Incertezas ainda pairam sobre as modificações ao programa de desoneração da folha de pagamento. Instituído em 2011 pela Medida Provisória nº 540, primeiramente objetivou a redução da sonegação. Somente num segundo momento é que almejou a efetiva desoneração com a substituição, para determinados setores, da contribuição previdenciária incidente à alíquota de 20% sobre a folha de salários pela contribuição incidente sobre a receita bruta, à alíquota de 1% ou 2%. Com isso, essa despesa, até então fixa, passaria a acompanhar a geração de riqueza do empregador.
Esse programa teria se mostrado caro e pouco eficiente, o que motivou a sua revisão por meio da Medida Provisória nº 669, devolvida no dia 3 de março, e finalmente por projeto formalmente apresentado no dia 20 seguinte, que tramita agora como Projeto de Lei nº 863/2015.
Esse projeto, que já conta com 82 emendas das mais variadas, praticamente repete a redação original da MP 669: prevê que a partir do 1º dia do quarto mês da publicação da lei, a alíquota da contribuição previdenciária sobre a receita bruta será majorada para 2,5% ou 4,5%. Também faculta aos empregadores o direito de escolher se permanecem nesse programa ou se voltam à sistemática anterior, opção que deve ser feita em janeiro de cada ano, sendo irretratável para todo o ano-calendário. Excepcionalmente para 2015, a escolha poderá se dar no mês de setembro.
Aconselhável que o contribuinte analise quanto de contribuição previdenciária recolheu indevidamente desde 2011
Ressalvado o fato de que o teor da legislação proposta dependerá, é claro, do que o Congresso vier a definir, o fato é que contribuir à previdência com base na receita bruta pode ser ainda vantajoso, especialmente se a base de cálculo desse tributo for adequadamente mensurada.
Para o Fisco, a receita bruta era formalmente definida como a receita proveniente da venda de bens e da prestação de serviços, muito embora esse conceito fosse frequentemente alargado para também abranger outras receitas provenientes da atividade principal do contribuinte, a exemplo da receita financeira de instituição financeira: trata-se de uma receita que não provém de um serviço ou da venda de um bem, mas não deixava de compor, para a Fazenda Nacional, o conceito de receita bruta.
Numerosos contribuintes, por sua vez, defendem em juízo que até o advento da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, que formalmente incluiu outras receitas decorrentes da atividade principal à definição de receita bruta, o legislador ordinário equiparava esse conceito ao de faturamento e, como tal, restrito à receita da venda de bens e da prestação de serviços, nos termos do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não comportando interpretação extensiva.
Independentemente da tese adotada, uma coisa é certa: receita bruta ou faturamento há de pressupor acréscimo patrimonial. Qualquer ingresso em caixa de valor que não represente acréscimo não se enquadra nesses conceitos. É nesse ponto que reside o grande problema.
A Fazenda Nacional vem há muito enxertando nos conceitos de faturamento e de receita bruta valores que não representam esse acréscimo, como é o caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e determinados Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Os valores que ingressam no caixa das empresas a esse título (para posterior repasse aos cofres estaduais e municipais) simplesmente não podem servir de base de cálculo para outro tributo. É inconstitucional entender que a capacidade de pagar impostos pode ser mensurada tomando-se como base os impostos pagos.
De resto, essa tendência perniciosa – e ilegal – de cobrar tributo sobre tributo é recorrente e tem reflexos práticos importantes em nosso cotidiano. Por exemplo, o aumento da gasolina em fevereiro deste ano, em decorrência da majoração das Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), foi seguido de um segundo aumento, agora em razão do ICMS, que passa a incidir sobre o novo e majorado preço médio ponderado repassado ao consumidor final de combustíveis. Ou seja, paga-se mais tributos sobre a gasolina porque paga-se mais tributos sobre a gasolina.
Felizmente, o Supremo deu um primeiro bom passo no sentido da racionalização da legislação tributária ao julgar inconstitucional, em sessão Plenária de 8 de outubro de 2014, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins – tributos também incidentes sobre a receita bruta/faturamento -, assentando não haver como essa exação representar medida de riqueza, por simplesmente não representar acréscimo patrimonial.
Esse mesmo raciocínio deve ser aplicado às contribuições previdenciárias incidentes sobre a receita bruta, corrigindo distorções de nosso sistema. Como dito pelo ministro Marco Aurélio na referida sessão de 8 de outubro, ao tomar emprestadas as palavras do ministro Luiz Gallotti, "se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição".
Necessário analisar com cuidado as alternativas de recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de salários para não pagar mais do que o efetivamente devido. É aconselhável que os contribuintes revejam seus registros e analisem quanto de contribuição previdenciária recolheram indevidamente desde 2011 pela imprópria inclusão de tributos, como o ICMS, em sua base de cálculo, avaliando o custo/benefício de um pedido de restituição e evitando os efeitos da prescrição.
por Felipe Kneipp Salomon é advogado de Levy & Salomão Advogados
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Fonte: Valor
Via Alfonsin.com.br
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