A publicação da Lei Complementar nº 116, em 31 de julho de 2003, trouxe esperança às sociedades dedicadas à exportação de serviços em geral, por contemplar a não sujeição ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Afinal, era chegada a hora de incentivar o exportador desses bens, estendendo a eles o mesmo benefício atribuído àqueles que exportam bens corpóreos, colocando o Brasil em pé de igualdade com seus concorrentes no exterior, e conferindo-lhes maior competitividade.
Infelizmente, essa esperança esvaiu-se rapidamente, por força da decisão proferida em 15 de agosto de 2006, por maioria, pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ao interpretar o art. 2º da referida lei, decidiu que a exoneração não se aplicaria aos serviços integralmente prestados em solo brasileiro.
A se manter o decidido em precedentes, perdem os exportadores e o país, pois a tributação os coloca à margem da globalização
A conclusão não poderia mesmo ser outra. Exportar implica necessariamente transferir ao exterior uma utilidade, seja ela em bens corpóreos ou incorpóreos.
Embora o resultado fosse adverso aos contribuintes, esse precedente não impediu a propositura de centenas de ações por aqueles que se consideraram prejudicados, e que entendem – a nosso ver, com razão -que o termo "resultado" ao qual a lei se refere deve ser entendido como "consumo".
Ou seja, sendo o serviço consumido no exterior por um não residente no país, lá ocorrerá o resultado, ficando ao abrigo da imunidade do ISS. Por outro lado, incidirá o ISS se esses serviços forem consumidos no Brasil, mesmo que o tomador seja um não residente.
A discussão prosseguiu com o julgamento, dez anos após o precedente acima mencionado, do Agravo em Recurso Especial nº 587.403, no qual a Corte decidiu que os serviços de engenharia prestados a não residentes estão fora da incidência do imposto, pois as provas produzidas nos autos demonstraram que o contrato teria por objeto o projeto de obras cuja execução só poderia se dar em território estrangeiro.
Embora saudada por muitos como um avanço, a decisão manteve o entendimento de que só se configuraria a exportação se os serviços contratados fossem executáveis única e exclusivamente no exterior. Não havendo prova disso – ou, como salienta o acórdão, se o serviço puder ser executado em qualquer localidade -, o ISS seria devido.
A decisão do STJ continua pecando por distinguir onde o legislador não distinguiu, pois uma vez demonstrado que o tomador do serviço é um não residente, e que os serviços serão consumidos no exterior, atendidas estarão as condições para gozo da não incidência. Irrelevante, para esse fim, o que dispõe o contrato subjacente de execução da obra, que não se confunde com o de elaboração de projeto, até mesmo porque a execução pode nem ocorrer, pelos mais diversos motivos.
Importante recordar que o inciso II do § 3º do art. 156 da Constituição Federal (CF) é claro ao dispor que em relação ao ISS, cabe à lei complementar excluir da sua incidência as exportações de serviços para o exterior. Não cabe, pois, ao legislador, estabelecer limites e restrições ao gozo desse benefício, por se tratar de verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar.
Fosse o caso de estabelecer exceções à regra geral, a Constituição deveria simplesmente repetir o disposto no inciso III dessa disposição legal, exigindo lei complementar para "regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados".
Seria, aliás, absurdo que para fazer valer o direito à não incidência, o contribuinte tenha que apresentar seus contratos e projetos à administração municipal, muitos deles sigilosos, obrigando-o inclusive a divulgar informações confidenciais, tais como políticas de preços e fórmulas secretas, para ver confirmada a não incidência do ISS. Afinal, a matéria em exame é exclusivamente de direito, e não de fato, versando apenas sobre o significado e alcance do termo "resultado", não comportando, pois, a produção de provas.
Repita-se que a intenção do legislador não foi outra senão gerar divisas em moeda forte das quais o país tanto necessita, e colocar os prestadores de serviços nacionais em igualdade de condições com seus concorrentes no exterior.
A se manter o decidido nesses precedentes, perdem os exportadores e perde o país, pois a tributação pelo ISS os coloca à margem do inexorável processo de globalização, desestimulando o ingresso do capital estrangeiro vislumbrado pelo legislador, e distorcendo por completo a finalidade da norma original.
Por se tratar de questão de índole constitucional, porquanto derivada de norma inserida na CF que determina – e não apenas faculta -, a desoneração da atividade de exportação de serviços, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) a última palavra sobre a controvérsia.
Espera-se que as Cortes superiores, ao analisar o conceito de resultado, atenham-se ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro, e levem em conta os fins a que a Lei Complementar nº 116/03 se dirige, afastando os obstáculos impostos por conta de interpretações equivocadas.
Vinicius Branco é sócio de Levy & Salomão Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Por Vinicius Branco
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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