Alguns contribuintes começaram a questionar na Justiça possíveis bloqueios de bens pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Uma indústria de São Paulo, notificada por ter débitos tributários em aberto, obteve uma decisão favorável para evitar a medida. Essa mesma companhia, porém, teve o pedido negado em outro processo.
O artigo 20-B da Lei nº 13.606 – que trata do Programa de Regularização Tributária Rural -, autorizou a Fazenda tornar indisponíveis imóveis e veículos de contribuintes que não quitarem o débito inscrito na dívida ativa em cinco dias, após notificação. A PGFN disse que recorrerá.
Essa decisão foi concedida pelo juiz Paulo Cezar Duran, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo. "Defiro o pedido de liminar para determinar à autoridade impetrada que não promova a averbação pré-executória, prevista no artigo 20-B, parágrafo 3º, inciso II da Lei nº 10.522, de 2002, em face da inscrição de dívida ativa", afirma na liminar.
O magistrado entende que a penhora só poderia ser determinada pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, afirma que o legislador afrontou os princípios constitucionais da separação dos poderes e o que garante que as atribuições de um órgão não serão delegadas a outro. "Ademais, o Código Tributário Nacional [CTN], ao tratar sobre a penhora de bens de devedor tributário, estabeleceu regras claras e determinadas ao Judiciário", acrescenta.
De acordo com o artigo 185-A do CTN na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar ou apresentar bens à penhora no prazo legal e se não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de bens e direitos.
O magistrado cita jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema para embasar a decisão. "Em tese firmada pelo Egrégio STJ verifica-se que a condição para o magistrado tornar indisponível bem do devedor, é a comprovação do exaurimento dos meios de busca de bens penhoráveis por parte do credor", diz na liminar. Ele ainda declara o artigo 20-B inconstitucional. "Resta clara a inconstitucionalidade do artigo da Lei 13.606/2018, diante de sua incompatibilidade com princípios e preceitos da Carta Magna", diz.
A liminar negada foi proferida pela juíza Cristiane Farias Rodrigues dos Santos, da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo. A magistrada entendeu não existir qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no bloqueio de bens. "Ainda, não há urgência da parte, que não teve qualquer restrição em seus bens no momento, e não há indicação de que o procedimento se dará antes da juntada das informações", afirma na decisão.
Segundo Marcelino Alves de Alcântara, do Naal Advogados, advogado que representa a indústria no processo, a empresa recebeu três notificações para pagar débitos tributários ou seria inscrita na dívida ativa em cinco dias. "Como agora existe a possibilidade de a PGFN tornar indisponíveis os bens do devedor, resolvemos tomar essa medida preventiva", afirma.
Em relação à liminar indeferida, ele afirma vão recorrer. Mas o tributarista já ingressou com outras 16 ações no mesmo sentido, para outros clientes. "São empresas que estão em débito por terem passado por um momento de crise econômica, não devedores contumazes", diz.
O advogado tributarista Fabio Calcini, do Brasil Salomão & Matthes Advocacia, afirma que clientes notificados já procuraram a banca para ajuizar ação contra possíveis bloqueios. "Só aguardamos o encerramento e intimação da cobrança de processo administrativo para ter um fato mais concreto da urgência."
Para Calcini, a liminar favorável pode ser usada como precedente por outros que queiram obter o mesmo direito porque possui fortes argumentos para enfatizar que a atuação do Judiciário é fundamental quando se trata de indisponibilidade de bens. "Apesar de ser uma decisão de primeira instância, possui alta relevância por comprovar que o Judiciário está atento e esta medida inconstitucional. Esperamos que o STF em breve se posicione", diz. O Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (Adin nº 5.881), com pedido de medida cautelar, contra o mecanismo. O relator é o ministro Marco Aurélio Melo.
Vários mandados de segurança no mesmo sentido serão distribuídos, nos próximos dias, por contribuintes que receberam notificações na semana passada, segundo o tributarista Eduardo Salusse, do Salusse Marangoni Advogados. "A inconstitucionalidade dessa lei é flagrante. E a repetição de decisões favoráveis consolidará a tese e provocará sua inevitável revogação", afirma.
Para Salusse, o Judiciário deve fazer esse controle e o meio para isso é o devido processo legal, conforme previsto no CTN. "Lamentamos que o poder público atole o Judiciário e faça a vida dos contribuintes um inferno com a edição de normas ilegais e inconstitucionais", diz.
Por nota, a PGFN diz que recorrerá quando intimada da liminar. Mas adianta que argumentará abuso de direito e violação à boa-fé objetiva porque a empresa pleiteia medida para evitar indisponibilidade de bens ou direitos, mas, ao mesmo tempo, não indica bem ou direito para garantir suas dívidas.
Alega também não conhecer qualquer outra decisão judicial favorável ao contribuinte relativa ao tema. "Os juízes, em regra, cumprem a legislação e respeitam o contraditório e a ampla defesa, determinando a prévia manifestação da PGFN", diz. A PGFN argumenta também que a norma ainda precisa ser regulamentada para ser aplicada. O que deve acontecer em até 90 dias da publicação da lei. "O artigo 20-E da Lei nº 10.522, de 2002, é muito claro ao exigir prévia regulamentação. Assim, o mandado de segurança em tela impugna a lei em tese", diz a nota.
Por Laura Ignacio | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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