresa se manter operativa e de gerar postos de trabalho.

É esta a forma de organização produtiva que o Brasil deve almejar. O mercado brasileiro começou a mudar nos anos 1980 e, de forma intensificada, com sua abertura, na década seguinte.

No entanto, a legislação brasileira não acompanhou essa evolução, o que acabou por fomentar inúmeras demandas judiciais. A lacuna na lei e os conflitos levaram a Justiça do Trabalho a considerar ilícita a terceirização da atividade-fim das empresas.

Todavia, não há um conceito preciso do que seja atividade meio ou fim por não ser possível fazer esta distinção na dinâmica empresarial. E, mesmo que o fosse, o arranjo das atividades de uma empresa não é estático, variando de acordo com o mercado global, as necessidades dos clientes e do foco da atividade empresarial em determinado momento. A utilização desses termos, portanto, resulta em múltiplas interpretações sobre o que se pode ou não terceirizar, com riscos e desproteção tanto para os trabalhadores quanto para as empresas.

Aliás, a impossibilidade de contratar de outra empresa etapas da atividade produtiva é um limitador da organização e da reorganização da atividade econômica. É um problema para o ambiente de negócios do Brasil.

No cenário atual, em que as empresas nacionais não conseguem ter ganhos de produtividade e têm grande dificuldade para exportar e competir internacionalmente, a terceirização no país ganha ainda mais relevância para se disputar espaço no mercado global.

E é fundamental destacar nesse contexto que não há qualquer óbice de natureza constitucional em relação a este modelo de gestão empresarial, ou seja, a terceirização. Ao contrário, nossa Constituição Federal prestigia a livre organização da atividade econômica.

No que tange aos princípios gerais da atividade econômica, a Constituição Federal estabelece uma ordem jurídica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos o livre exercício e organização de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização ou regulação do poder público.

O Estado deve, pois, valorizar a atividade econômica que se desenvolve e se formata com foco na livre concorrência, na competitividade e nas estratégias do negócio no jogo do mercado global.

Além disso, não se pode falar em busca do pleno emprego – princípio também de ordem constitucional -, sem propiciar a preservação da empresa, sem estimular as necessárias e dinâmicas estratégias de gestão e de mercado da atividade econômica frente a um ambiente amplamente competitivo.

A terceirização, observada a legislação e as normas de proteção garantidas aos trabalhadores, não resulta em precarização do trabalho ou ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana ou dos valores sociais do trabalho. Afinal, todos os trabalhadores devem estar protegidos pela mesma legislação trabalhista.

Cabe destacar que a boa terceirização contribui para o cumprimento dos objetivos fundamentais do país, como o de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades regionais. Também dá efetividade aos princípios da ordem econômica, como o do pleno emprego.

É notório que o Brasil precisa avançar em diversos pontos. E, seguramente a terceirização é um deles. É preciso se debruçar sobre o tema e regulamentá-lo de forma adequada, pois a restrição à liberdade de organização da atividade produtiva tem forte impacto no desenvolvimento econômico e social, com prejuízos para toda a sociedade. O país precisa estar alinhado nesse quesito às principais economias do mundo.

por Sylvia Lorena T. de Sousa é gerente-executiva de Relações do Trabalho e membro do Conselho de Administração da OIT

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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