Tem se verificado algumas vezes em nosso País a tentativa de atribuir culpa aos auditores independentes por fraudes e/ou equívocos cometidos por empresas auditadas e os consequentes danos acarretados a pessoas físicas e jurídicas. Em alguns casos, os profissionais e suas firmas sofrem até mesmo o arresto de bens, antes que possam manifestar-se nos processos.
Observa-se o uso de um conceito, injusto e distorcido, de que auditores expiam uma espécie de pecado original pelos erros e atos de terceiros, em quaisquer circunstâncias e independentemente de cumprirem os protocolos técnicos inerentes aos seus serviços. É como se não fossem eles os primeiros aos quais se procura enganar, com sonegação de informações, dados corrompidos e atitudes furtivas, quando há intenção prévia de se cometer algo ilícito no âmbito de uma empresa.
Os problemas que têm afetado a profissão, nos poucos casos notados, é tão grave que, de culpado solidário, o que já é totalmente inadmissível, o auditor torna-se o único condenado por ato cometido pela corporação auditada, e esta — pasmem! — é isenta de qualquer responsabilidade. Não é preciso descrever os detalhes desses casos recentes para se entender a gravidade de algumas decisões judiciais que atingem os auditores, responsabilizados em episódios sobre os quais não têm qualquer controle ou decisão. Assim, é importante que se conheça melhor a natureza, abrangência e limites do seu trabalho, para que não se forme uma “jurisprudência de culpa”, que os vai rotulando no País, ao arrepio das normas de auditoria.
Auditoria não é apólice de seguro! E auditor independente não é garantidor da inexistência de erros ou fraudes nas demonstrações contábeis, não é um certificador da autenticidade do balanço e nem avalista das demonstrações da entidade que audita. A responsabilidade dos auditores independentes, conforme estabelecem as normas brasileiras e internacionais de auditoria, é realizar trabalho visando obter uma segurança razoável, mas não absoluta, de que as demonstrações contábeis das organizações auditadas estão livres de distorções relevantes. Os procedimentos de auditoria dependem do julgamento do auditor e incluem a avaliação da possibilidade de ocorrência de distorção relevante, independentemente se causada por erro ou por fraude. Porém, mesmo seguindo-se rigorosamente os quesitos técnicos, há um risco inevitável, e não desprezível, de que algumas distorções relevantes das demonstrações contábeis não sejam detectadas.
A norma descreve que “o objetivo da auditoria é aumentar o grau de confiança nas demonstrações contábeis por parte dos usuários. Isso é alcançado mediante a expressão de uma opinião pelo auditor se as demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com uma estrutura de relatório financeiro aplicável”. As normas profissionais e a legislação aplicáveis definem que é da administração a responsabilidade pela condução dos negócios de uma companhia, pelo estabelecimento de uma estrutura de governança apropriada, bem como pela preparação de demonstrações contábeis fidedignas.
Está muito claro na leitura das normas profissionais que o resultado do trabalho dos auditores depende muito do acesso pleno aos dados das empresas auditadas. Quando informações e números lhes são sonegados ou quando os documentos não representam efetivamente as operações acordadas, eles não têm como identificar essas situações de risco, ou mesmo distorções. Afinal, quem deseja fraudar um balanço, escamotear resultados financeiros e contábeis ou desrespeitar regras legais do mercado não se pauta pela transparência e nem é amigo da verdade. Nesses casos, em especial quando há má intenção, a primeira pessoa a ser ludibriada é o auditor.
Apesar disso, as ações preventivas e intervenções bem-sucedidas das auditorias no sentido de evitar que organizações lesem os seus sócios, clientes e a economia popular são de fato a regra. As exceções referem-se aos casos em que os auditores não conseguem detectar essas distorções, mesmo tendo adotado os procedimentos previstos nas normas. Estas exceções, contudo, considerando o imenso número de empresas auditadas todos os anos, representam percentual ínfimo, mas de grande impacto midiático.
O auditor não é o gestor da empresa auditada, não pode interferir na sua administração e não detém poder de polícia para investigar. Por isso mesmo, a não ser quando se prove concretamente sua conivência (e prova não se confunde com afirmações unilaterais), é injusta a premissa de sua responsabilidade pelo pecado alheio.
por Eduardo Pocetti, graduado em Contabilidade pela Escola de Comércio Álvares Penteado (ECAP), 38 anos de experiência em auditoria independente e pós-graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é presidente do Conselho de Administração do Instituto de Auditores Independentes do Brasil (Ibracon).
Fonte: Estadão
Via Ibracon
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