Atribui-se ao jornalista norte-americano H. L. Mencken a seguinte frase: "Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada". Infelizmente é o que parece estar ocorrendo no debate acerca do retorno da tributação dos dividendos, proposta presente no discurso eleitoral de todos os candidatos à Presidência e no discurso de diversos economistas da área tributária (Valor 23/07/18). A proposta seguramente pode ser implementada, mas deve ser cercada de várias cautelas, algumas das quais aponto.
Antes de 1994, ano em que foi afastada a tributação sobre os dividendos, discutia-se ardentemente a existência de dupla incidência do imposto sobre a renda, que inegavelmente existia, pois tanto a empresa, quanto os acionistas, eram tributados sobre a mesma base, considerando apenas que, em um caso era fruto da operação empresarial, que poderia ou não gerar lucros, e, no caso dos acionistas, tributava-se pelo imposto sobre a renda o lucro auferido que era distribuído.
Será necessário reduzir a carga tributária sobre as empresas brasileiras para se reintroduzir a tributação sobre os dividendos
A extinção da tributação dos dividendos reduziu fortemente este embate fiscal, porém, ao longo dos anos, ocorreu enorme majoração da carga tributária sobre as empresas. A carga fiscal brasileira em 1994 era de 25% do PIB, sendo que hoje se encontra em 33% – ou seja, uma majoração de oito pontos percentuais. Em 1994 a União arrecadava 19% do PIB em tributos; hoje esse montante chega a 24% desse total. Grande parte desse aumento ocorreu entre 1995-2005 para conter desequilíbrios na balança de pagamentos internacionais.
Destaca-se que a majoração da carga tributária federal ocorreu fortemente no PIS e na Cofins, que incidem sobre a receita bruta das empresas – isto é, tributa-se antes de saber se haverá ou não lucro. Havendo lucro, ainda incide o imposto sobre a renda e a contribuição social sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas.
A proposta que se veicula é que, se restar algum valor após o provisionamento das reservas legais e para reinvestimento, seja cobrado imposto sobre a renda dos dividendos distribuídos aos acionistas. Ou seja, retornamos à situação de dupla incidência, pré-1994, com o agravante de que hoje a carga tributária total é sensivelmente maior.
Existem pelo menos três intenções quando se busca tal solução. A primeira é acabar com a pejotização, isto é, a transformação de pessoas físicas em pessoas jurídicas visando a redução da carga tributária. Ocorre que tributar os dividendos será o remédio errado para solucionar este problema, que se identifica com os diferentes regimes tributários existentes no Brasil: MEI, Simples, Lucro Presumido e outros. Colocar a lupa nesses regimes é mais adequado para solucionar este problema do que simplesmente tributar os dividendos.
Outra intenção é atender aos reclamos da sociedade, que identifica na não tributação dos dividendos um privilégio a ser combatido, enquanto o valor dos salários é fortemente tributado. Aqui também a solução é reduzir para todos, e não aumentar para alguns, com dupla incidência.
E a terceira é aumentar a arrecadação, o que certamente ocorrerá, porém dificilmente na proporção esperada, pois retornaremos ao embate fiscal pré-1994, atulhando de processos as vias administrativas e judiciais.
A solução não é fácil. Reintroduzir a tributação sobre os dividendos é uma medida que requer um conjunto de outras providências a fim de que não seja apenas aumento da carga tributária, até mesmo porque, com a reforma fiscal adotada pelo governo Trump, a disputa internacional por atração de investimentos foi fortemente alterada em favor dos norte-americanos, que reduziram a carga tributária e incentivaram a ida e o retorno de empresas para aquele país.
Será necessário reduzir a carga tributária sobre as empresas brasileiras para que seja reintroduzida a tributação sobre os dividendos, balanceando-a com o impacto da reforma fiscal Trump. Apenas tributar os dividendos sem a harmonização do sistema será mais um tiro no pé.
Todavia, como reduzir a carga tributária, se o setor público não cessa de aumentar gastos, que nem sempre são voltados ao interesse social, mas apenas ao seu interesse próprio? Eis o grande desafio a ser enfrentado por quem assumir o Poder Executivo e o Legislativo federal. Desejo-lhes boa sorte e olho atento contra medidas fáceis para problemas complexos, pois podem estar erradas.
Fernando Facury Scaff é professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, por onde é doutor e livre docente. Sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Pinheiro, Guimarães & Scaff Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Por Fernando Facury Scaff
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário