Em 2005 foi criada a recuperação extrajudicial, recebida como uma grande inovação, e que viria a regulamentar e dar segurança jurídica ao que era vulgarmente chamado de concordata branca. O devedor passou a poder convocar seus credores sem necessidade de ação judicial prévia e aprovar um plano de pagamento para suas dívidas, dentro de suas reais possibilidades.
O plano seria levado ao Judiciário para homologação, sem necessidade de convocação de assembleia de credores e fiscalização da empresa anos a fio por um administrador judicial. Seu procedimento, portanto, apresenta custo e agilidade bem menores se comparado ao da recuperação judicial. Vale lembrar que a lei anterior considerava como “ato de falência” o empresário convocar credores e propor dilação de pagamentos.
É bem verdade que mencionado quórum mostra-se mais qualificado que o da recuperação judicial (3/5 versus 1/2), mas a redução do desgaste e do custo envolvido é menor na recuperação extrajudicial, sobretudo quando se verifica a possibilidade de inclusão de somente uma ou de algumas espécies de créditos. Apenas para exemplificar, na extrajudicial poderia o plano incluir somente credores com garantia real, ou com privilégio especial, ou apenas quirografários. E não atinge os credores trabalhistas e fiscais.
O instituto ganha ainda mais relevância diante da atual crise econômica, e teria tudo para se tornar uma alternativa muito utilizada. Mas os números mostram que isso não vinha ocorrendo, sendo registradas poucas recuperações extrajudiciais em relação às judiciais.
Entre outros motivos, o receio em relação à modalidade extrajudicial seria a ausência de previsão expressa de que, enquanto o plano permanecesse pendente de aprovação pelo Juízo, os credores discordantes (mesmo sujeitos ao procedimento), poderiam executar ou pedir a falência da empresa, causando prejuízos ou inviabilizando a execução do plano. Isso porque só há previsão legal de que esta recuperação não atinge os direitos dos credores não sujeitos ao plano, enquanto na modalidade judicial a suspensão de ações e execuções é explícita.
Contudo, conforme já vinha sendo objeto de estudos doutrinários (Manoel Justino Bezerra Filho; Lei de recuperação de empresas e falência, RT, 11ª edição, 2015, p. 375), o Judiciário vem aplicando a suspensão de ações ou execuções e barrando pedidos de falência formulados por credores sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial, até decisão final sobre a concessão ou não do pedido.
E nem poderia ser diferente, pois se a lei permite aos credores não sujeitos ao plano o prosseguimento de suas execuções, por outro lado e até por uma questão de bom senso, seria razoável que os credores sujeitos experimentassem a suspensão de seus direitos de cobrança.
Vale citar modernas decisões dos juízes especializados da Capital de São Paulo nesse sentido, proferidas pelos Cultos Magistrados Paulo Furtado de Oliveira Filho (2ª Vara de Falências e Recuperações de SP, proc. nº 1058981-40.2016.8.26.0100) e Daniel Carnio Costa (1ª Vara de Falências e Recuperações de SP, proc. nº 1003856-87.2016.8.26.0100), em rumorosos casos recentes como os das Lojas Colombo e Isolux.
Espera-se que com o sucesso dos casos citados, o instituto passe a ser mais comumente utilizado e que o fantasma do insucesso dos institutos seja afastado da nossa cultura. Há de se derrubar a equivocada ideia de que a recuperação, judicial ou extrajudicial, seria ineficaz ao soerguimento da empresa. As estatísticas que acusam somente 3% de êxito efetivo no manejo da recuperação estão longe de espelhar a realidade, pois ambas as modalidades deste instituto constituem ferramenta útil e eficaz para que empresas viáveis superem crises passageiras.
Para que essas ferramentas sejam ainda mais utilizadas, urge realizar-se uma reforma legislativa pontual, sujeitando à recuperação das empresas os créditos protegidos por garantias fiduciárias. Com a medida proposta, o Brasil abrirá ainda mais oportunidade para que suas empresas possam superar esta crise e outras que porventura possam vir.
por Julio Kahan Mandel e Victor Menezes são, respectivamente, advogado especialista em recuperação de empresas, sócio da Mandel Advocacia, autor de Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Anotada (Saraiva) e membro da Comissão de Estudos sobre Instituições Financeiras da OAB-SP; advogado processualista, com foco em direito empresarial e recuperação de empresas, associado da Mandel Advocacia.
Fonte: Valor Econômico
Via Seteco
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