Os avanços advindos pela intensa evolução tecnológica têm revolucionado diversos setores da economia. Nesse sentido, o crescimento exponencial na integração da sociedade, por ela propiciado, fez-se sentir na forma de financiamento e/ou arrecadação de receitas. Fruto deste fenômeno, o "Crowdfunding" (ou, financiamento coletivo) tem ganho cada vez mais destaque. Daí que, existindo uma verdadeira transmissão de riqueza e capacidade contributiva de determinadas pessoas, é de grande importância analisar seus reflexos tributários.
Em que pese a escassez de recomendações e/ou regulamentações sobre o tema, importante destacar a Instrução 588 da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), que regulamentou o Crowdfunding de investimento. Dentre os demais pontos, destaca-se a possibilidade de as empresas, com receita anual de até R$ 10 milhões, realizarem ofertas através de Crowdfunding com dispensa automática de registro de oferta e de emissor na Comissão.
Na União Europeia há regras relativas ao tratamento tributário das operações de Crowdfunding
Na ocasião, restou definido que, para efeitos de incidência do IVA, devem ser observadas as seguintes situações: (i) não incide o IVA quando nenhuma contrapartida está prevista para os financiadores de determinados projetos; e (ii) incide o IVA quando existe uma contrapartida para os financiadores dos projetos, onde determinada pessoa que dá fundos a uma campanha de Crowdfunding recebe uma contrapartida sob a forma de bens ou os serviços da pessoa que recebeu seus recursos – desde que exista uma ligação direta entre o fornecimento de bens ou serviços e a respectiva cobrança por meio de crowdfunding. Nesse último caso, a natureza dos bens ou serviços recebidos irá definir a correta incidência do IVA (bem como se tal operação não se enquadra em eventual norma isentiva).
No Brasil, a matéria ainda carece de maiores conclusões. É de se indagar ser o caso de incidência de ICMS/ISS e/ou ITCMD. É que, consoante a modalidade de crowdfunding escolhida, a situação parece estar abarcada pelo possível âmbito de incidência de um ou outro imposto. É dizer, existindo qualquer contrapartida por parte do "financiado" em favor dos financiadores, parece estar caracterizada verdadeira doação, fato esse tributável pelo ITCMD. Já no caso em que o recebimento desses valores esteja atrelado a promessa de futuro bem ou serviço, passível, em tese, de incidência de ICMS ou ISS.
No que tange ao ITCMD – doação, a Carta Política de 1988, em seu art. 155, § 1º, II, estabelece que o tributo deverá ser cobrado pelo ente em que domiciliado o doador. Tendo em conta que no caso do crowdfunding os doadores podem estar espalhado por todo o território nacional – e inclusive fora dele (caso esse em que lei complementar estabelecerá a competência, consoante art. 155, § 1º¸III, CF), complexa a regulamentação e operacionalização dessa tributação.
Não bastasse isso, é de se perquirir qual a base de cálculo a ser considerada: o valor de cada doação isolada ou o montante total? Destaque-se que ante a ausência de lei complementar de normas gerais tratante desse assunto, as leis estaduais, elaboradas no exercício da competência suplementar dos Estados, tendem a estabelecer o montante recebido de cada doador. E, em sendo esse o caso, a maioria dos diplomas estaduais isentam as doações de menores valores, em que se encaixam a maioria das doações feitas nessa modalidade de financiamento coletivo, de modo que, apesar de a quantia total obtida pelo captador ser vultuosa, estaria alheia a incidência do ITCMD – o que parece afrontar aos princípios da isonomia.
Já no que se refere ao ICMS, o que há de se indagar preliminarmente é se "o bem prometido" configuraria mercadoria (art. 155, II, da Constituição Federal de 1988), posto que, remanesce em aberto, a discussão acerca da configuração, ou não, dos bens digitais nessa categoria jurídica.
Relativamente, ao Imposto Sobre os Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), quando se tratar de promessa de entrega de serviço, deve ser analisada sua efetiva prestação e seu possível enquadramento em algum item da lista anexa à LC 116/2003. Em ambos os casos, é de se questionar que base de cálculo deverá ser observada: o valor vertido ou o valor do bem no momento da entrega futura? Outrossim, não esqueçamos a possibilidade de não ser exitoso o empreendimento, caso em que as condições não se implementariam, e remanesceria lacunosa a tributação dos valores anteriormente vertidos.
Em um e outro caso, as dificuldades são muitas, por vezes descortinando a insuficiência dos nossos diplomas legislativos, inclusive o constitucional, face a realidade disruptiva, em uma de suas facetas, ora enfrentada. Primordial, nesse momento, aguardar os posicionamentos legislativos.
Cassius Lobo e Dayana Uhdre são, respectivamente, pós-graduado em direito tributário e processo tributário pelo IBET, pós-graduado em contabilidade e finanças pela UFPR, mestrando em direito tributário pela Universidade Católica de Lisboa e advogado tributarista no escritório Küster Machado; pós-graduada em direito tributário e processo tributário pelo IBET, mestre em direito tributário pela UFPR e professora de graduação da FAPI (Faculdade de Pinhais) e da Pós-Graduação no IBET.
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Por Cassius Lobo e Dayana Uhdre
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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