O novo Código de Processo Civil (“NCPC”, Lei nº 13.105/2015) trouxe modificações importantes que conduzem à racionalidade e à celeridade do julgamento das causas perante os tribunais superiores, além de concretizar a segurança jurídica, o que impacta sobremaneira o direito tributário.
Situações absurdas, como a que se descreverá abaixo, ganham solução adequada quando se leva em consideração a nova legislação processual civil.
O exemplo trazido diz respeito ao julgamento da tese jurídica relativa à exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. Em 1999, o Recurso Extraordinário nº 240.785/MG, interposto pelo contribuinte, foi afetado para julgamento pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, dada a relevância da matéria e sua repetição em outros processos, apesar de inexistir o instituto da repercussão geral. Assim, em 1999, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do recurso, ocasião em que foi proferido voto pelo relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de prover o pleito do Contribuinte. Nesta mesma data (1999), o ministro Nelson Jobim pediu vista dos autos permanecendo com o processo sem trazer seu voto-vista. Com o decorrer do tempo e a saída daquele ministro da Suprema Corte, apenas em 2006 – 7 anos após o pedido de vista – teve reinício o julgamento, que finalizou em outubro de 2014 – 15 (quinze) anos após o início do julgamento da matéria. A decisão final foi no sentido de prover o Recurso Extraordinário do Contribuinte, determinando a exclusão do ICMS da base de cálculo daquelas contribuições. Tal decisão, muito embora seja dotada de força persuasiva perante os demais tribunais do país, não se apresenta vinculante e, a rigor, produz efeitos apenas inter partes.
Na ocasião, votaram pelo provimento do recurso do contribuinte os ministros Marco Aurélio; Carmem Lúcia; Ricardo Lewandowski; Carlos Britto; Cezar Peluso; Sepúlveda Pertence e Celso de Mello. Votaram pelo não provimento do recurso os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.
Neste interregno de tempo, isto é, entre o início do julgamento daquele Recurso Extraordinário, até a prolação da decisão final, o Superior Tribunal de Justiça mantinha entendimento desfavorável ao contribuinte relativamente à mesma tese jurídica, isto é, por força das Súmulas 68/STJ (votada em 15 de dezembro de 1992) e 94/STJ (votada em 22 de fevereiro de 1994)[1], o Superior Tribunal de Justiça negava provimento aos recursos especiais interpostos pelos contribuintes (e dava provimento aos da Fazenda). Isso significa que os contribuintes tiveram, por muitos anos, decisões contrárias ao que ficou, a final, estabelecido pela Suprema Corte (e, muitos recursos extraordinários interpostos por estes contribuintes tiveram seguimento negado, de modo que acabava transitando em julgado no Superior Tribunal de Justiça as decisões a eles contrárias).
Todavia, após a decisão de outubro de 2014 e, como dito, muito embora se trate de Recurso Extraordinário decidido inter partes, o Superior Tribunal de Justiça, em março de 2015, proferiu acórdão, por meio de sua 1ª Turma (AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 593.627/RN), no sentido de acatar o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e alterar a orientação até então sedimentada na Corte (registre-se que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de manter o ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS datava de mais de 20 (vinte) anos, desde a edição das Súmulas em comento). A partir de tal entendimento, em abril de 2015, por ocasião do julgamento de outro Recurso Especial (nº 1.500.473/MT), a 1ª Turma acolheu questão de ordem suscitada pelo ministro Sergio Kukina, para afetar o recurso à 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, de modo a uniformizar o entendimento das duas Turmas de Direito Público sobre a matéria.
Não obstante este cenário, ainda que o Superior Tribunal de Justiça altere definitivamente seu posicionamento sobre a questão, de forma a que as duas Turmas de Direito Público acolham a tese firmada naquele Recurso Extraordinário nº 240.785/MG, o fato é que a questão está longe de garantir a segurança jurídica aos jurisdicionados.
Isto porque, ainda pendem de julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, bem como a Ação Direta de Constitucionalidade nº 18/DF. Nestes dois processos judiciais, discute-se a mesma tese jurídica daquela decidida nos autos do Recurso Extraordinário nº 240.785/MG; a diferença é que nos autos do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR foi reconhecida a repercussão geral da matéria sendo afetado como representativo da controvérsia (isto é, a decisão proferida pela Suprema Corte deverá ser aplicada aos demais recursos extraordinários pendentes, por força do artigo 543-B parágrafo 3º do Código de Processo Civil atual). E, quanto à ADC nº 18/DF, tutela-se o direito objetivo, ou seja, pleiteia-se o reconhecimento da constitucionalidade da lei que determinou a inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições, cuja decisão também afetará os demais membros do Poder Judiciário e a Administração Pública.
E, por que a questão está longe de garantir a segurança jurídica aos jurisdicionados? Porque a composição atual da Suprema Corte é bem diferente daquela que votou o Recurso Extraordinário nº 240.785/MG. Se, por hipótese, considerarmos que até julho de 2016 nenhum destes casos tenha sido julgado, teremos apenas 3 (três) ministros[2] que votaram quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785/MG, do total de 11 (onze), participando do novo julgamento, o que poderá levar à alteração do resultado final da questão, muito embora tal fato não devesse ocorrer, já que a racionalidade do sistema pressupõe a manutenção do entendimento anterior firmado pela Suprema Corte, ainda que seja alterada sua composição. Deste modo, restaria garantida a segurança jurídica e o respeito à estabilidade das decisões judiciais, já que não houve qualquer alteração fática a demandar mudança de orientação.
Diante de situações como estas, que geram instabilidade jurídica, algumas alterações importantes foram fixadas no “NCPC”. Um dos exemplos é o do parágrafo 2º do artigo 940 que possibilita, no âmbito dos tribunais, que qualquer juiz peça vista do processo no prazo de 10 (dez) dias, prorrogáveis por mais 10 (dez), ocasião em que deve devolver os autos acompanhado de seu voto-vista. Caso não o faça neste prazo, o presidente do órgão fracionário do tribunal requisitará os autos para julgamento do recurso na sessão subsequente e, se quem efetuou o pedido de vista ainda não se considerar habilitado a proferir seu voto, o presidente convocará substituto para proferir voto, na forma estabelecida pelo regimento interno dos tribunais. Se, no exemplo dado, este dispositivo estivesse vigente, jamais poderia o ministro Nelson Jobim manter o processo com pedido de vista indefinido, como ocorreu; neste caso, teria sido substituído por outro ministro apto a proferir voto (muito embora o dispositivo faça alusão ao órgão fracionário do Tribunal, caberá ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal regulamentar a questão quando o julgamento se realiza por meio de seu Tribunal Pleno).
Ainda, o artigo 1037 e os parágrafos 4º, 5º e 6º do “NCPC” dispõem que, se um caso for afetado como representativo da controvérsia, pelos tribunais superiores (como é o caso do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, afetado em 04 de abril de 2008), este deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano contado da afetação e terá preferência sobre os demais processos. Caso não haja o julgamento neste prazo, todos os demais processos em curso sobre a mesma matéria deverão ter seu curso normal. E mais, nesta situação, outro Relator, que não aquele que afetou inicialmente o caso como representativo da controvérsia, pode afetar outro recurso para ser o leading case. Esta técnica viabiliza o julgamento do recurso paradigmático por outro relator, que não aquele que não deu prosseguimento regular ao caso por ele afetado inicialmente. Assim, se tais regras estivessem em vigor, como a afetação do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR ocorreu em abril de 2008, novo recurso poderia ter sido levado a julgamento por outro ministro do Supremo Tribunal Federal.
E, por fim, o “NCPC” trouxe dispositivo importante para a celeridade da entrega da prestação jurisdicional e garantia da segurança jurídica, isto é, prescreveu o artigo 1032 que se, desde logo, o relator do recurso no Superior Tribunal de Justiça compreender que este versa sobre matéria constitucional (como é o caso da tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, que pode ser abordada sob os dois vieses – constitucional e legal), deverá abrir vista para que o recorrente demonstre a repercussão geral de sorte a remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal. Este procedimento objetiva impedir que sobre o mesmo tema haja decisões divergentes e conflitantes produzidas por dois órgãos distintos (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). Se este dispositivo estivesse em vigor, o Supremo Tribunal Federal teria dado – desde sempre – a palavra final sobre a matéria, impedindo que o Superior Tribunal de Justiça tivesse, por mais de 20 (vinte) anos, se posicionado contra o contribuinte e, após a palavra do Supremo Tribunal Federal, alterasse seu entendimento, em evidente prejuízo à segurança jurídica de todos os jurisdicionados.
[1] Súmula 68/STJ: A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS e 94/STJ: A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL
[2] Registre-se que os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio completam 70 (setenta) anos, respectivamente, em novembro de 2015 e julho de 2016, razão pela qual deixariam o Supremo Tribunal Federal pela aposentadoria compulsória a partir destas datas.
por Fernanda Donnabella Camano de Souza é formada em Direito pelo Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela COGEAE-PUC-SP, mestre em Direito do Estado e doutoranda pela PUC-SP. É autora do livro Os Limites Objetivos e Temporais da Coisa Julgada em Ação Declaratória no Direito Tributário (Editora Quartier Latin, 2006).
Fonte: Conjur
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