Empresas de tecnologia decidiram bater nas portas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar convencê-los a analisar, no próximo dia 22, um conjunto de processos que questionam a incidência do ICMS sobre software. Por ora, há na pauta apenas uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, proposta em 1999, quando a transferência eletrônica de software ainda era feita por meio de disquete.
Empresários e advogados entendem que a questão não pode ser analisada sem levar em consideração os atuais meios para a comercialização – download, streaming e nuvem. Para eles, sem um julgamento ampliado, manteria-se a insegurança jurídica, que impacta a competitividade no setor.
Além de abranger o software personalizado ou não, a norma paulista considera a transferência eletrônica de dados por download ou streaming. Hoje, São Paulo cobra 5% de ICMS sobre o download, embora a Lei Complementar nº 116, de 2004, estabeleça que os municípios podem cobrar ISS sobre a licença por uso.
Também tramita no STF uma ação da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) para questionar o Convênio nº 106, de 2017, do Conselho Nacional da Fazenda Nacional (Confaz). A norma autorizou os Estados a cobrar ICMS nas operações com bens e mercadorias digitais, comercializadas por transferência eletrônica (ADI nº 5958).
As empresas esperam que o STF defina, de uma vez por todas, que a circulação de software, por qualquer tipo de transferência de dados digitais, não pode ser tributada pelo imposto estadual (com alíquotas de até 18%). Apenas pelo ISS (até 5%). Para ampliar o julgamento, advogados e diretores de entidades devem visitar, até a próxima semana, os gabinetes de ao menos seis ministros – incluindo os relatores das ações, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso.
O advogado Ricardo Godoi, do escritório Godoi & Zambo Advogados Associados, que representa a CNS, lembra que conceitos como "software de prateleira" não existem mais. "Hoje em dia se disponibiliza software por download e o processo judicial tem que levar em consideração essas concepções mais modernas", afirma. "De nada adianta termos decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias da Justiça, se o STF fixar uma jurisprudência desatualizada."
Em São Paulo, a Justiça está dividida. A Federação de Serviços do Estado de São Paulo (Fesesp), por exemplo, obteve liminar, que depois foi derrubada (processo nº 3001176-36.2018.8.26.0000). Já o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (Seprosp) e a Brasscom possuem decisões vigentes. O primeiro conta com acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que suspende o ICMS (2065 250-19.2018.8.26.0000). Já a associação mantém liminar favorável de primeira instância (processo nº 2086668-13.2018.8.26.0000).
Segundo Sergio Sgobbi, diretor da Brasscom, a entidade já conseguiu suspender o pagamento do ICMS em sete ou oito Estados "porque já era uma condição estabilizada se pagar o ISS na localidade". De acordo com levantamento da associação, o aumento da carga tributária decorrente da bitributação do setor pode variar de 67% a 500%. Isso porque, segundo o estudo, a arrecadação adicional dessa bitributação pode variar entre R$ 1,3 bilhão (adoção da alíquota de 5% pelos Estados) e R$ 4,5 bilhões (alíquota de 18%).
Esse levantamento foi encaminhado para o Ministério da Ciência e Tecnologia, para que o governo também peça ao Supremo o julgamento conjunto das ações diretas de inconstitucionalidade, segundo Sgobbi. "A ação na pauta do STF do dia 22 é muito antiga. Mesmo que a decisão seja positiva para as empresas, não vai contemplar o cenário atual e o setor continuará a não saber o que e quanto pagar."
Como dados do IDC Brasil mostram que as empresas do setor no Estado de São Paulo, em 2015, totalizaram R$ 12,85 bilhões de faturamento, a Brasscom afirma, em seu estudo, ser possível projetar arrecadação de ICMS de R$ 640 milhões, aplicando-se a alíquota de 5%. Para o ISS, com uma alíquota média de 2,9%, calcula-se uma arrecadação da ordem de R$ 370 milhões.
Hoje, o Brasil está na lista dos que mais investem em softwares. Para 2018, a expectativa da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) é de uma elevação de 4,1% dos desembolsos no país – considerando-se os negócios a serem fechados no segundo semestre. "Se a decisão do STF em uma ação judicial for diferente das demais, o ambiente de insegurança jurídica permanecerá, o que poderá impactar esses investimentos", afirma o diretor jurídico da Abes, Manoel Antonio dos Santos.
Por enquanto, Santos orienta as empresas associadas a não prestar obrigações acessórias aos Estados, nem recolher o ICMS. "Podemos ter custos com eventuais defesas administrativas ou judiciais. Mas mesmo nesse caso orientamos a não provisionar", diz. O diretor jurídico argumenta que o ICMS só incide na transferência de titularidade. "Ou a compra de um plano de saúde por meio de plataforma eletrônica também o tornaria uma mercadoria sujeita ao ICMS", acrescenta Santos.
De acordo com a advogada Patrícia Vargas Fabris, do Mazzucco e Mello Advogados, tudo será definido pelo Supremo. De qualquer forma, recomenda às empresas recorrer à Justiça para afastar a incidência do ICMS e a recuperar o que foi eventualmente pago nos últimos cinco anos. "De acordo com jurisprudência do próprio STF, decreto não pode trazer nova cobrança tributária sem o respaldo de uma lei complementar. Além disso, software não é um bem tangível para incidir ICMS", diz.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo disse, por nota, que "não quer comentar estratégia processual fora dos autos".
Por Laura Ignacio | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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