Nos autos do processo nº 0040890-832008.4.01.9199, cujo julgamento da apelação e remessa necessária fora realizada pelo TRF1, em 30/05/2017, a maioria dos magistrados convocados, confirmaram a tese fixada pelo STJ no RESP 1352721/SP, da Coisa Julgada Secundum eventum probationis.
O autor, na primeira ação declaratória interposta (ano de 2003), pedia o reconhecimento de tempo de serviço em atividade rural. Na ocasião, seu pedido fora julgado improcedente por falta de início de prova material. Ficou claro, portanto, que a carência de prova foi determinante para o desfecho desfavorável naquele processo.
O INSS apelou, alegando, em preliminar, a coisa julgada, tendo em vista o que foi decidido na primeira ação declaratória proposta pelo autor no ano de 2003, que julgou o seu pedido improcedente.
No julgamento da apelação, os Juízes não foram unânimes na aplicação do RESP 1352721/SP que pacificou a tese da Coisa Julgada Secundum Eventus Probationis, tendo um deles alegado que aquele RESP paradigma devia ser mais bem interpretado, já que na sua visão, aquele precedente usado como paradigma pelo relator não abarcava a tese de que os processos julgados com resolução do mérito poderiam ter a flexibilização da coisa julgada secundum eventus probationis e alegou que o que ficou definido naquele decisum foi a possibilidade de nova ação quando a anterior foi extinta sem resolução do mérito. Enfim, o Juiz que divergiu do relator foi vencido, votando a maioria conforme o relator.
Interessante destacarmos trecho da Ementa do julgado do TRF1 em comento que demonstra a correta abordagem do relator para afastar a preliminar de coisa julgada:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS. ENQUADRAMENTO POR EXPOSIÇÃO A RISCO. RUÍDO. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. EPI.”
O autor ingressou com ação declaratória junto à Comarca de Extrema/MG (0062193-38.2003.8.13.0251), para averbação de tempo de serviço rural do período de 18/08/1965 a 01/06/1975, que foi julgada improcedente por falta de inicio de prova material, sequer sendo colhida prova testemunhal (fls. 57/68).
A carência de prova foi determinante para o desfecho desfavorável ao autor no primeiro processo, o que viabiliza o debate do mesmo tema num segundo feito, diante da coisa julgada secundum eventum probationis, dos termos fixados pelo Superior Tribunal de justiça, sob a Lei dos Recursos Repetitivos (RESP 1352721/SP).” (...) ( Grifamos)
Vale a pena transcrever, então, a ementa e o acórdão do RESP 1352721/SP citado pelo relator:
Ementa
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
Acordão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, preliminarmente, tornando sem efeito a afetação do processo ao rito do art. 543 do Código de Processo Civil e determinando o retorno dos autos à Primeira Turma, e, afastada a preliminar, propondo, quanto à tese jurídica, que na ausência de prova constitutiva do direito previdenciário, o processo seja extinto com fulcro no artigo 269, I, do CPC, com julgamento de mérito, sendo a coisa julgada material secundum eventum probationis, no que foi acompanhado pelo voto do Sr. Ministro Herman Benjamin, e os votos dos Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Votaram vencidos os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques e Herman Benjamin. Declararam-se habilitados a votar os Srs. Ministros Humberto Martins, Luis Felipe Salomão e Benedito Gonçalves. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.” ( grifos nossos)
Como se pode observar, o voto do relator foi acompanhado pela maioria, apesar da divergência e foi o que prevaleceu naquele julgamento. Alguns trechos do voto do relator merecem, também serem destacados:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.352.721 - SP (2012⁄0234217-1)
V OTO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8⁄STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
(...)
1.Cinge-se a questão posta na presente demanda em examinar se a insuficiência ou falta de provas ocasiona a improcedência do pedido, por se tratar de julgamento de mérito, ou a extinção do processo sem análise do mérito, o que ensejaria a possibilidade de propositura de nova demanda, idêntica à anterior, com a juntada de novas provas.
(...)
6.Dessa forma, as normas de Direito Processual Civil devem ser aplicadas ao Processo Judicial Previdenciário levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
(...)
9.Aliás, assim como ocorre no Direito Penal, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
(...)
11.A propósito, cumpre trazer à baila as judiciosas ponderações do douto Magistrado JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS:
Enquanto o processo civil se mostra exuberante no que conquista de mais elevada segurança com o instituto da coisa julgada, o direito processual previdenciário é guiado por um princípio fundamental de que o o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal. Não é adequado que se sepulte, de uma vez por todas, o direito de receber proteção social em função da certeza assegurada pela coisa julgada, quando a pessoa, na realidade, faz jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
Tal como no direito penal, se admite a revisão criminal para beneficiar o réu quando, por exemplo, são descobertas novas provas que o favoreçam, o processo previdenciário pauta-se pelo comprometimento, a todo tempo, com o valor que se encontra em seu fundamento: a proteção social do indivíduo vulnerável, essa essencial dimensão de liberdade real e dignidade humana. Em relação a este valor, é de se reconhecer, a segurança contraposta deve ser superada como um interesse menor.
A coisa julgada não deve significar uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica. Tudo o que acontece, afinal, seria apenas processual, mesmo que seus efeitos sejam desastrosos para a vida real.
A fundamentação para a aceitação do que acima foi proposto não se dá apenas pelas três primeiras características da singularidade previdenciária. Também o caráter público do instituto de previdência que assume o polo passivo da demanda é relevante, pois não haverá o sentimento de eterna ameaça de renovação de um litígio ou de revisão de uma sentença. Não há insegurança em se discutir novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas, como inexiste segurança na possibilidade de se rever uma sentença criminal em benefício do réu. O que justifica esta possibilidade é justamente o valor que se encontra em jogo, a fundamentalidade do bem para o indivíduo e sua relevância para a sociedade.
(...)
12.Acerca da extinção do processo, o CPC traz a previsão, em seu art. 267, das hipóteses de extinção sem julgamento do mérito, quando constatada a inexistência das condições da ação; e, em seu art. 269, as situações que ensejam a extinção com julgamento do mérito.
13.Com base nas considerações ora postas, impõe-se concluir que a ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito, de forma a possibilitar que o segurado ajuíze nova ação, nos termos do art. 268 do CPC, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada.
(...)
15.Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial do INSS.
16.É como voto.” ( grifos nossos)
A aplicação da relativização da coisa julgada secundum eventus probationis, no processo previdenciário, é corolário de uma ordem justa, respaldada pela eficácia normativa dos princípios constitucionais que consagram o devido processo legal.
Destacar o processo previdenciário como especial em relação aos demais é qualificar o bem material tutelado que está intrinsecamente ligado à subsistência do cidadão em função de contingências sociais previsíveis e imprevisíveis.
A processualidade tipicamente previdenciária abarca uma série de convergências interpretativas quando se analisam as normas de forma sistemática e uma delas tem relação com a acomodação dos efeitos da coisa julgada que se opera em processos que chegam ao seu fim com a denegação da proteção social por insuficiência de provas.
Tal como o doutrinador e Juiz Federal José Antônio Savaris, acreditamos que o Direito não pode ser compreendido apenas como um sistema de normatividade jurídica teórica. A decisão judicial deve ser uma atividade materializadora do Direito. Há a necessidade, nesse sentido, de se superar o formalismo positivista para dar espaço as técnicas que permitem a aplicação da justiça baseada no caso concreto através da máxima efetividade processual. A atividade judicial não deve ser resumir, portanto, à mera aplicação da lei, mas à efetivação do direito.
A partir dessa constatação é que se busca a concepção de “Direito Fundamental a um processo justo” através de um devido processo legal substantivo com a premissa de autonomia do processo previdenciário do processo civil clássico.
Verificada a lógica do processo previdenciário diante de sua singularidade, a doutrina e a jurisprudência, na interpretação sistemática das normas processuais contidas na legislação infraconstitucional e constitucional chegou a conclusão da necessidade de aplicação da técnica de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis quando não existisse “prova bastante para o desate tranquilo da controvérsia”, quando faltasse “suporte probatório suficiente para o convencimento” – ou quando houvesse “dúvida fundada”.
Concluindo-se, portanto, que a ratio decidendi se deu pela insuficiência de prova, evidencia-se que não houve caráter de definitividade da referida decisão, não alcançando-se, por conseguinte, a autoridade de coisa julgada material.
Nesse sentido, caso o magistrado de primeiro grau tenha julgado a lide, equivocadamente, com resolução do mérito e fundamentado tal decisão na insuficiência de provas, a decisão deve ser considerada nula, já que ficou evidente o error in procedendo.
No mesmo diapasão, quando, em grau recursal, a preliminar estiver tratando de coisa julgada, a interpretação consentânea do RESP 1352721/SP é a de que não se considera o alcance da “ coisa julgada ” a decisão que, a despeito de não ter julgado o feito original extinto sem resolução do mérito, o julgou com resolução de mérito, pois nula em razão do erro procedimental.
Enfim, concordamos com o posicionamento do relator do processo objeto desse estudo, o qual foi corretamente acompanhado pela maioria. Não há como aplicar o distinguish à interpretação dada pelo RESP 1352721/SP como quis o Juiz que divergiu do entendimento da maioria pelos fundamentos que acima expusemos.
É inaceitável, no Estado Democrático de Direito, que garante um devido processo legal substantivo, que uma decisão judicial que rejeita o pedido de proteção previdenciária por insuficiência de provas continue a privar o segurado da previdência social de direito fundamental indispensável à sua subsistência, mesmo quando, diante de novos elementos probatórios, ela é tida como equivocada.
¹ art. 48 da Lei 8.213/91, § 3º : “§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)”
Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo:
Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista.
Fonte: IEPREV
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