A retomada da tentativa de disciplinar mais amplamente os serviços prestados pelos terceirizados, que se deu com a apresentação do Projeto de Lei 4330 (“PL”), trouxe à tona velhas discussões relativas à precarização do contrato de trabalho e à mitigação de garantias ao trabalhador, especialmente em face da possibilidade de terceirização da atividade fim da empresa.
O discurso daqueles que apoiam a medida vai em outra direção: tendo-se em vista a realidade do mercado atual, que traz com ela diversas outras formas de contratação, nas quais a terceirização se insere, a modificação legislativa teria o benefício de melhor definir as responsabilidades, de forma a assegurar maiores garantias àqueles que são contratados como terceirizados. Nessa linha, o PL atribui à empresa contratante a responsabilidade pelas condições de segurança e saúde no trabalho, além de eventual treinamento para a capacitação do prestador.
Porém, ao lado das discussões de cunho trabalhista, todas muito relevantes e dignas de reflexão, há outros temas que devem ser avaliados com a mesma cautela. Um deles é a questão tributária-previdenciária envolvida. Nos termos do artigo 13 do PL, a responsabilidade pela retenção e pagamento da contribuição ao INSS seria do tomador, que teria o dever de reter 11% do valor da nota fiscal por ocasião do pagamento do serviço. Essa medida asseguraria igualdade de condições do terceirizado com o empregado efetivo, do ponto de vista previdenciário.
Contudo, uma análise do outro lado da moeda mostra que o empresário que optar pela terceirização em larga medida, contemplando também suas atividades-fim, ainda que tenha como contrapartida uma eventual redução de custos com mão de obra, experimentará um aumento de carga tributária em vista do pagamento da contribuição previdenciária da empresa sobre os valores pagos a título de remuneração aos terceirizados. Disso decorre um efeito colateral interessante do PL: o incentivo à terceirização resultaria em aumento das receitas da União, pelo alargamento da base da contribuição previdenciária. Ou seja, ainda que indiretamente, mais uma fonte de custeio aos cofres públicos, sem que haja o corte respectivo de gastos.
Em outra direção, há outros pontos que devem ser enfrentados: partindo-se da grande novidade do projeto, que é a possibilidade de terceirização de atividades-fim da empresa, seria defensável a dedutibilidade de tais pagamentos da base de cálculo do imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro, devidos pela pessoa jurídica. Essa possibilidade seria decorrente do enquadramento de tais despesas como operacionais (necessárias, usuais e normais, nos termos do artigo 299 do Decreto 3.000/99), interpretação reforçada pela contratação de terceiros para o exercício das atividades principais do negócio.
Além disso, a mesma discussão poderia ser colocada por ocasião da definição de créditos a serem apropriados para fins da aplicação da não cumulatividade no PIS/COFINS: seriam os valores gastos com a terceirização passíveis de serem classificados como insumos da pessoa jurídica e, assim, dedutíveis da base de cálculo do PIS/COFINS não cumulativos? Caso se entenda que a atividade é essencial para a consecução do objeto social da empresa, a resposta poderia ser positiva e traria mais benefícios ainda para a pessoas jurídicas tomadoras dos serviços.
Por fim, vale mencionar que o artigo 15 do PL determina que o recolhimento da contribuição sindical passaria a ser feita ao sindicato representante da categoria profissional correspondente à atividade exercida pelo trabalhador na empresa contratante (e não na empresa contratada), o que implicaria em eventual aumento de arrecadação de tais tributos para aquela e a respectiva redução para essa.
Não nos parece que o debate em torno do projeto tenha analisado tais temas de forma transparente, nem sequer que tenha havido reflexões sobre o eventuais impactos que a medida poderia causar nos cofres públicos, contrabalanceando o efeito mais direto do aumento das receitas previdenciárias.
Em resumo, essas questões, rapidamente levantadas no presente artigo, mostram a necessidade de se melhor debater sobre o tema da terceirização, considerando todas as consequências jurídico-tributárias afetas às partes envolvidas na cadeia produtiva. Não se trata de, apenas, olhar para o trabalhador e para as garantias que seriam eventualmente mitigadas. Urge realizar-se uma reflexão mais ampla, que contemple o empresariado (tomadores e prestadores), o cenário econômico atual e os impactos tributários em torno do tema. Dessa forma, as discussões no Legislativo não seriam apenas mais ricas, mas, também, mais conscientes das questões em jogo.
por Tathiane Piscitelli é professora da FGV Direito SP. Doutora e Mestre em Direito pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.
Nara Taga é professora da FGV Direito SP. Doutora pela Queen Mary and Westfield College, University of London (Inglaterra); Doutoranda, mestre e bacharel pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP
Fonte: Conjur
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