Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
(Apesar de Você – Chico Buarque)
Pergunta que sempre me fazem: como calcular os juros de mora nas ações previdenciárias. O Código Civil de 1916 era claro: os juros seriam cobrados em 6% ao ano (o que dava 0,5% ao mês). Com o advento do novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), a regra mudou:
Lei 10.406, Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Lei 5.172, Art. 161, § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
Logo, 1% ao mês, e pronto. Porém, em 30.06.2009 entra em vigor a Lei 11.960/09, que trouxe outra regra: determinou a aplicação, tanto para correção monetária quanto para juros, dos mesmos índices utilizados nos depósitos em cadernetas de poupança. Vejamos:
Lei 11.960, Art. 5º O art. 1º-F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4º da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”
O Supremo Tribunal Federal já declarou que os índices de poupança não são válidos para se fazer correção monetária (clique AQUI para ver detalhes sobre este assunto), mas manteve válida a aplicação dos juros da poupança como juros de mora.
Em 2009, quando a Lei acima foi publicada, eu me manifestei nas redes sociais dizendo que o próximo passo do governo seria mexer nas cadernetas de poupança. E não deu outra: em 03.05.2012 foi publicada a Medida Provisória 567 (convertida posteriormente na Lei 12.703/12), que alterou a forma de apuração dos juros da caderneta de poupança:
Art. 1º O art. 12 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 12, II – como remuneração adicional, por juros de:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos.
Parece ser bem confuso, mas não é. Os bancos fazem, sempre que necessário, empréstimos uns aos outros pelo prazo de um único dia (estas operações são chamadas de overnight). Estes empréstimos têm como garantia (ou lastro) títulos públicos – ou seja, no fundo, quem garante tais empréstimos é o governo. Em 1979, o Banco Central e a Andima criaram o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC – para controlar estes empréstimos[1]. Este sistema define também a taxa que será cobrada nestas operações (taxa SELIC). A cada 45 dias o Copom – Comitê de Política Monetária do Banco Central – se reúne para definir qual será a meta da SELIC para os próximos 45 dias: se continuará estável, se deve subir ou cair. Como ela serve de base para os títulos públicos, acaba por servir de referência para todo o mercado[2].
A taxa SELIC flutua (sobe, desce, fica estável) conforme necessidades diversas do país. Pode subir para atrair mais investimentos externos, pode cair para aquecer a economia, etc.
O que se fez em 2012 foi vincular os juros da caderneta de poupança à flutuação da SELIC: se a taxa SELIC estiver alta, os juros da poupança serão de 0,5% ao mês; porém, se a SELIC estiver baixa, os juros da poupança vão cair. A lógica é: se a taxa de juros caiu, é porque o governo quer que as pessoas gastem, aquecendo a economia. Desta forma, reduz-se também os juros da poupança para que as pessoas não fiquem guardando dinheiro. Por outro lado, se a SELIC sobe, é porque o país está precisando aumentar a poupança interna; uma das formas de aumentar a poupança é com as pessoas investindo nas cadernetas de poupança.
Até aqui, tudo ok, tudo lindo. O grande problema foi a Lei, em 2009, vincular os débitos da fazenda pública aos juros de poupança. O objetivo dos juros é penalizar o devedor: quanto mais tempo demora para pagar a dívida, maiores são os juros. Quando o governo vincula suas próprias dívidas a juros da caderneta de poupança, e em seguida permite que estes juros possam ser reduzidos (acompanhando a queda da taxa SELIC), ele está se beneficiando, e prejudicando o seu credor.
Nos processos previdenciários, o prejudicado, claro, é o segurado que tem direito ao benefício (ou a diferenças do benefício) e não recebe tais valores, pois o processo está preso nas entranhas dos milhares de recursos que o INSS impetra, atrasando tal pagamento. Os juros, antes, compensavam tal demora (pois eram altos, 1% ao mês), e pressionavam o INSS a encerrar logo a discussão; entretanto, a partir de 2009, não há mais interesse do devedor em quitar logo a dívida, pois os juros são baixos.
Mas, como saber qual o percentual de juros a ser utilizado no cálculo?
É trabalhoso, mas não é difícil de se encontrar a taxa de juros. Primeiro, buscamos na internet o rendimento total, mês a mês, da caderneta de poupança (eu costumo buscar neste SITE). Em seguida, buscamos, para os mesmos meses, a TR (Taxa Referencial), que eu costumo buscar no mesmo site. Isto porque as cadernetas de poupança são remuneradas com TR mais juros. Vem, então, a terceira operação: tirar a TR do rendimento da poupança. O que sobrar é a taxa de juros.
Exemplo: o índice mensal da caderneta de poupança em jan/17 foi 0,6858. A TR mensal de dez/16 (usada na poupança de jan/17) foi de 0,1849. Logo, 0,6858 – 0,1849 = 0,5009 (arredondando, 0,5% de juros).
Outro exemplo: o índice mensal da caderneta de poupança em out/17 foi 0,5000. A TR mensal de set/17 (usada na poupança em out/17) foi 0,0000. Logo, os juros foram 0,5000 (0,5%).
Mais um exemplo: a caderneta de poupança rendeu, em dez/17, 0,4273. A TR de nov/17 (usada na poupança de dez/17) foi 0,0000; logo, os juros foram de 0,4273 (menos que 0,5%, pois a SELIC está baixa).
Veja a série completa para 2017:
E no meu cálculo, como uso isso?
Em primeiro lugar, vale lembrar que os juros são apurados a partir da data da citação. Em segundo, os percentuais de juros são somados (e não acumulados).
Imaginemos um caso hipotético em que a ação foi ajuizada em mar/17, a citação ocorreu em abr/17, e a liquidação se dará em jan/18.
A parcela referente a jan/18 não tem juros, pois está sendo liquidada no mesmo mês do seu vencimento.
A parcela referente a dez/17 terá 0,4273% de juros.
A parcela de nov/17 terá 0,8963% de juros (0,4273 [dez/17] + 0,469 [nov/17] = 0,8963).
A parcela de out/17 terá 1,3963% de juros (0,4273 [dez/17] + 0,469 [nov/17] + 0,5 [out/17] = 1,3963).
A parcela de set/17 terá 1,8963% de juros (0,4273 [dez/17] + 0,469 [nov/17] + 0,5 [out/17] + 0,5 [set/17] = 1,8963).
E assim, sucessivamente, até chegarmos ao mês da citação.
É isso!
Um abraço, e até a próxima!
PS.: Meu agradecimento ao amigo Dr. David de Martini Jr., pelos alertas sobre os links do texto!
[1] Fonte: http://www.bcb.gov.br/htms/selic/selicintro.asp?idpai=SELIC
[2] Fonte: http://www.infomoney.com.br/educacao/guias/noticia/125180/entenda-que-como-selic-afeta-economia-brasileira-seu-bolso
Fonte: http://www.profemersonlemes.com.br
Via EIPREV
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